Le Monde afirma que Brasil de Bolsonaro vive o “teatro do absurdo”

Jornal afirma que presidente brasileiro “continua negando a seriedade da pandemia da covid-19 e conduzindo o país a um caminho extremamente perigoso”

Na capa do Le Monde, mais uma crítica à política de desmatamento no país

O jornal francês Le Monde afirmou, nesta segunda-feira (18), que “apesar do preço cada vez mais alto”, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro (sem partido) “continua negando a seriedade da pandemia da covid-19 e conduzindo o país a um caminho extremamente perigoso”.

Em editorial intitulado “Brasil: a perigosa fuga suicida de Bolsonaro”, o mais importante jornal da França alerta que “não há dúvida de que há algo podre ocorrendo no reino do Brasil”, um país onde o presidente tem afirmado, sem preocupação, que o coronavírus não passa de uma “gripezinha” ou “histeria” nascida da “imaginação” da imprensa.

No texto opinativo, esse “apodrecimento” acontece enquanto Bolsonaro participa de aglomerações, pede que autoridades estaduais abandonem as medidas de isolamento, fingindo que a pandemia começa a ir embora.

‘Comunavírus’

O jornal ainda lembra que o cenário caótico interno reúne figuras como o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo, defensor de que a pandemia é resultado do “comunavírus”, enquanto o ministro da Saúde, Nelson Teich, renuncia apenas quatro semanas após sua nomeação, no dia em que o país alcançou 240 mil casos confirmados e mais de 16 mil mortos pela doença.

De acordo com o Le Monde, “para muitos, o tempo sombrio no Brasil, hoje a quinta nação mais afetada pela pandemia, remete à ditadura militar, quando o país foi submetido ao medo e à arbitrariedade”, mas com uma diferença significativa: “enquanto os generais reivindicavam a defesa de uma democracia atacada, segundo eles, pelo comunismo, o Brasil de Bolsonaro habita um mundo paralelo, um teatro do absurdo onde fatos e realidade não existem mais”.

Nesse universo tenso, nutrido “por calúnias, inconsistências e provocações mortais, a opinião é polarizada em uma nuvem de ideias simples, mas falsas”, diz outro trecho.

Também segundo o jornal, “a negação mantida pelo governo” dissuade metade da população a respeito das regras de isolamento, enquanto os pedidos de distanciamento feitos por profissionais de saúde, governadores e prefeitos são atendidos apenas de forma moderada. “A atividade econômica deve continuar a todo custo, diz Bolsonaro, que luta para entender a dimensão da pandemia enquanto faz um cálculo político insano: ele espera que os efeitos devastadores da crise sejam atribuídos aos seus oponentes”.

Descrito como “um oficial subalterno, expulso do exército e um obscuro deputado de extrema-direita, zombado por seus pares por três décadas, Bolsonaro não era um estadista”, diz o jornal. “Chegando ao poder consumido pela amargura e pela nostalgia obscura, o ex-capitão da reserva continuou acusando o odiado ‘sistema’. Postura que, durante uma pandemia aguda, causa caos na saúde e semeia a morte”, descreve.

Caos sanitário

O texto prossegue alertando que “traindo os fatos, governantes populistas acabam acreditando em suas próprias mentiras. Vemos isso em outras partes do mundo”. Mas no Brasil, “neste país que há apenas vinte e cinco anos rompeu com a ditadura, onde a democracia permanece frágil e até disfuncional, o fato de politizar dessa maneira uma grave crise de saúde é totalmente irresponsável”, afirma mais à frente.

Le Monde conclui apontando que “com 25% de apoio do eleitorado, Bolsonaro sabe que sua margem de manobra é pequena”. O jornal segue comentando as manifestações recorrentes no país. “Hoje, algumas pessoas evocam o cenário de um golpe institucional. Diante da multidão que buscava apoiá-lo em Brasília, o presidente deixou claro, no dia 3 de maio, que se o Supremo Tribunal investigasse ele ou seus parentes, ele não respeitaria a decisão dos juízes.

“Após praticar o negacionismo histórico, elogiando a ditadura, de negar os incêndios na Amazônia e a gravidade da pandemia da covid-19, Bolsonaro e sua tentação autoritária correm o risco de levar o país a uma perigosa corrida suicida”.

Colaborou Ivan Chicoski*, graduado em Filosofia pela Universidade de Paris-Sorbonne IV.

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