De Olho no Mundo, por Ana Prestes

A cientista política Ana Prestes analisa os principais fatos da conjuntura internacional com destaque para disputa pela presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento e para o anúncio de um medicamento capaz de salvar a vida de pacientes graves da Covid-19. Argentina, o acordo Mercosul-União Europeia, a tensão entre Trump e Angela Merkel, a violência policial nos EUA e a expansão da pandemia do novo coronavírus na África também são temas da análise desta quarta-feira (17).

Estados Unidos disputam a presidência do BID para usar o banco em sua ação intervencionista na América Latina

O BID, Banco Interamericano de Desenvolvimento, é presidido há 15 anos por um colombiano, Luis Alberto Moreno. Seu mandato está terminando e após seguidas reeleições (os períodos são de cinco anos) não pretende ser reconduzido em setembro de 2020. O governo brasileiro, via Paulo Guedes, vem trabalhando na candidatura de, Rodrigo Xavier, ex-presidente do Bank of America no Brasil, para rivalizar com o candidato argentino e assumir o posto. O Brasil já havia inclusive avisado o Secretário do Tesouro dos EUA, Steven Mnuchin, da candidatura. Argentina e México estão trabalhando na candidatura de Gustavo Beliz, argentino e atual Secretário de Assuntos Estratégicos do governo do presidente Alberto Fernández. A tradição do banco(desde a fundação em 1959) é uma rotação da presidência entre os países latino-americanos e os EUA ficam de fora da presidência por serem os maiores acionistas e a sede do banco ser em Washington. Esta semana, no entanto, os EUA anunciaram que querem o posto para Mauricio Claver-Carone, atual diretor sênior do Conselho de Segurança Nacional para Assuntos do Hemisfério Ocidental dos EUA. Um cubano-americano conhecido por sua linha dura com relação a Cuba, Venezuela e Nicarágua.  Recentemente, durante a posse presidencial de Alberto Fernández na Argentina, ele se retirou do evento antes de seu desfecho como forma de “protesto” por conta da presença de um representante do governo da Venezuela e de Rafael Correa, ex-presidente do Equador. Claver-Carone tem se dedicado, ao longo do governo Trump, a estrangular a Venezuela economicamente. Agora vai ganhar um prêmio.

O ministro da Economia da Argentina, Martín Guzmán, deu uma entrevista à Folha de São Paulo. Atualmente ele tem a missão de administrar uma dívida herdada do governo Macri que está na casa dos 65 bilhões de dólares. Uma parcela de US$ 503 milhões venceu no final de maio e ele conseguiu uma nova ampliação do prazo de pagamento. Até agora, nenhum credor declarou a Argentina em moratória. Na entrevista, ele fala da importância de uma aproximação do Brasil e que desde o início do governo (dezembro de 2019) ainda não teve a chance de conversar com o ministro brasileiro Paulo Guedes, a não ser em fóruns comuns. Sobre o acordo do Mercosul com a União Europeia, ele diz que a negociação foi feita “sem transparência e sem legitimidade com relação à sociedade”. Segundo ele, o Mercosul deveria ser mais que um acordo econômico, mas também fonte de intercâmbio cultural e social. Ele discorre ainda sobre os erros econômicos do governo Macri e como tem se dado a relação com o FMI e os maiores credores da dívida.

Ainda sobre o Mercosul e o acordo com a União Europeia, cinco ONGs pediram à Defensora Pública Europeia, Emily O’Reilly, que suspenda o processo de ratificação do acordo. São elas: Federação Internacional dos Direitos Humanos, ClientEarth, Instituto Veblen, Fern e Fundação Nicolas Hulot. A argumentação das organizações é de que a União Europeia não levou em conta o impacto ambiental do acordo. No comunicado das ONGs se lê que “a Comissão Europeia não respeitou sua obrigação legal de garantir que este acordo não implique degradação social, econômica e ambiental ou violações de direitos humanos”. As entidades pedem que, após realizado um relatório da avaliação do impacto do acordo, seja feita uma consulta à sociedade civil sobre as conclusões e recomendações.

