De Olho no Mundo, por Ana Prestes
A cientista política e especialista em relações internacionais, Ana Prestes, destaca em suas notas desta quinta-feira (23) a resposta do autor do livro Vírus que respondeu ao chanceler brasileiro que ele, “infelizmente, não entendeu a questão”.
Publicado 23/04/2020 13:42
E não é que Zizek se deu ao trabalho de responder Ernesto Araújo? Tá podendo o chanceler. Segundo o filósofo, o chanceler “não entendeu a questão”. Nas palavras dele, “o chanceler brasileiro me acusou de usar a epidemia do coronavírus como uma desculpa para introduzir outro vírus, o ‘comunavírus’. Infelizmente, ele não entendeu a questão”. Para Zizek, em seu livro “Vírus”, a pandemia escancarou a insustentabilidade do sistema capitalista. A consequência é que países bastante conservadores em relação à ode ao “Deus Mercado” estão adotando medidas sanitárias, sociais e econômicas inimagináveis antes da crise. Algumas soam a “sonhos comunistas”, segundo Zizek. Ele fala da distribuição de dinheiro para desempregados, produção de equipamentos de saúde por indústrias de outras áreas, defesa de sistemas universais de saúde e etc. Quando foi que se viu conservadores “dando preferência ao bem comum em vez dos mecanismos do mercado?” Este é “a questão” que Ernesto Araújo não entendeu e duvido que algum dia entenda.
O Conselho Europeu deve se reunir hoje para debater a criação de um fundo comum para enfrentar as consequências da crise econômica decorrente da pandemia do coronavírus na região. Segue entre os europeus um debate sobre o “coronabonus”, que divide o norte do sul. Por um lado Alemanha e Holanda resistem e por outro Itália e Espanha pressionam pelo bônus. O premiê italiano tem argumentado que a EU não pode repetir os mesmos erros cometidos na crise de 2008, quando não houve uma resposta conjunta. Até agora, a União Europeia tem lançado mão do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MES) conhecido por apresentar condicionantes orçamentárias bastante rigorosas aos países que o utilizam. A Itália já está há quase dois meses completamente parada.
Também na Europa percebe-se um aumento do tom com relação à China. Não de forma tosca como nos EUA e no Brasil onde se fala em “vírus chinês”, mas ainda assim questionador do papel do gigante asiático na pandemia que atingiu todo o globo. Uma matéria do El País traz aspas dos ministros das relações exteriores da França e da Itália sobre o tema. Para Jean-Yves Le Drian, espera-se “que a China nos respeite, como ela deseja ser respeitada” e ainda: “Pequim joga com a fragmentação da UE”. Já Dominic Raab tem um tom mais duro: “nada pode voltar a ser como antes enquanto a China não esclarecer de forma cabal tudo o que está relacionado com o vírus”. A Alemanha continua discreta na crise. Merkel deixa escapar coisas como: “quanto mais transparente a China for quanto à gênese do vírus, melhor será para que o mundo inteiro aprenda sobre ele” (coletiva de imprensa, citada pelo El País). A Alemanha é o país com mais negócios com a China em toda a Europa e Merkel visita o país todos os anos já há algum tempo. Mas enquanto a chanceler Angela Merkel “segura a onda”, o editor do jornal alemão Bild promove sua briga particular com a China, um dos seus ataques veio em uma carta dirigida ao presidente Xi Jinping: “o senhor fecha todos os jornais e sites que criticam seu Governo, mas não fecha os locais que vendem sopa de morcego”.
A secretária executiva da CEPAL (comissão econômica para a América Latina e o Caribe), Alicia Bárcena, emitiu um novo informe sobre os efeitos da pandemia na economia latino-americana. Segundo seu informe, a América Latina que já sofria com um baixo crescimento nos últimos anos, 0,4% em média entre 2014 e 2019, pode ter uma queda brusca e chegar a – 5,3% em 2020. Para comparar ela apontou que índices assim só houve em 1914 (- 4,3%) e 1930 (- 5%). O documento mostra que houve pelo menos cinco canais de “transmissão” da crise para a América Latina: redução do comércio internacional, queda dos preços de produtos primários, intensificação da prevenção a riscos (de investimento), baixa demanda por serviços de turismo e redução de remessas. Segundo Alicia, o que vem por aí é desemprego, pobreza e desigualdade.
