Filósofo do trabalho, Ruy Fausto se foi no 1o. de maio

O filósofo, morto aos 85 anos, era um pensador marxista e intérprete do Brasil. Polêmico, questionava os caminhos da esquerda que levaram à eleição de Bolsonaro.

Morre o filósofo Ruy Fausto

O filósofo Ruy Fausto morreu aos 85 anos no último dia 1º de maio, vítima de um enfarte enquanto tocava piano em seu apartamento em Paris, e deixa como legado obras marxistas como os três volumes de Marx: Lógica e Política (Ed. 34), com ensaios escritos entre 1973 e 1997, Caminhos da Esquerda: Elementos para Uma Reconstrução (Cia. das Letras, 2017) ou seu livro mais recente, lançado este ano, O Ciclo do Totalitarismo (Ed. Perspectiva). Sua análise sobre as mudanças no mundo do trabalho é frequentemente referenciada por autores do tema. 

“Meus interesses foram sempre dois: lógica e política”, disse, em 2017 à Revista USP, o filósofo, que recebeu em 1998 o título de Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e era irmão do historiador Boris Fausto, também da FFLCH. 

Em artigos, Fausto defendia a candidatura de Fernando Haddad, mas preocupava-se com o discurso petista às vésperas da vitória de Bolsonaro, considerada pelo filósofo uma catástrofe. Ruy escreveu em novembro de 2018, pouco após a vitória de Jair Bolsonaro na eleição presidencial, que a única coisa rigorosa no discurso do guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho, eram os palavrões. O artigo questionava as principais idéias (reacionárias) defendidas para o governo Bolsonaro.

Golpe militar e exílio

Formado em Filosofia na USP em 1956, Ruy Fausto teve que sair do País logo após o golpe de 1964, se exilando na França. Fez seu doutorado na Universidade de Paris e frequentou a emblemática Paris VIII, a unidade da Sorbonne onde trabalhavam filósofos como Gilles Deleuze e François Lyotard. 

“Ruy Fausto representa toda uma geração de intérpretes do Brasil”, afirmou ao jornal O Globo a historiadora e antropóloga da USP Lilia Schwarcz. “Ruy usou seu conhecimento fundamental do marxismo e o usava com muita crítica para analisar os nossos impasses. Com isso, provocava a interlocução de pessoas dos mais diversos espectros políticos. Era um pensador de esquerda que não se acomodava na lógica de um partido ou de uma ideologia”, disse ela ao jornal carioca.

Foi justamente essa postura que não se atrelava a ideologias ou a partidos que o levou a pensar em saídas para a politica e para a sociedade do Brasil. “Precisaríamos pensar numa frente de esquerda e para além da esquerda. Precisamos urgentemente de uma ‘geringonça’ brasileira. Uma aliança de forças”, afirmou ele em entrevista recente. Ruy Fausto não explicou como essa “geringonça” poderia ser criada. 

A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, em nota, lamentou a morte e afirmou que “Ruy Fausto não se considerava exclusivamente um professor universitário, mas também um intelectual preocupado com o debate público, principalmente com os rumos daquilo que imaginava ser uma esquerda democrática”

“Foi essa ideia que perseguiu com energia —muitas vezes polemicamente— nas inúmeras intervenções que fez em artigos e entrevistas, onde procurava articular o pensamento teórico com o momento político”, conclui a nota.

Em 2016, Fausto foi um dos signatários de um manifesto contra o golpismo judiciário apresentado num ato ocorrido na PUC.

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