Deputados criticam falta de informações sobre leitos para Covid-19
Ministério da Saúde informou que sistema de registro obrigatório ainda tem poucos dados porque só começou a funcionar na semana passada. Comissão considera fundamental conhecer esses dados para definir o número mínimo de leitos necessários por estado e por região
Publicado 30/04/2020 22:19
Deputados da comissão externa que analisa ações de combate à Covid-19 no Brasil criticaram o Ministério da Saúde, nesta quinta-feira (30), por não disponibilizar dados atualizados sobre a oferta de leitos em estados e municípios para o tratamento da doença. Sem essas informações, segundo eles, fica mais difícil preparar as unidades da federação para o pico da pandemia, que, em algumas regiões, pode ocorrer dentro uma ou duas semanas.
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) também se disse surpresa. “Parece que ninguém acreditou que a pandemia era, de fato, grave. Agora, a aparente estrutura que existe, a que conseguimos levantar, tem dificuldade de ampliação, seja por dificuldade de compra ou de produção de equipamentos”, disse.
Ex-ministro da Saúde, o deputado Alexandre Padilha (PT-SP) cobrou uma maior colaboração entre os entes federados para viabilizar leitos para pacientes com Covid-19 “Isso facilitaria, por exemplo, a transferência de esforços de uma região que já superou o pico da doença para outra em que a demanda por equipamentos está começando”. Padilha sugeriu ainda a criação de fila única para o acesso a leitos de UTI em hospitais públicos e privados. “Senão, poderemos ter hospitais privados fazendo leilão para vender espaço em leitos de UTI durante a pandemia”.
Para o deputado Jorge Solla (PT-BA), a falta de coordenação entre União, estados e municípios é maior problema no enfrentamento da pandemia. “O governo não sabe quantos leitos foram abertos nos últimos dois meses em estados e municípios. Não sabe quantos serão inaugurados. Não achei isso em lugar nenhum”, criticou.
A relatora do colegiado, deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), ressaltou que é fundamental conhecer esses dados para definir o número mínimo de leitos necessários por estado e por região. Ela propôs um grupo de trabalho para debater o assunto com representantes do ministério e dos conselhos estaduais e municipais de saúde.
“A ampliação de leitos hospitalares por meio de hospitais de campanha ou da aquisição de leitos em hospitais privados precisa partir de um parâmetro que balize o custo dessas ações”, pontuou Zanotto, durante a reunião por videoconferência.
Desde abril, uma portaria do governo federal já obriga hospitais das redes pública e privada a repassarem diariamente ao Ministério da Saúde o número de internações por casos confirmados ou suspeitos de Covid-19, assim como o número de altas e a quantidade de leitos clínicos e de UTI exclusivos para o tratamento da doença. O descumprimento, segundo a portaria, pode acarretar pena de advertência, multa, interdição e até cancelamento do alvará de licenciamento.
Sistema novo
Coordenadora substituta de Atenção Hospitalar e Domiciliar do Ministério da Saúde, Ana Lacerda explicou que o sistema de registro obrigatório começou a funcionar na semana passada e, por isso, ainda tem poucos dados. Ela disse ainda que governo optou por receber as informações dos hospitais, sem passar pelas secretarias de saúde, para que a transferência de dados fosse direta. “Deveremos ter informações sobre as taxas de internação e de permanência atualizadas diariamente.”
Sobre a falta de recursos humanos para atuar na linha de frente, Ana Lacerda destacou o cadastramento de 500 mil profissionais de saúde por meio do programa Brasil Conta Comigo, abrindo a possibilidade de contratação imediata desses profissionais por estados e municípios. Ela reconheceu, entretanto, que o governo federal enfrenta dificuldades para a compra de kit de UTIs. “Conseguimos 540 leitos na primeira etapa da licitação, mas a segunda etapa, que tinha 460 leitos, não encontrou fornecedores.”
Diante dos obstáculos para a criação de novos leitos no curto prazo, o coordenador da comissão externa, deputado Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. (PP-RJ), disse que o desafio é administrar os recursos existentes. “Precisamos olhar o cenário que a gente tem hoje e ver o que podemos fazer sem esperar”, disse. “Uma licitação para comprar 2 mil leitos de UTIs pode demorar até 90 dias para ser concluída, o que ultrapassa o período de pico da pandemia na maioria dos estados”.
