Mais de 30 milhões de pessoas podem ficar sem auxílio emergencial

Bases de dados desatualizadas e critérios equivocados do governo excluem quem teria direito ao benefício. Quem ficou desempregado após 16 de março, por exemplo, é considerado inelegível

(Foto: Reprodução)

Começou com um atraso de três semanas o pagamento da segunda parcela do auxílio emergencial para trabalhadores informais. Apenas quem recebeu a primeira parcela até 30 de abril o receberá. A forma com que o governo Bolsonaro vem administrando a concessão do benefício poderá levar à exclusão de mais de 30 milhões de pessoas do rol de contemplados.

Em seu último balanço, na sexta (15), a Dataprev, empresa estatal que processa os pedidos, informou que desde o início da análise, em 3 de abril, já analisou e devolveu à Caixa, após homologação pelo Ministério da Cidadania, 112,5 milhões das 118,2 milhões de solicitações recebidas entre 3 de abril e 14 de maio.

Desses 112,5 milhões, 59.291.753 foram classificados como elegíveis, 36.858.102 foram considerados inelegíveis e 16.409.347 foram identificados como inconclusivos e necessitaram de complemento cadastral. Os demais 1.535.126 estão retidos pelo Ministério da Cidadania para processamento adicional.

Outras 4.197.126 de solicitações (3,5%) são cadastros realizados entre 1º e 14 de maio, que serão processados pelas novas regras definidas na Lei n. 13.998/2020, publicada na sexta (15) com onze vetos presidenciais.

Base de dados desatualizada

Entre as 36.858.102 pessoas já consideradas inelegíveis, parte delas pode ter ficado sem o benefício devido a falhas de bases de dados desatualizadas e a decisões políticas equivocadas. Segundo reportagem do portal ‘ BBC Brasil’, os problemas foram constatados por especialistas em políticas públicas e procuradores da República com base em informações fornecidas pelo governo à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal (MPF), na quarta (13).

O benefício pode ter sido negado, por exemplo, a quem perdeu o emprego depois de 16 de março. Para saber se a pessoa tinha emprego formal, foi usada a base de dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) — atualizada apenas até 16 de março. Também podem ter sido excluídas pessoas que tenham sido candidatas ou eleitas como suplentes de vereador nas últimas eleições municipais, em 2016. Isso porque o governo decidiu cruzar dados com o Tribunal Superior Eleitoral, mesmo sem previsão legal.

Além disso, o Ministério da Cidadania vetou o recebimento do benefício por parte de pessoas que tenham familiares presos, mesmo aquelas que tinham direito ao auxílio — novamente, sem respaldo na lei que criou o benefício. Apesar de a negativa aparecer em documentos oficiais, o ministério negou à reportagem da BBC que tenha impedido a entrega do benefício. Quase 40 mil pessoas podem ter sido prejudicadas, segundo o próprio Ministério.

Especialistas em políticas públicas criticaram os critérios do governo à ‘BBC Brasil’. “É um cruzamento de informações que não é consistente o suficiente para a gente ter segurança de que as pessoas (que têm direito ao auxílio) serão contempladas”, disse Leandro Ferreira, mestre em políticas públicas pela Universidade Federal do ABC e presidente da Rede Brasileira da Renda Básica.

“O Brasil não deve nada a ninguém quando se trata de política social, especialmente política de transferência de renda. Isso se deve às várias experiências, de vários partidos, em nível municipal, estadual, e principalmente com o Bolsa Família, e o Bolsa Escola. Mas o governo (federal) se encastelou, e tomou uma série de decisões erradas. Se tivessem constituído um grupo aberto para técnicos, especialistas, academia, não estariam errando tanto”, avaliou Ferreira.

O procurador Julio José Araujo Junior, um dos responsáveis pelo pedido de informações ao Ministério da Cidadania, aponta que o governo cometeu crime ao impedir deliberadamente a aprovação de pessoas que tinham direito efetivo ao auxílio. “Há uma ilegalidade quando eles criam um critério (como no caso dos familiares de presos) que não está previsto em lei. Essa conferência, esse batimento dos dados, não encontra respaldo na legislação”, disse ele à BBC News Brasil.

Segundo o procurador, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) não descarta formular uma recomendação sobre o assunto. Ao longo de maio, o MPF pediu a instauração de inquéritos para apurar irregularidades e atrasos nos pagamentos em vários estados. A reportagem da BBC News Brasil questionou o Ministério da Cidadania sobre as falhas na entrega do auxílio. A pasta respondeu que corrigirá os problemas, mas não disse quando.

Excluídos

Pesquisadores ligados à Universidade de São Paulo (USP) estimam que 32 milhões de brasileiros podem ficar sem o auxílio emergencial. Os pesquisadores tiveram como base dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que mostra que aproximadamente seis milhões de brasileiros não receberão o benefício por causa da regra que fixa teto de dois beneficiários por domicílio. Os cerca de 26 milhões restantes seriam barrados pela limitação de renda média anual que a legislação determina.

A questão tecnológica também é uma barreira. Cerca de 7,4 milhões de pessoas que estariam elegíveis para receber o auxílio emergencial vivem em domicílio que não tem acesso à internet. No Ceará, por exemplo, mais de 31% dos domicílios não possuem acesso à internet. A informação vem de dados de 2018, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua – Tecnologia da Informação e Comunicação.

O estudo conclui que a solução para o problema seria adotar estrutura descentralizada para o pagamento. Profissionais que atuam na assistência social, como psicólogos e advogados, poderiam auxiliar para que o benefício chegue de forma ágil e evitando aglomerações.

Enéas Arrais Neto, coordenador do Laboratório de Estudos do Trabalho e Qualificação Profissional da Universidade Federal do Ceará (Labor-UFC), afirma que a centralização do pagamento pelo governo federal foi uma maneira de concentrar capital político e não destacar governadores e prefeitos.

Em meio às acusações de ilegalidades na análise dos pedidos de auxílio, o número de desempregados no país cresce em níveis históricos. A Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia informou que o número de pedidos de seguro- desemprego em abril foi 22,1% maior que em abril do ano passado. Em relação a março deste ano, houve aumento de 39,4% no número de requerimentos. De janeiro a abril deste ano foram protocolados 2,337 milhões de pedidos de seguro-desemprego.

Em nota, a Secretaria de Trabalho estimou que até 250 mil pedidos ainda devem ser feitos nos meses seguintes, por não poderem ter sido feitos de forma presencial em março e abril nas unidades do Sistema Nacional do Emprego (Sine), fechadas pelas medidas de isolamento social.

O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre) calcula que a taxa de desemprego do Brasil pode pular para 16,1% já no segundo trimestre. Isso significa que cinco milhões de pessoas podem entrar na fila do desemprego em apenas três meses, elevando de 12,3 milhões para 17 milhões o número de pessoas sem trabalho no Brasil.

Dados divulgados na sexta (15) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, no 1º trimestre, 3,1 milhões de brasileiros, ou 23,9% do total de desempregados, buscavam trabalho há pelo menos dois anos No trimestre encerrado em dezembro, eram 2,9 milhões nessa situação. Segundo o IBGE, a taxa média de desemprego no Brasil subiu para 12,2% no 1º trimestre, atingindo 12,9 milhões de pessoas.

Fonte: PT Nacional

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