De Olho no Mundo, por Ana Prestes

A especialista em Relações Internacionais Ana Prestes relata, nesta terça-feira (19), como foi a participação do ministro interino da Saúde do Brasil, Eduardo Pazuello, na recente videoconferência da OMS. Além disso, suas notas destacam o novo ataque diplomático de Trump ao governo cubano, a retomada dos protestos no Chile e como andam as discussões sobre o Brexit no Reino Unido, entre outros temas.

Mesmo com uma grande subnotificação, o Brasil agora é o terceiro país do mundo com mais casos de infectados por coronavírus com registro, atrás apenas dos EUA e da Rússia. E esse Brasil campeão em casos de coronavírus foi representado na videoconferência de ministros de saúde de todo o mundo, organizada pela OMS, pelo ministro interino Eduardo Pazuello. Na reunião pintou um quadro bastante diferente do que vemos todos os dias por aqui ao vivo e a cores. Reforçou que no Brasil há diálogo permanente entre os três entes federativos, a União, os estados e os municípios. Agradeceu aos profissionais de saúde e disse que o Brasil apoia as iniciativas internacionais, sendo que o Brasil ficou de fora do ACT Accelerator, uma aliança de países e da OMS para tornar acessíveis possíveis vacinas e medicamentos contra o vírus.

O governo Trump voltou a recolocar Cuba na lista de países que “patrocinam o terrorismo” definida pelo executivo norte-americano. A lista é montada com base nos países que “não cooperaram totalmente com os esforços antiterroristas dos EUA” no último período, no caso, 2019. A lista inclui Irã, Síria e Venezuela. O ato se dá ao mesmo tempo em que Cuba exige explicações sobre o tiroteio havido em sua Embaixada em Washington há cerca de 10 dias. O chanceler cubano, Bruno Rodríguez, diz que há um “silêncio cúmplice” por parte das autoridades norte-americanas por não terem sido dadas explicações para o “incidente armado nem ter condenado o que a ilha considera um ‘ataque terrorista’”. Estar na lista dos países “terroristas” tem muitas implicações em relação às restrições comerciais, mas no caso de Cuba, todas as restrições e sanções econômicas e comerciais possíveis já estão vigentes, mesmo com o país fora da lista.

Os jornais europeus informam que não anda nada fácil a negociação dos termos concretos do Brexit. Com o foco total na pandemia, falar em Brexit e se dedicar a ele passou a ser um tema que tenta sugar energia de onde não há. Faltam cerca de 40 dias para expirar o prazo-limite dado ao Reino Unido para solicitar uma prorrogação da negociação, mas Boris não parece propenso a fazê-lo. Está preferindo um “pagar pra ver” caso as negociações não se esgotem e muitos aspectos da relação fiquem sem regulamentação. Há ataques de parte a parte nas mesas de negociação dos vários aspectos da batida em retirada do RU. Enquanto isso, aumenta a preocupação de que um “no deal Brexit” atinja especialmente a população britânica trabalhadora e mais pobre com a elevação dos preços dos produtos que chegam da Europa.

Trump mandou ontem (18) uma carta de quatro páginas para o diretor gera da OMS, Tedros Adhanom. Após cortar a contribuição dos EUA para a entidade em abril, agora ele ameaça congelar de forma permanente as doações porque, segundo ele, a OMS “não vem atendendo aos interesses” dos EUA. Na carta, Trump diz se dirigindo pessoalmente a Tedros: “é claro que os erros repetidos que você e sua organização tomaram na resposta à pandemia custaram extremamente caroao mundo”. Agora, uma resposta da OMS é esperada ao longo do dia de hoje. Estão no contexto da carta, a atitude do governo chinês de anunciar ontem o envio de uma contribuição de 2 bilhões de dólares para a OMS e também de que no caso de ser encontrada uma vacina para o novo coronavírus, esta deve ser de bem público. Algo que os EUA não admitem nem mesmo cogitar. Diante do anúncio dos 2 bilhões vindos da China para a OMS, um porta voz do Conselho Nacional do Conselho de Segurança dos EUA disse: “o comprometimento de 2 bilhões é um gesto para distrair os pedidos de um número crescente de nações que demandam maior responsabilização do governo chinês por seu fracasso. Por não dizer a verdade ao alertar o mundo sobre o que estava por vir”.

