Cotas na pós-graduação: reafirmando o direito à educação

Enquanto o ponto de partida for tão diferente, precisaremos de ações afirmativas

A história política, econômica e social do Brasil é marcada por profundas desigualdades que fazem com que características como a origem, a cor da pele, o gênero, a orientação sexual e o fato de uma pessoa ter deficiência imponham limites às conquistas de grande parte da população. A nossa sociedade ainda está longe de garantir a todos uma cidadania plena. Diante de tantas desigualdades historicamente sustentadas e diariamente atualizadas, políticas afirmativas se fazem necessárias.

As cotas universitárias são um grande exemplo de política de ação afirmativa de impacto comprovado. Inspirada no modelo norte-americano, a política respondeu a uma demanda histórica dos movimentos negros brasileiros e foi institucionalizada, pela primeira vez, na UERJ, em 2003. Foi apenas em 2012 que a lei 12.711 foi aprovada, estabelecendo que todas as instituições federais devem adotar a política de cotas. Atualmente, 50% das matrículas são reservadas a alunos que cursaram os três anos do ensino médio na rede pública, sendo que metade delas deve ser para estudantes de baixa renda. A destinação de matrículas a negros, indígenas e pessoas com deficiência considera o percentual dessas populações na unidade federativa em que a instituição está instalada, de acordo com os dados do Censo do IBGE.

Essas ações já surtem efeitos, e a presença de estudantes negros e indígenas advindos de escolas públicas nas instituições federais de ensino superior aumentou 39% entre 2012 e 2016. Já o percentual de pretos e pardos que concluíram a graduação cresceu de 2,2%, em 2000, para 9,3%, em 2017. Quanto às pessoas com deficiência, cuja inclusão na Lei de Cotas se deu apenas em 2016, o avanço ainda é tímido, e as estimativas são de que apenas 6,6% deles concluam o ensino superior.

Diversos estudos vêm mostrando que o impacto das cotas vai além do poder de transformação que o acesso ao ensino superior tem na vida desses estudantes, tendo efeito positivo em toda a comunidade acadêmica. Na UFMG, por exemplo, o desempenho dos alunos cotistas é igual ou superior ao dos demais em 95% dos cursos.

Porém, a Lei de Cotas não abarca os cursos de pós-graduação e, de acordo com a Pnad de 2015, embora 52% da população brasileira se considere negra, o número de brancos cursando a pós-graduação é três vezes maior que o número de negros.

Por isso, a portaria normativa MEC nº 13, de 2016, vem sendo fundamental para a ampliação do acesso de grupos historicamente marginalizados a cursos de mestrado e doutorado. Além de definir que as instituições de ensino federais devem apresentar propostas para a inclusão desses grupos, ela também determina que as instituições criem comissões para o aperfeiçoamento de suas ações afirmativas.

É por isso que a revogação da portaria pelo ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, horas antes de deixar o cargo, mobilizou toda a sociedade. Na Câmara dos Deputados, para além de apresentar um projeto de decreto legislativo para sustar a revogação, junto a outros parlamentares de diferentes partidos, também protocolamos um projeto de lei para garantir maior estabilidade às políticas de inclusão de negros, indígenas e pessoas com deficiência na pós-graduação.

No projeto, estabelecemos que as instituições federais devem apresentar políticas com metas de inclusão e de permanência desses públicos, por área do conhecimento e por programas de pós-graduação, com indicadores de monitoramento.

A nossa pressão fez efeito: o MEC voltou atrás e sustou os efeitos da revogação. Nossos esforços agora são pela aprovação do projeto apresentado.

Enquanto o ponto de partida for tão diferente, precisaremos de ações afirmativas —especialmente as de acesso ao ensino superior, pois elas dão aos cotistas ferramentas reais para que possam mudar não apenas a sua realidade, mas a de todos aqueles que, ao se verem representados neles, se sentirão motivados a trilhar o mesmo caminho. Além disso, ao possibilitar que a igualdade de oportunidades garantida pela nossa Constituição se torne um objetivo menos distante, políticas afirmativas contribuem também para o aprofundamento da nossa democracia.

*

Publicado originalmente na Folha de S.Paulo. Os deputados da oposição ao governo Bolsonaro que assinam este artigo são autores de projeto de lei que prevê inclusão de ações afirmativas na pós-graduação.

Autores

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *