Com pandemia, mais de 750 mil alunos ficam fora das teleaulas em Minas

Os absurdos das teleaulas foram trazidos à tona pelas redes sociais e quando professoras e representantes de organizações da educação criticaram o projeto de aulas a distância do governo do Estado três semanas após o início das aulas por vídeo.

Assembleia Legislativa promoveu uma audiência pública sobre os problemas das teleaulas

Como muitas professoras temiam, a Secretaria de Educação de Mnas Gerais trocou as mãos pelos pés ao preparar às pressas o material destinado às teleaulas do ensino básico devido à covid-19. Cometeu uma sucessão de erros, a começar pelo fato de deixar mais de 750 mil alunos de fora das aulas online, principalmente nas zonas rurais dos 853 municípios mineiros.

Até mesmo o deputado Bartô, do Novo, o mesmo partido do governador, reclamou que o plano de atividades não presenciais foi elaborado sem diálogo com a comunidade escolar e criticou o aplicativo Conexão Escola, que não estaria funcionando plenamente.

Os absurdos das teleaulas foram trazidos à tona pelas redes sociais e ainda durante uma audiência pública realizada pela Assembleia Legislativa na segunda-feira, 8, quando professoras e representantes de organizações da educação puderam criticar o projeto de aulas a distância do governo do Estado três semanas após o início das aulas por vídeo.

Desigualdades

“Não é educação a distância. A oferta das atividades remotas emergenciais vai acentuar a desigualdade social se não considerar com relevância as desigualdades”, acentuou Analise de Jesus da Silva, coordenadora do Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas Gerais (Fepemg). Ela lembrou que apenas 186 dos 853 municípios mineiros têm acesso ao sinal da emissora de TV da Rede Minas, pela qual as aulas do ensino estadual estão sendo transmitidas, não alcançando 750 mil dos 1,7 milhão de alunos da rede estadual.

Segundo os relatos, muitos profissionais não estão conseguindo arcar com despesas de internet ou não têm um celular com qualidade suficiente para rodar o aplicativo ou participar das dezenas de grupos de WhatsApp para se comunicar com os alunos. Além disso, os alunos moradores nas áreas rurais estão enfrentando sérias dificuldades de acesso às aulas.

Acesso difícil

O acesso ao aplicativo Conexão Escola, que traz materiais complementares às aulas, não consome o pacote de dados de internet dos estudantes e professores. “Ter acesso a WhatsApp e Facebook é muito diferente de ter dados móveis e potência o bastante para baixar e assistir a filmes, ouvir músicas, ver espetáculos teatrais, baixar arquivos em PDF e ainda mais para trabalhar com esses arquivos”, observou Analise. Nem todas as porofessoras têm condições de ter internet em casa ou recursos necessários para preparação de aulas remotas.

“Os docentes não têm formação para ministrar vídeo-aulas que não se trata de colocar textos na internet para os estudantes lerem e fazerem exercícios. Considero importante destacar que a metodologia do teletrabalho não atende as escolas no campo e as escolas indígenas, nem os sujeitos da EJA, nem às crianças e adolescentes, além de colocar em risco a saúde e a vida dos trabalhadores, entre outros empecilhos à medida”, disse ela.

Analise sugere que o governo utilize recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundebe) para ajudar a resolver os problemas. “Não precisa reinventar a roda, ela já existe”, disse. Segundo os relatos levados à comissão, são muitos os profissionais que não estão conseguindo arcar com despesas de internet e que não têm celular com qualidade suficiente para rodar o aplicativo ou participar das dezenas de grupos de WhatsApp para se comunicar com os alunos.

Erros

Os cadernos do Plano de Estudo Tutorado (PET) foram um dos alvos das críticas. “Assim que foram lançados, vimos vários problemas nos cadernos de atividade. Eles não trazem conteúdo para os estudantes e propõem atividades sem suporte para isso. É um material extremamente precário e raso, que não trabalha conceitos. Eles têm erros gravíssimos de conteúdo e de conceito e acabam deseducando mais do que educando”, afirmou Adriano José de Paula, professor da rede estadual e diretor do Sindicato Único dos Trabalhadores de Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG). 

Uma comissão de professores analisou o material e encontrou 42 erros de ortografia e gramática, 122 plágios – lições copiadas da internet sem informar quem são os autores – e 89 conteúdos errados. O material didático de Física diz que partículas subatômicas de nêutrons têm cargas positivas e negativas. Mas nêutrons não tem carga nenhuma.

A professora da rede estadual, Karina Rezende, viralizou na internet com suas críticas ao ensino remoto. Ela listou problemas do regime não-presencial como incompatibilidade entre apostilas impressas e conteúdo virtual, além da dificuldade do aluno em acompanhar o conteúdo sozinho.

Karina, que é  mestranda em História na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), alertou que há informações sem citação às fontes nas apostilas. Ela observou que existem erros gramaticais ao longo do material. “Isso evidencia falta de revisão e cuidado na elaboração do material. Na apostila do terceiro ano do ensino médio, está escrito ‘cadeiras carbônicas’ (em vez de ‘cadeias carbônicas’) e, no conteúdo de Biologia, ‘reações química’ (em vez de ‘reações químicas’). Há várias palavras em inglês escritas incorretamente”.

Ela observou que as referências da Secretaria de Educação para as apostilas do primeiro ano do ensino médio nos conteúdos de Biologia e Física são de um portal de dúvidas de pais e alunos, em vez de autores com credibilidade no mundo acadêmico. Na parte de inglês da apostila do primeiro ano, está escrito que William Shakespeare nasceu em 1954, 390 anos depois da data correta.

“Na apostila de História do sétimo ano, na parte sobre evolução do hominídeo, as espécies Homo habilis Homo sapiens aparecem como sinônimos, sendo que há mais de um milhão de anos de distanciamento entre ambos. Há falta de material e um ensino errado de algumas disciplinas”, disse Analise. Ela diz ter relatos de escolas onde a distribuição de livros didáticos no começo do ano foi menor que a de alunos, o que deixaria o estudantes à mercê de aprender com as novas apostilas.  

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