EUA presidirem BID seria impensável em outro governo, diz economista

Donald Trump rompeu tradição e indicou norte-americano Mauricio Claver-Carone. Governo Bolsonaro endossou e pode mesmo ter sugerido candidatura.

Estados Unidos disputam a presidência do BID para usar o banco em sua ação intervencionista na América Latina

Ao longo de 60 anos de existência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) teve quatro presidentes, todos latino-americanos. Os latino-americanos e caribenhos detém, em conjunto, a maioria do capital do BID (50,015%) e, pela regra não escrita desde sua criação, indicam seu presidente, enquanto os Estados Unidos, com 30% do capital votante, sempre ocuparam a posição de vice-presidente executivo. Este ano, o presidente dos EUA, Donald Trump, rompeu o pacto.

No último 16 de junho, Trump indicou Mauricio Claver-Carone, cidadão norte-americano, para comandar a instituição. O desrespeito do país com os parceiros regionais já seria grave. Mais preocupante ainda, no entanto, tem sido a postura do Brasil em face da situação.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, acreditava que Trump apoiaria o nome do brasileiro Rodrigo Xavier, ex-presidente do UBS e do Bank of America no Brasil, para substituir o colombiano Luis Alberto Moreno devido à “relação especial” entre os dois países, tão alardeada por Jair Bolsonaro. Quando a esperança não se concretizou, a postura brasileira foi de um servilismo atroz: Guedes e Ernesto Araújo soltaram uma nota de apoio à candidatura norte-americana.

“O governo brasileiro recebeu positivamente o anúncio do firme comprometimento do governo dos Estados Unidos com o futuro do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) por meio da candidatura norte-americana à presidência da instituição”, afirma nota conjunta dos ministérios da Economia e das Relações Exteriores, divulgada no dia seguinte à indicação de Trump.

Uma entrevista de Claver-Carone à agência de notícias EFE, no entanto, revelou que as coisas podem ter se passado de maneira ainda mais humilhante. O candidato relatou que a sugestão para a indicação de um norte-americano teria partido do próprio Jair Bolsonaro.

“Em uma ligação casual, duas semanas atrás, [o presidente brasileiro, Jair] Bolsonaro havia dito ao presidente Trump que ele estava pensando em um candidato, mas que eles apoiariam um candidato estadunidense se ele se apresentasse. E por isso começamos a pensar nas circunstâncias, e se era possível fazê-lo neste momento excepcional”, afirmou Claver-Carone.

Mauricio Claver-Carone é um advogado de 44 anos de ascendência cubana, nascido em Miami. Apesar de sua origem, é conhecido por defender o embargo a Cuba e criticar a política de abertura ao país. Ele é o principal assessor de Trump para assuntos da América Latina e Caribe.

Segundo o economista Paulo Nogueira Batista Jr., que foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICs e diretor executivo no Fundo Monetário Internacional (FMI) pelo Brasil, o que aconteceu não tem precedentes.

“A minha leitura é que isso jamais aconteceria se o Brasil não tivesse pedido. Os americanos sempre respeitaram [a tradição]. Pelo relato do candidato [Mauricio Claver-Carone], os Estados Unidos foram estimulado a quebrar a regra”, comenta.

Ele lembra, ainda, o peso que o Brasil tem entre os países da América Latina e Caribe. “O Brasil é um dos maiores acionistas [do BID]. Então, se o Brasil oferece apoio a uma candidatura norte-americana e o peso disso é enorme”, afirma.

Na entrevista à EFE, Claver-Carone afirmou já ter os votos necessários para conquistar a presidência do BID. “Já são 15 os países que nos disseram, de forma pública ou reservada, que apoiam a nossa candidatura”, afirmou. Caso isso se concretize, terá sido com integral contribuição do Brasil, que abriu mão da liderança que sempre teve na região e de representar seus interesses. “Isso jamais aconteceria em qualquer outro governo”, diz Paulo Nogueira Batista Jr.

Como destacaram Raul Jungmann e Mauro Marcondes Rodrigues em artigo recente para a Veja, um dos motivos pelo qual se estabeleceu a regra tácita da presidência latina é a garantia da proximidade com os países beneficiários do apoio do banco e a melhor compreensão de suas demandas. O Brasil, que teve um papel fundamental na criação do BID com Juscelino Kubitscheck, tem história na instituição. No entanto, ressalta o artigo, “preferiu ignorar este fato e se alinhar aos interesses imediatos dos EUA, abandonando compromissos com os demais países beneficiários, alguns inclusive com candidaturas postas”.

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