Uma nota que me escapou do final de semana foi que o ministro Luís Roberto Barroso do STF decidiu que a ordem de que os diplomatas venezuelanos deixassem o Brasil, dada pelo governo federal, não poderá ser executada enquanto durar o estado de calamidade por causa da pandemia do novo coronavírus no Brasil. Só lembrando que em março deste ano o Brasil fechou sua representação diplomática na Venezuela e deu ordem para que os venezuelanos representantes do governo Maduro deixassem o país até 2 de março. Os venezuelanos vinculados ao oposicionista Juan Guaidó podem ficar no Brasil, segundo o governo. O Brasil reconhece como interlocutor do país vizinho um cidadão não eleito para o executivo venezuelano, uma aberração diplomática sem tamanho. Brasil e Venezuela são grandes países da América do Sul, fronteiriços e com relações históricas desde a formação das nações latino-americanas após o período de colonização europeia.

No Chile, voltaram os protestos contra o governo e agora potencializados pela crise econômica aguda gerada pela pandemia do novo coronavírus. Ontem (18) ao sul de Santiago, na região da municipalidade de El Bosque, houve enfrentamento entre manifestantes e a polícia. Os protestos foram chamados pela falta de alimento e trabalho diante da pandemia. A capital Santiago está em lockdown. Na região há uma comunidade bastante empobrecida e vulnerável. Em uma reportagem da AFP, uma manifestante disse: “não é pela quarentena, é por ajuda, alimento, isso é o que estamos pedindo neste momento”. Durante a noite em pelo menos mais três regiões da grande Santiago manifestantes sofreram violência por parte da polícia. Antes da pandemia o Chile estava vivendo uma grande revolta popular, iniciada em outubro de 2019 e que fez o presidente Piñera baixar sua popularidade para 6 pontos. Em abril seria realizado um referendo por uma nova constituição.

Primeiro latino-americano a ser diretor geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), o brasileiro Roberto Azevedo antecipou sua saída do posto no último dia 14. Questionado se não deveria ficar dada a conjuntura da pandemia, Azevedo ponderou: “se eu ficar aqui, o vírus desaparecerá? O vírus não desaparece. Se eu ficar aqui, os EUA e a China, de repente, apertam as mãos e dizem: ‘OK, deixe o passado passar?’ Não, isso não vai acontecer. Nada vai mudar se eu ficar aqui”. Não fosse a pandemia, aconteceria no próximo mês de junho a conferência ministerial da OMC realizada a cada dois anos. Azevedo estava no cargo desde 2013. Desde que Trump assumiu a presidência dos EUA a organização perdeu poder, pois o norte-americano se vale do direito de veto para impedir os consensos necessários para várias decisões. O Órgão de Apelação, por exemplo, está paralisado.

Um fato do final da semana que também me escapou aqui as notas foi a aprovação dos membros da OCDE (37) ao ingresso da Costa Rica na organização. Agora, além da Costa Rica, fazem parte da OCDE, a Colômbia, o Chile e o México. O ingresso do Brasil ainda é incerto.

Sobre a polêmica do uso da cloroquina e a hidroxicloroquina que está em alta no Brasil, o diretor do Departamento de Doenças Comunicáveis da OPAS (braço da OMS nas Américas), Marcos Espinal, disse em conferência de imprensa que “não há evidências para recomendar cloroquina e hidroxicloroquina contra Covid-19”. Ele complementou que além de não haver benefícios comprovados, o medicamento possui efeitos colaterais significativos. A recomendação casa com o desaconselhamento por parte da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) para o uso do medicamento. Ontem (18) foi um dia de notícias importantes sobre potenciais vacinas e medicamentos contra a Covid-19. Dos EUA veio a notícia dos testes positivos de uma vacina da empresa de biotecnologia Moderna. Foram oito pacientes que receberam pequenas doses da vacina e desenvolveram anticorpos semelhantes ou superiores aos encontrados em pacientes já recuperados da doença. E, da China, veio a notícia de uma pesquisa da Universidade de Pequim que permitiria imunizar temporariamente as pessoas contra a Covid-19. O medicamento seria usado principalmente na proteção dos profissionais da saúde, até que uma vacina seja desenvolvida. O mundo caminha para 5 milhões de pessoas oficialmente contaminadas pelo vírus.

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