Projeção de cenários
Os professores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Adriano Massuda e Samy Dana apresentaram ao colegiado dois modelos estatísticos que projetam cenários para a evolução da Covid-19 no Brasil, a chamada curva da doença. Ambos professores lamentaram a ausência de dados atualizados sobre a pandemia no País.
O modelo de Dana leva em conta o número de mortes por Covid-19 confirmadas, a faixa etária da população e o número de leitos por habitante, e não o número de infectados, como faz o modelo estatístico do Imperial College of London. “O objetivo é estimar se o sistema de saúde vai entrar em colapso ou não. Não temos a pretensão de estimar o número de infectados ou quantas pessoas vão morrer”, disse Dana.
Já o modelo projetado por Massuda tem foco na oferta de leitos disponíveis por região e considera a série histórica de ocorrências da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). “O comportamento do sistema de saúde vai depender de onde os casos vão se concentrar. Por isso, consideramos as regiões que apresentam mais vulnerabilidade em relação a leitos, respiradores, ocupação e série histórica de doenças respiratórias”, disse.
Transparência e parâmetros mínimos para dados
O Projeto de Lei 2151/20 estabelece parâmetros obrigatórios que deverão ser seguidos pelos governos federal, estaduais e municipais na divulgação das informações oficiais relacionadas ao enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. O objetivo é permitir a construção de uma base de dados nacional que facilite a análise do avanço da doença no Brasil e a resposta governamental à crise de saúde.
O texto, que tramita na Câmara dos Deputados, é de autoria dos deputados Felipe Rigoni (PSB-ES) e Tabata Amaral (PDT-SP), e altera a Lei 13.979/20. A norma trata das medidas de enfrentamento da pandemia no Brasil.
As informações serão divulgadas em um portal único na internet em formato agregado e de microdados, e poderão ser livremente utilizadas ou cruzadas. O nível de detalhamento dos dados exigido pelo projeto permitirá, por exemplo, a construção de uma tabela de óbitos ou casos suspeitos por bairro ou até por hospital.
Segundo o projeto, caberá ao Ministério da Saúde dar ampla transparência aos dados colhidos pelo País, que foram divididos em cinco blocos (informações epidemiológicas; gastos públicos; prestação de serviços de saúde; medidas de enfrentamento; e plano estratégico de enfrentamento da pandemia ou plano de contingência). Para cada bloco, o projeto prevê a divulgação de um conjunto de dados mínimos.
Por exemplo, em relação às informações epidemiológicas, deverão ser tornados públicos os casos confirmados ou suspeitos, levando-se em conta a distribuição por faixa etária, sexo, doenças preexistentes, curas, óbitos e taxas de mortalidade e letalidade, entre outros dados.
No caso dos serviços de saúde, haverá publicidade dos atendimentos realizados e encaminhamentos, dias de internação, leitos de internação e taxa de ocupação. Já para os gastos públicos com a pandemia, deverão ser informados as compras efetuadas, o estoque e os critérios para disponibilização de equipamentos de proteção individual (EPIs) e respiradores mecânicos.
O projeto dos deputados prevê também a divulgação do plano estratégico de enfrentamento da pandemia, que conterá as ações previstas pelos governos, os estudos técnicos e as avaliações socioeconômicas que embasaram as medidas.
O texto preserva o sigilo das informações pessoais das pessoas, medida já prevista na Lei 13.979/20. Além disso, determina que os municípios com população de até 10 mil habitantes serão dispensados das regras para divulgação das informações.
Fragmentação
Os autores do projeto afirmam que atualmente existe uma fragilidade no fornecimento dos dados relacionados à pandemia e uma fragmentação no formato em que são disponibilizados, dificultando a análise adequada do quadro geral da doença e a resposta pública.
O projeto é baseado em uma metodologia desenvolvida pela organização não governamental Open Knowledge Brasil, que atua na área de transparência e de abertura dos dados públicos.
Com informações da Agência Câmara de Notícias