Bolsonaro afaga Guedes, mas crise segue no horizonte

O ministro da Economia e sua equipe insistem na austeridade fiscal. Mas até Bolsonaro já percebeu que seria suicídio político.

Paulo Guedes e Jair Bolsonaro

A saída de Sergio Moro do governo, fazendo graves acusações a Jair Bolsonaro, provocou uma hecatombe não apenas no campo político. O dólar disparou, a bolsa de valores despencou. O mercado financeiro entendeu que, se Moro não está seguro, ninguém mais está. E teme por Paulo Guedes, o garantidor de que o governo continuará aplicando um receituário liberal à economia.

Bolsonaro correu atrás do prejuízo nesta segunda (27) e mandou um recado aos donos do dinheiro. Após reunião no Alvorada com a presença de Guedes, da ministra da Agricultura, Tereza Cristina; do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o presidente disse a jornalistas que Paulo Guedes “é o homem que decide a economia”.

“Acabei mais uma reunião aqui tratando de economia. E o homem que decide a economia no Brasil é um só: chama-se Paulo Guedes. Ele nos dá o norte, nos dá recomendações e o que nós realmente devemos seguir”, afirmou o presidente da República.

Guedes também enviou sua mensagem. “Queremos reafirmar a todos que acreditam na política econômica que ela segue, é a mesma política econômica”. “Quando há um problema, como de saúde, o presidente fala: ‘Olha vamos para um programa de exceção'”, acrescentou o ministro, dando a entender que o aumento de gastos é apenas temporário, enquanto durar a crise da Covid-19.

O desagravo do presidente e a garantia do ministro, no entanto, apenas tapam o sol com a peneira. Logo a realidade baterá à porta. Até Bolsonaro sabe que, caso deixe de fato a economia pós-pandemia nas mãos de Guedes, a tendência é o aprofundamento da recessão e da penúria. Tanto é que, com sua costumeira ambiguidade, afaga o ministro com uma mão e frita com a outra. Na semana passada, a Record, emissora alinhada ao governo, produziu matéria de mais de três minutos apontando os “erros” do ministro e sua falta de sensibilidade com os mais pobres.

Liberal econômico radical, Paulo Guedes mal sabe o que fazer em meio à emergência sanitária com impactos na economia. Demorou a reconhecer que havia crise e agir. Quando agiu, propôs muito pouco – auxílio emergencial de R$ 200 para os trabalhadores informais. Foi preciso o Congresso propor R$ 500 para que Bolsonaro cedesse e liberasse R$ 600 para preservar a saúde e a dignidade dos brasileiros.

O ministro da Economia e sua equipe falam em preservar, isso sim, o ajuste fiscal, mantendo o teto de gastos e retomando a agenda de privatizações a partir do ano que vem.

Guedes tem chiliques ao ouvir falar em gasto público e comparou o Pró-Brasil – programa de recuperação econômica proposto pelos militares e encampado pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho – ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de Dilma Rousseff, demonizando o estímulo estatal à economia.

Na contramão das políticas que vêm sendo adotadas em todo o mundo, o Brasil resiste a soluções como imprimir moeda – solução já aventada até mesmo por Henrique Meirelles, bastião liberal do governo Michel Temer, hoje secretário da Fazenda do governador de São Paulo, João Doria.

A verdade é que nem o Pró-Brasil disse a que veio – foi chamado pela imprensa de protocolo de intenções – nem as ações do governo vêm tendo a dimensão e a celeridade necessárias para neutralizar impactos que já são arrasadores na vida de boa parte dos brasileiros.

E, agora, Bolsonaro se vê entre a cruz e a espada. Se perder mais um superministro e se afastar da pauta liberal, causará o descontentamento do mercado financeiro e de empresários que apoiaram sua campanha, como os entusiastas do capital privado do Instituto Brasil 200. Se mantém o voluntarioso Guedes e segue no caminho da austeridade, coloca em risco a popularidade que lhe resta. Paulo Guedes tem potencial para se tornar a próxima crise em um governo especialista em fabricá-las.

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