Díaz-Canel: “Deveríamos globalizar a solidariedade, não o mercado”

Declaração do presidente cubano ocorreu durante uma conferência virtual do Movimento de Países Não Alinhados (MNOAL).

O Movimento de Países Não Alinhados (MNOAL) realizou nesta segunda-feira (4) uma conferência virtual, sob a bandeira “Unidos contra a Covid-19”. Durante o encontro, o presidente de Cuba, Miguel Días-Canel Bermúdez, afirmou que o mundo estaria mais preparada para combater a pandemia se a globalização vista ao longo das últimas décadas tivesse privilegiado a solidariedade entre os povos, ao invés do comércio e do mercado.

“Digamos com honestidade: se tivéssemos globalizado a solidariedade como se globalizou o mercado, a história seria outra. Falta solidariedade e cooperação. Esses são valores que não podem ser substituídos pela busca por lucros”, afirmou em seu discurso o líder cubano.

O MNOAL atualmente é presidido pelo Azerbaijão e agrupa 120 países, além de 27 nações observadoras. Juntos, seus membros representam cerca de 55% da população mundial. O movimento foi criado em 1961, no auge da Guerra Fria, e ao longo de sua história discutiu temas como o combate à pobreza, o desenvolvimento econômico e o combate a políticas como o imperialismo e o colonialismo.

Confira abaixo a íntegra do discurso de Díaz-Canel:

Estimado presidente Ilham Aliyev;

Distintos chefes de Estado e de Governo;

Agradeço ao Azerbaijão, presidente do Movimento de Países Não Alinhados, por convocar esta reunião para dialogarmos sobre os esforços urgentes e necessários para que enfrentemos a Covid-19.

Aproveito a ocasião para felicitar a Uganda, que assumirá a Presidência deste Movimento a partir de 2022. Assegurando-lhe todo o apoio de Cuba, lhes desejamos êxito em sua gestão.

Devo denunciar, por sua gravidade, o ataque terrorista com fuzis de assalto e mais de 30 balas sofrido por nossa Embaixada em Washington, no último dia 30 de abril, e reclamar ao governo dos Estados Unidos uma investigação exaustiva e rápida, sanções severas e as medidas e garantias de segurança de nossas missões diplomáticas em seu território, tal como está obrigado pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961.

Excelências,

O Movimento de Países Não Alinhados demonstrou sua pertinência na situação atual. Assim corroboram os comunicados adotados em apoio à Organização Mundial da Saúde sobre a Covid-19, nos quais se promovem a unidade global, a solidariedade e a cooperação internacional; chamam a apartaras diferenças políticas e a eliminar as medidas coercitivas unilaterais que violam o Direito Internacional e a Carta das Nações Unidas, limitando a capacidade dos Estados para enfrentar de modo eficaz a pandemia.

Reconhecemos o papel da Presidência azeri do Movimento de Países Não Alinhados na materialização dessas iniciativas.

A Covid-19 demonstrou ser um desafio global. Não distingue fronteiras, ideologias ou níveis de desenvolvimento. É por isso que a resposta também deve ser global e mancomunada, superando as diferenças políticas. Não é possível predizer com exatidão a dimensão de suas consequências. A alta cifra de infectados e as grandes perdas humanas mostram seu devastador impacto num mundo cada vez mais interconectado que, no entanto, não foi capaz de enaltecer essa interconexão de maneira solidária e hoje paga o preço de sua incapacidade para corrigir os graves desequilíbrios sociais. Digamos com honestidade: se tivéssemos globalizado a solidariedade como se globalizou o mercado, a história seria outra. Falta solidariedade e cooperação. Esses são valores que não podem ser substituídos pela busca por lucros, motivação exclusiva daqueles que, se rendendo ao mercado, esquecem do valor da vida humana.

Quando repassamos os fatos que desestabilizaram a humanidade nos últimos quatro meses, é indispensável mencionar os custosos erros das políticas neoliberais, que levaram à redução da gestão e da capacidade dos Estados, com excessivas privatizações e distante das maiorias. Essa pandemia demonstrou a fragilidade de um mundo dividido e excludente. Nem os mais afortunados e poderosos poderiam sobreviver com a ausência daqueles que, com seu trabalho, criam e sustentam as riquezas.

As múltiplas crises que estão sendo gerados criarão demolidores e duradouros efeitos para a economia e todas as esferas da sociedade.

A pandemia agudiza os graves problemas de um planeta repleto de profundas desigualdades, no qual 600 milhões de pessoas vivem em extrema pobreza e no qual quase a metade da população não tem acesso a serviços básicos de saúde, em cuja gestão o mercado sempre se impõe em relação ao nobre propósito de salvar vidas.

Enquanto isso, o gasto militar global supera 1.9 trilhão de dólares, dos quais mais de 38%, no ano de 2020, correspondem aos Estados Unidos da América. Compartilho aqui o seguinte pensamento do Comandante Fidel Castro Ruz: “…em vez de se investir tanto no desenvolvimento de armas cada vez mais sofisticadas, os que têm recursos para isso deveriam promover as pesquisas médicas e colocar a serviço da humanidade os frutos da ciência, criando instrumentos de saúde e de vida, não de morte”.