Em Cuba, nos últimos dias tem ocorrido a testagem de uma vacina que na verdade é um “inmunopotenciador” algo que dá mais potência à imunidade inata das pessoas e pode reduzir os riscos de entrada de organismos causadores de infecções no organismo humano. Trata-se do CIGB 2020, aplicado nas narinas ou sublingual e já se demonstrou efetivo em pessoas com testes positivos para o novo coronavírus, impedindo o desenvolvimento da doença covid19. Segundo o doutor Gerardo Guillén Nieto, diretor da Investigaciones Biomédicas do Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia (CIGB), a vacina pode ajudar a salvar a vida de muitas pessoas ao estimular moléculas da superfície celular que marcam a ativação do sistema imune relacionado com o vírus. Além disso, o sistema de saúde da ilha trabalha no desenvolvimento de três anti-virais e métodos próprios de diagnóstico da covid19.
Ontem (22) o presidente mexicano, López Obrador, reapresentou um plano econômico estatal para enfrentamento da pandemia do coronavírus no país. O plano prevê redução de salários de autoridades e servidores públicos, cancelamento de bônus e adicionais de salários, redução em 25% dos serviços gerais do Estado e suprimentos gerais em até 75% (materiais de uso do Estado que não estão relacionados com os serviços de saúde). Não serão tocadas as aposentadorias, as bolsas de estudos, as bolsas sociais. Obras de infra-estrutura, como construção de universidades, também não serão tocadas. Haverá crédito de 3 milhões de pesos para a população mais necessitada e a classe média e a criação de 2 milhões de novos empregos (não disse como). Tudo isso protegerá cerca de 25 milhões de lares mexicanos, sem aumentar o preço do combustível, impostos ou endividamento do país, segundo AMLO. Em suas palavras: “vamos demonstrar que há outra forma de enfrentar a crise econômica provocada pela pandemia ou de qualquer índole, qualquer tipo de crise, sempre e quando não se permita a corrupção, se fortaleçam os valores e princípios como humanismo e se governe com e para o povo”.
Presidente Trump assinou ontem (22) um decreto que suspende temporariamente a imigração para o país durante a pandemia. Segundo ele, isso vai garantir que os americanos sejam os primeiros nas listas de empregos quando a economia abrir. A restrição pode durar entre 60 e 90 dias. A medida claramente tira proveito do contexto do coronavírus para reduzir a imigração no país, seja legal ou ilegal. É o “America first” de seu emblema de campanha na prática protegendo os empregos dos americanos. O decreto levanta uma questão importante sobre os trabalhadores rurais, geralmente ligados às colheitas, que costumam ser imigrantes, além dos serviços gerais e atualmente os serviços especializados de saúde.
Trump também elevou ontem (22) o tom contra o Irã. “Instruí a Marinha dos EUA a abater e destruir toda e qualquer canhoneira iraniana caso elas provoquem nossos navios no mar” disse ele pelo twitter. Trump se refere a uma elevação a tensão nos mares entre a marinha americana e a iraniana nas últimas semanas. Os iranianos responderam às ameaças de Trump no mesmo tom nas últimas horas. O comandante em chefe da Guarda Revolucionária do Irã, Hossein Salami, disse mais cedo na TV estatal iraniana que “o Irã destruirá navios de guerra dos EUA se a segurança do país for ameaçada no Golfo Pérsico”.
E uma última nota sobre os EUA, é que a primeira morte por Covid19 no país se deu no início de fevereiro e não no final do mês como inicialmente noticiado. A descoberta indica que o vírus já circulava no país desde janeiro, mesmo período em que a China também tentava encontrar respostas para o novo vírus. Medidas poderiam ter sido tomadas com maior antecedência. O país pode chegar a um milhão de infectados nos próximos dias e na casa dos 50 mil mortos.
O Programa Mundial de Alimentação da ONU (PMA) fez um alerta esta semana de que a pandemia do coronavírus pode fazer dobrar o número de pessoas que sofrem com a fome no mundo para 265 milhões em 2020. Segundo seu diretor, David Beasley, estamos à beira de “uma pandemia de fome”. Segundo ele, o “fantasma da fome extrema” é hoje uma possibilidade muito concreta especialmente em países afetados por conflitos.