Físico mostra erros em curvas que flexibilizam isolamento social em SP

Pesquisador prova que datas erradas de mortes suspeitas e confirmadas por covid-19, ajudam a estruturar curva epidêmica que favorece leitura equivocada e flexibilização antecipada do isolamento social.

Fotos: Max Haack/Secom

O físico e engenheiro da Unicamp, Carlos Henrique de Brito Cruz, identificou um erro na construção das curvas epidêmicas que altera a previsão de especialistas sobre o avanço da doença. Para ele, a data correta da morte por covid-19 é fundamental para a correção dos números indicativos de evolução epidêmica. Como as pessoas morrem sem resultado efetivo de testes de soropositividade, acabam sendo contabilizadas no futuro, dificultando a percepção de impacto positivo imediato do isolamento social.

A pesquisa do professor Brito Cruz visa dar força à argumentação da importância da quarentena para reduzir as mortes por covid-19. Por isso, corrigiu as datas de mortes e as curvas divulgados pelo governo, mostrando em gráficos como a percepção do sucesso do isolamento social muda, assim como a redução do isolamento social aumentou o número de mortes. Ele pressupõe que, se os governos testassem mais os doentes, poderiam evitar esse problema.

Matemáticos e físicos analisando dados epidêmicos para construção de uma curva de contágio se multiplicaram por todo o país, conforme governadores precisaram de especialistas para garantir uma leitura científica do avanço da covid-19 e, assim, tomar decisões embasadas. Com isso, passaram a fazer previsões de quantas pessoas morreriam até determinado período ou de quando os hospitais entrariam em colapso sem leitos de UTI para oferecer. Do mesmo modo, governadores estão flexibilizando a quarentena do comércio e das empresas baseados na leitura desses especialistas.

As facilidades destes programas de ajuste de dados não teriam maiores implicações, se não resultassem em análises equivocadas que são utilizadas para tomadas de decisão em políticas públicas. É o que revela o artigo do professor Brito Cruz, aceito para publicação na Revista Brasileira de Epidemiologia.

As mortes descartadas por Bolsonaro

A análise do físico relaciona-se com a recente crise de transparência nos dados divulgados pelo Ministério da Saúde, a partir da interferência do presidente Jair Bolsonaro, que queria diminuir o impacto do número de mortes por covid-19 na opinião pública. Bolsonaro queria que fossem divulgadas apenas as mortes ocorridas no dia em questão, sem incluir óbitos ocorridos em dias anteriores, que aguardavam confirmação de soropositividade. Ficou a desconfiança de que o número de mortes cairia por descarte.

Após medidas polêmicas que geraram reação na sociedade civil, instituições médicas e no Judiciário, como uma divulgação parcializada dos dados, técnicos do governo resolveram assumir a proposição deste artigo da Unicamp, de que as mortes precisam ser divulgadas no dia em que ocorreram para garantir a curva epidêmica correta. No entanto, até o momento, não se observou nenhuma mudança na coleta de dados do governo.

Quando o governo divulgava os dados da covid-19, sem a intenção explícita de tentar mascarar os números, era possível verificar no portal do Ministério da Saúde alguns gráficos sobre a evolução dos óbitos ao longo do tempo onde o procedimento para construção da curva era, no mínimo, estranho. As mortes eram colocadas de acordo com a data em que o exame PCR, que detecta a presença do vírus, era informado. Por exemplo, se os resultados dos exames de duas pessoas fossem liberados no mesmo dia, mas elas morressem em dias diferentes, as mortes eram contabilizadas no mesmo dia.

De acordo com o pesquisador, existem diversos problemas ao se contabilizar as mortes dessa maneira. É difícil estabelecer alguma estratégia de ação se as curvas precisam ser constantemente corrigidas por causa dos óbitos que aconteceram após os resultados dos exames, ou pelo atraso na obtenção do resultado dos testes. O número reduzido de testes realizados também subestima consideravelmente o total de óbitos. É claro que a utilização de uma curva ruim para a tomada de decisões tem grande chance de resultar em decisões ruins – um exemplo disso é a decisão da flexibilização do isolamento social ainda na fase de crescimento da curva de óbitos e contaminados.

A importância do distanciamento social

O artigo “Distanciamento Social no estado de São Paulo: uso de série temporal dos óbitos devidos à covid-19 para demonstrar a redução de casos” aponta claramente a necessidade e a eficiência do distanciamento social na redução do número de óbitos.

A análise proposta pelo professor Brito Cruz utiliza a data da morte e não a data do teste PCR. Os dados foram acessados a partir da base da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). Na construção do gráfico foram incluídas as mortes atribuídas à covid-19 (suspeitas e confirmadas) e o excesso de mortes em decorrência de Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag) em comparação com 2019. O gráfico para o estado de São Paulo demonstra a eficiência do efeito do isolamento social na diminuição das mortes. A curva do número de mortes ao longo dos dias mostra uma diminuição drástica na taxa de crescimento de óbitos, em torno de 17 dias após o início do isolamento.

O primeiro gráfico, acima, mostra os dados do estado de São Paulo (mortes por COVID-19 e excesso de mortes por síndrome respiratória) lançados na data real de óbito; o segundo, os dados estaduais tal como apresentados atualmente. Fonte: DOI: 10.1590/1980-549720200056

A importância do isolamento verificada no artigo não fica clara quando a contabilização das mortes é feita levando-se em conta a data em que o resultado do teste PCR foi informado (método utilizado pelo governo). Isso demonstraria, segundo o físico, que os gestores estão analisando os dados da maneira errada para deliberar sobre as questões do isolamento social e demais assuntos relacionados à pandemia.

A diferença das curvas feitas utilizando-se os dados da Arpen e dos testes PCR não se reflete apenas na visualização do patamar que mostra a interrupção no crescimento do número de mortos, mas também no total absoluto do número de mortos. O número total de mortos entre os dias 17 de março e 27 de abril proveniente dos cartórios dá um total de 3.293, enquanto a conta do governo retorna 1.825 mortes.

A mesma conclusão a respeito da importância do distanciamento social reflete-se nas curvas para a cidade de São Paulo. Se a análise for feita considerando-se todo o Brasil, a curva apresenta um comportamento ligeiramente diferente – o plateau decorrente da quarentena apresenta-se mais estreito. Isso mostra, provavelmente, que a avaliação da situação do isolamento deve ser feita considerando-se cada estado e cidade separadamente.

Deste modo, ele considera preocupante que em pleno crescimento dos casos e mortes, os governantes estejam iniciando um afrouxamento da quarentena com base em indicadores inadequados, com problemas de transparência e provavelmente analisados de maneira incorreta.

Com informações da Unicamp

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