De Olho no Mundo, por Ana Prestes

Um olhar panorâmico sobre os principais fatos da conjuntura mundial da cientista política Ana Prestes destaca a “conquista internacional” de ocupar a segunda posição em número de infectados pela Covid-19 e a quarta em relação aos óbitos. Outros temas em análise são os protestos antirracistas no EUA, que também se expandem pela Europa, a fuga de investimentos estrangeiros no Brasil, a renegociação da dívida argentina e a tentativa de Donald Trump de fomentar atritos entre os integrantes do G7.

Protestos se expandem pelos EUA, ganham apoio na Europa e provocaram um pronunciamento do Papa Francisco

O Brasil já possui mais de 30 mil mortes por Covid-19. No começo de maio havia aproximadamente 6 mil mortes. Em um mês foi multiplicado por cinco o número de vítimas. Em número de infectados já passamos de meio milhão. Em número de casos somos o segundo maior do mundo, atrás apenas dos EUA. Em número de mortes só ficamos atrás dos EUA, Reino Unido e Itália. Nossa curva está na ascendente. Podemos chegar ao posto de país mais afetado. Única conquista internacional possível ao governo Bolsonaro.

O Brasil vem perdendo rios de dólares de investidores estrangeiros. A informação está no Financial Times e foi replicada pelo Meio. De fevereiro a maio já saíram 11,8 bilhões de dólares da Bolsa e entre fevereiro e abril, 18,7 bilhões do mercado de títulos. A taxa de saída é o dobro da verificada em 2008, durante a crise econômica mundial. Pandemia combinada com crise política diferencia o Brasil de outros países considerados “emergentes” e que não estão perdendo tantos investimentos externos.

Os protestos antirracistas iniciados nos EUA no último dia 26 de maio, após o assassinato de George Floyd por um policial branco, sufocado até a morte em Minneapolis, seguem intensos e ontem (2) foram bastante fortes na Europa. Em especial na França. As ruas de Paris foram tomadas por milhares de pessoas que infringiram as determinações da quarentena. A França foi um dos países mais afetados pelo coronavírus na Europa e não estão permitidas concentrações de mais de 10 pessoas. O protesto foi convocado para frente do Tribunal de Paris. Para além da alusão ao assassinato de Floyd, os franceses que protestaram denunciaram a morte de Adama Traoré, um homem negro de 24 anos que morreu em 2016 em uma delegacia de Paris duas horas após ser preso. Segundo sua família, ele foi violentamente agredido no momento da prisão. Aliás, o protesto de ontem foi organizado e chamado por um comitê de apoio à família de Adama. A irmã de Adama, Assa Traoré, disse à Rádio França Internacional: “hoje não é apenas o combate da família Traoré, é o combate de todos vocês. Hoje, quando lutamos por George Floyd, lutamos por Adama Traoré”. Na verdade, a ocorrência do protesto no mesmo momento em que se dão os protestos nos EUA foi uma coincidência que fortaleceu o ato, pois a família de Traoré já estava mobilizando ativistas desde a semana passada quando saiu uma perícia do caso que descartava a responsabilidade dos policiais franceses e uma perícia independente soltou seus resultados apontando que ele recebeu socos na barriga na hora da prisão. (infos da RFI e da AFP).

E enquanto os protestos seguem fortes nos EUA, assim como sua repressão violenta que aumenta a cada dia, o Papa Francisco também se pronunciou. Nesta manhã (3) ele disse: “caros irmãos e irmãs dos EUA, sigo com grande preocupação as dolorosas desordens sociais que estão ocorrendo em sua nação nesses dias após a trágica morte do senhor George Floyd”. O que o Papa chama de “desordens sociais” na verdade são marchas e mobilizações permanentes em sua grande maioria pacífica, mas que também conta com grupos que fazem depredações e saques como forma de se manifestar. Várias cidades estão com toque de recolher e ostensiva presença de forças de segurança. Até mesmo a guarda nacional de fronteira, famosa por sua brutalidade contra os migrantes, está sendo mobilizada por Trump, como denunciou a deputada democrata por NY, Ocasio Cortez. As informações de ontem (2) eram de que o Pentágono havia mobilizado cerca de 1600 soldados para postos militares na área de Washington. Em uma de suas demonstrações de força, o governo colocou um helicóptero para sobrevoar com proximidade um grupo de manifestantes na capital na noite de segunda (1). Manifestações foram fortes ontem em Houston, Los Angeles, Washington, Nova Iorque, Minneapolis e diversas outras cidades por todo o país.