Esta semana, o presidente Trump esqueceu um pouco a China e está focado em atacar a Alemanha. Desde o começo da semana vem dizendo que a Alemanha não investe na OTAN e que vai reduzir o contingente militar dos EUA no país europeu. Tropas militares estadunidenses estão na Alemanha desde o final da Segunda Guerra Mundial, há uma confusão de números, mas presume-se que há entre 35 mil a 50 mil oficiais militares dos EUA no país. No seu tom chantagista já conhecido, Trump disse que vai retirar cerca de 10 mil militares, mas que eles poderão voltar caso o governo alemão invista mais na sua área de defesa. Segundo Trump, os alemães “não gastam suficiente” com defesa. Ele está se referindo ao fato de a Alemanha não seguir a recomendação para os integrantes da OTAN de gastar 2% do seu PIB no setor da Defesa. Em 2019 a Alemanha gastou um 1,38% do seu PIB neste setor (dados de reportagem do O Globo). Outro ataque reiterado à Alemanha e deste já falei muitas vezes aqui nestas notas, é quanto a oposição de Trump à construção do gasoduto Nord Stream 2 entre a Rússia e a Alemanha. Os EUA apertaram ainda mais as sanções econômicas às empresas envolvidas na construção. O trabalho final de construção do gasoduto está parado desde dezembro de 2019 na região da Dinamarca, segundo a DEA (Denmark’s Energy Agency), quando embarcações com âncoras de uma empresa suíço-alemã foi impedida de finalizar cerca de 120 km do oleoduto nas águas dinamarquesas. O aperto dos ataques de Trump a Merkel ocorre em momento em que ele precisa de inimigos externos para mostrar seu poderio para seu público interno. Ele também se irritou com a recusa da chanceler de participar de uma reunião presencial da cúpula do G7. Os EUA estão na presidência do bloco e Trump insiste que a reunião seja presencial, inicialmente junho e agora marcada para o segundo semestre sem data precisa. Merkel disse que não participaria presencialmente por conta da pandemia.

A luta contra o coronavírus parece ter dado um passo importante esta semana com a descoberta de um medicamento eficaz para os casos mais graves da doença. Segundo o presidente da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, trata-se do primeiro tratamento que comprovadamente reduz a mortalidade em pacientes que apenas conseguem respirar com o uso de respiradores. O medicamento é a dexametasona, um corticoide usado para combater inflamações e promover imunossupressão há 60 anos. Utilizado para artrite reumatóide, alergias, asma e outras enfermidades inflamatórias ou que necessitam de diminuir a super-reação imunológica do organismo (alergias, por exemplo). Amplamente utilizado na medicina há décadas, é considerado seguro quando adotado na dose correta e por um tempo determinado. A descoberta da eficácia da dexametasona para o tratamento dos pacientes graves da Covid-19 foi feita por pesquisadores da Universidade de Oxford, em conjunto com o governo britânico e hospitais do Reino Unido. Além dos pacientes que se submeteram ao tratamento. Segundo o secretário de saúde do NHS (sistema público de saúde do RU) o medicamento será incluído no protocolo de tratamento padrão da Covid-19. Com o uso do remédio, até um terço dos pacientes britânicos com Covid-19 que estavam usando respiradores sobreviveram à doença.

A pandemia do coronavírus começa a ganhar mais proeminência na África. Pelos dados da OMS, em uma semana, o número de novos casos e mortes aumentou em 25%, passando de 201 mil mortos para quase 260 mil. As mortes passaram de 5400 para quase 7 mil. Os países que lideram em número de casos e mortes são ainda África do Sul, Egito, Nigéria e Argélia, como já havia reportado aqui nestas notas. Outra preocupação que se agrava no continente é quanto à segurança alimentar, em especial na África Subsariana. O número de pessoas que passam fome na região pode chegar a 250 milhões, em alguns países a mais de 70% da população. Isso se deve não só ao coronavírus, mas às pragas de gafanhotos, às secas, os ciclones Idai e Kenneth.

Nos EUA seguem os protestos antirracistas enquanto o país entra em um profundo debate sobre uma reforma do sistema policial. O presidente Trump assinou ontem (16) uma ordem executiva para “práticas melhores” nas polícias. Ao assinar, disse que é fortemente contrário à dissolução dos departamentos de polícia. Nos estados discutem-se medidas mais duras, inclusive sobre o fim da polícia, em alguns deles. No Congresso, republicanos e democratas também estão discutindo reformas, inclusive com duras críticas à proposta de Trump que não responde aos clamores das ruas. Uma das lideranças da Anistia Internacional nos EUA, Kristina Roth, disse que proposta de Trump é como colocar um band-aid sobre um corpo alvejado por balas.

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