Advogamos, junto ao secretário-geral das Nações Unidas, pelo fim das guerras, incluindo as não convencionais, para salvaguardar o direito à paz. Rechaçamos as recentes e graves ameaças militares do governo dos Estados Unidos contra a irmã República Bolivariana da Venezuela. Reafirmamos nossa solidariedade com o povo e o governo da Nicarágua, e rechaçamos as medidas que atentam contra seu direito ao bem-estar, à segurança e à paz.

As tentativas de impor novamente o passado neocolonial em nossa América, declarando publicamente a vigência da Doutrina Monroe, vão na contramão do conceito de mantermos a América Latina e o Caribe como uma Zona de Paz.

Nesse complexo cenário, os Estados Unidos atacam o multilateralismo e desqualifica injustamente o papel das organizações internacionais, em particular a Organização Mundial da Saúde.

Excelências:

Na 18ª Cúpula de Baku, em outubro de 2019, convocamos o Movimento a se fortalecer ante os desafios internacionais, convencidos de que somente a unidade poderia nos salvar. Cabe ao Movimento de Países Não Alinhados liderar as ações para a eliminação da impagável Dívida Externa de nossos países e também para o fim das medidas coercitivas unilaterais às quais alguns de nós estão submetidos, condição que, junto aos efeitos socioeconômicos da Covid-19, ameaça o desenvolvimento sustentável dos povos.

Devemos enfrentar o egoísmo e estar conscientes de que a ajuda vinda do Norte industrializado será escassa; por isso devemos nos complementar, compartilhando o que temos, nos apoiando mutualmente e aprendendo a partir de nossas experiências exitosas. Uma opção útil poderia ser a retomada, no futuro, dos encontros anuais dos ministros da Saúde de nosso Movimento, no marco da Assembleia Mundial da Saúde.  

Cuba está disposta a compartilhar suas experiências com os países do Movimento, com os quais temos laços históricos de amizade. Para Cuba, o desafio tem sido monumental. Meses antes do início da pandemia, já enfrentávamos um brutal recrudescimento da política de bloqueio econômico, comercial e financeiro dos EUA, dirigida a estrangular totalmente nosso comércio, o acesso a combustíveis e às divisas.

Com enormes esforços e sacrifícios, conseguimos sustentar nessas condições o sistema de saúde público gratuito, universal e de profissionais consagrados e de alta qualificação, reconhecidos mundialmente apesar das grosseiras e difamatórias campanhas de descrédito de poderosos adversários. No meio desse contexto asfixiante de guerra econômica, apareceram os primeiros sinais de alerta sobre a possibilidade de a Covid-19 se transformar em pandemia e isso elevou a magnitude dos desafios. Imediatamente, foi elaborado um plano de medidas, sustentadas em nossas forças fundamentais: um Estado organizado, responsável por cuidar da saúde de seus cidadãos e uma sociedade com elevado grau de participação na adoção de decisões e na solução de seus problemas.

A experiência de anos dedicando recursos a desenvolver e fortalecer a saúde e as ciências foi colocado à prova, e a evolução da pandemia em Cuba nos últimos dois meses está demonstrando o quando as políticas de investimento social podem impactar no enfrentamento aos maiores e mais inesperados desafios.

Apesar das imensas restrições que o bloqueio nos impõe, condição que transforma num grande desafio cotidiano a manutenção do sistema de saúde pública (e, em particular, o enfrentamento a essa pandemia), temos garantido o direito à saúde do povo cubano com a participação de toda a sociedade.

O desenvolvimento científico nos permitiu o tratamento exitoso de diversas enfermidades transmissíveis, tanto no país como em outras nações. Nesta ocasião, a indústria farmacêutica intensificou a produção de medicamentos de comprovada eficácia na prevenção e no enfrentamento à Covid-19, cujo resultado temos dividido com outros países. Em resposta às solicitações recebidas, 25 novas brigadas de profissionais cubanos de saúde se incorporaram no mês passados aos esforços de 23 países para combater a pandemia, somando-se aos que já prestavam serviços em 59 Estados, muitos deles membros do Movimento de Países Não Alinhados.

Cuba não abandonará sua vocação solidária, ainda que o governo dos EUA, por razões políticas, continue atacando ou obstruindo a cooperação internacional que nossa país oferece, o que põe em risco o acesso de dezenas de milhões de pessoas aos serviços de saúde.

Excelências:

É de nossa responsabilidade unir vontades e esforços para enfrentar esse imenso desafio.

Vamos impulsionar a cooperação e a solidariedade internacionais. O empenho de todos será decisivo.

Façamos pelo direito à saúde, à paz e ao desenvolvimento de nossos povos, com estrito apego aos princípios fundacionais do Movimento.

Façamos pela vida!

Muito obrigado.

Tradução e edição: Fernando Damasceno