E sobre os protestos antirracistas nos EUA e a violenta repressão das forças policiais e ameaças de Trump de usar a Guarda Nacional e as Forças Armadas, a China se manifestou através do porta-voz de seu ministério das Relações Exteriores, Lijian Zhao. Ele questionou: “por que os EUA glorificam as ditas forças pró-independencia de Hong Kong como heroicas, mas chamam manifestantes desapontados com o racismo no seu país de arruaceiros?”. O questionamento veio após uma decisão americana de limitar a entrada de cidadãos chineses no país e encerrar benefícios comerciais a Hong Kong em retaliação à nova Lei de Segurança Nacional da China em relação a Hong Kong aprovada pelo parlamento chinês no último 27 de maio.

Venceu ontem (2) mais um prazo para pagamento de parcela da dívida argentina e deve haver nova extensão do prazo. Há elementos de que um acordo está se consolidando entre credores e governo. O montante em questão é da ordem de 68 bilhões de dólares. O debate no momento é sobre a taxa de juros a ser empregada, a Casa Rosada quer 3% e os credores topam 4,2%. Está em negociação também o período de congelamento do pagamento pedido pelo governo argentino, se de três ou dois anos. É bom lembrar que quando falamos “credores” trata-se de um grupo heterogêneo, amplo, complexo e com interesses diversos. A Argentina está em default desde 22 de maio, o que impacta nas suas possibilidades de participação no mercado internacional de créditos. Bom lembrar também que esta dívida em negociação não é a dívida do empréstimo de Macri com o FMI (57 bilhões de dólares, com 44 bilhões já liberados). Esta outra dívida será negociada na sequência. Macri não deixou poucos problemas para Fernández.

Em franca provocação com Angela Merkel e outras lideranças do G7 (Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Reino Unido e Japão), Trump está fazendo anúncios de modificações para a próxima reunião da qual o país será sede. Disse que quer ver o Fórum ampliado e atualizado. Afirmou recentemente, sem citar o Brasil, que a Rússia deve voltar ao grupo e que vai convidar Austrália, Coreia do Sul e Índia para participarem. Disse também que vai colocar a China no centro do debate. Ontem (2) Bolsonaro disse que o Brasil também está convidado para o G7 “expandido”. A princípio a reunião seria em junho, mas pela pandemia foi adiada e deve ocorrer em alguma data entre setembro e novembro.

Sobre o convite à Rússia para participar do G7, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que o presidente Putin é defensor do diálogo em todas as direções, mas que precisa receber mais informações para responder ao convite. Segundo o Kremlin, Moscou precisa saber o que estará na agenda do encontro e qual será o formato da mesma. A Rússia foi vetada no antigo G8 em 2014 quando houve o referendo popular para reincorporação da Crimeia no país, anteriormente vinculada à Ucrânia. A região da Criméia é fonte de permanente tensão entre a Rússia e a Ucrânia.

O governo da Suécia começa a dar sinais de admissão de falhas na condução da resposta local ao novo coronavírus. O epidemiologista Anders Tegnell, especialista responsável pela estratégia sueca de enfrentamento da pandemia, deu uma entrevista a uma rádio sueca que está repercutindo bastante. Ele diz: “se estivéssemos diante da mesma doença, com o mesmo conhecimento que temos hoje, acho que a nossa resposta seria alguma coisa entre o que a Suécia fez e o que o resto do mundo fez” e complementou, “claramente, há potencial de melhoria no que fizemos na Suécia”. Desde o início da crise, a Suécia apelou para a responsabilidade individual de proteger seus familiares e pessoas mais vulneráveis e fez poucas restrições à mobilidade de seus cidadãos. Apesar de universidades fechadas e lares de idosos com visitas proibidas, escolas, restaurantes e comércio ficaram abertos. A taxa de mortes por 100 mil habitantes na Suécia é de 43,3, segundo a Johns Hopkins University. Nos países vizinhos da Dinamarca é de 9,9, na Finlândia é de 5,8 e na Noruega é de 4,4. E mesmo tendo adotado medidas frouxas para o “bem da economia”, a Suécia pode ter uma queda em 7% de seu PIB segundo a ministra das Finanças, Magdalena Andersson. (com infos da DW)

A missão da ONU na Líbia (UNSMIL) informou no começo desta semana que um plano de conversações entre as partes conflitantes está avançando. Desde abril de 2019 um Exército de Libertação Nacional da Líbia liderado por Khalifa Haftar tenta tomar a capital Trípoli, hoje comandada pela GNA (Governo do Acordo Nacional) que é o governo reconhecido pela ONU. A situação é bastante complexa e a região acabou se transformando em área de disputa entre a Turquia de um lado e Rússia, Egito e Emirados Árabes do outro, apoiando Haftar.

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