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Cura, vacina ou tratamento para todos ou para ninguém

Para o economista Carlos Grabois Gadelha, é possível salvar a economia e a saúde ao mesmo tempo, melhorando a qualidade de vida da população

Bolsonaro durante encontro com Paulo Skaf, Presidente da FIESP, e empresários. Foto: Marcos Corrêa/PR

Investir em saúde é uma forma de investir na economia também. Essa é uma das ideias principais defendidas pelo economista Carlos Grabois Gadelha, que é integrante doComitê de Ciência e Tecnologia da Abrasco e pesquisador da Fiocruz. Enquanto muitos tentam colocar a ideia de que ou salvamos a saúde, ou salvamos a economia, o economista defende que desenvolver o complexo econômico e industrial da saúde ajudaria nas duas frentes a sociedade brasileira, tendo em vista que geraria emprego e renda, aumentando a qualidade de vida da população.

Carlos Gadelha: “complexo industrial de saúde gera emprego e renda”

Na entrevista, Gadelha lembra que o setor da saúde gera 15 milhões de empregos diretos e indiretos e garante 9% doProduto Interno Bruto (PIB). Além do debate econômico, o pesquisador ressalta a importância de retomar a ideia humanista para construir o futuro: “Temos que retomar a construção de um futuro que una desenvolvimento econômico, social e ambiental”.

Leia, a seguir:

Quais as lições que essa pandemia vai deixar?

Esse período nos permite uma certa mudança naescala de valores. Perceber que o coletivo não é um acessório. Por ser transmissível, o vírus escancara essa necessidade. Não podemos dividir a sociedade entre quem tem e quem não tem plano de saúde. A cura, a vacina ou o tratamento são para todos ou são para ninguém. A pandemia está mostrando nossos acertos, como os arranjos nos territórios, a população se ajudando, a importância da saúde da família. Mas está também mostrando nossos erros, nossa estrutura desigual e a nossa fragilidade por precisar de insumos que vêm de longe.

A corrida pela importação de respiradores, que virou até caso de polícia e embate político, é uma mostra disso?

O Brasil não é um país pequeno, mas age como se fosse: compra tudo de fora e vende produtos básicos como soja e ferro. A falta de respiradores mostra essa falta de visão estratégica. É uma irresponsabilidade. A produção nacional representa 40% da demanda, mas os componentes mais sofisticados desses ventiladores são importados. Nossa dependência é de aproximadamente 80% em relação ao mercado internacional. Nos últimos 20 anos, quintuplicou essa importação. Agora até luvas estão buscando lá fora.

Como diminuir essa dependência?

Perdemos 2/3 da nossa indústria, mas temos uma base ainda. Temos ciência e tecnologia. O que falta é mudar os óculos para olhar a saúde como investimento e não como despesa. A China é um exemplo que é possível fazer isso. Tanto é que ela pulou de 2% para 16% na participação nas nossas importações de produtos da saúde. Até ultrapassou os Estados Unidos nessa lista. Nós temos o SUS [Sistema Único de Saúde], um direito para 200 milhões de pessoas que gera três milhões de empregos. E temos mais quatro milhões na área, além de oito milhões de empregos indiretos. E isso pode aumentar, afinal, robôs não conseguem substituir médicos e enfermeiros. Agora estamos vendo a importância que tem a palavra cuidado. A saúde é um setor imenso na economia, representa 9% do PIB e pouca gente sabe. Então temos mercado. Só precisamos abandonar uma visão de curto prazo, de olhar só em preço imediato e pensar no preço que estamos e vamos pagar como país com essas decisões.

Mas ultimamente com os cortes do orçamento da saúde, o Brasil não está indo no caminho totalmente contrário?

Só em 2019, a saúde perdeu R$ 20 bilhões de seu orçamento, e agora temos que correr atrás. Também está aí o contingenciamento das verbas para a pesquisa e para ciência. Olha, não estou otimista. O debate não está apontando para a solução dos problemas. A discussão está pobre, enviesada, falando só sobre com falsos dilemas: ou mercado ou estado. Tem que ser os dois. Os desafios nacionais puxam a economia. Investir em bem-estar é investir no futuro, na cidadania e na renda das pessoas. Temos que recuperar essa noção.

Você defende o complexo econômico e industrial da saúde como um caminho para o desenvolvimento do Brasil. Acredita que agora a gente está vivendo um momento em que essa alternativa fica mais clara?

Com certeza. E isso se percebe no vazio da polêmica atual: “vamos priorizar a saúde ou a economia?” Se investirmos no setor da saúde, é uma forma de proteger a coletividade e ter um dinamismo econômico, ao mesmo tempo.

Eu defendo que há quatro frentes para alavancar a economia brasileira: a saúde, a mobilidade, o saneamento básico e a bioeconomia. Mas precisamos de uma política industrial arrojada, não só projetos pilotos. São áreas de potencial no país. Além disso, esse desenvolvimento traria uma vida mais decente nas cidades, melhoraria a sustentabilidade e criaria um ambiente de inovação, articulando governo, empresas, instituições, coletivos e empreendedores sociais. A quarta revolução industrial está aí para isso, e o Brasil não deve perder mais essa oportunidade.

Como vê as discussões sobre o “novo normal” e os cenários pós-pandemia?

Não podemos nos conformar passivamente com um novo normal excludente e que fragmenta a sociedade. Temos que voltar à perspectiva iluminista de criação de um futuro desejável. A democracia, os sistemas universais de saúde e os direitos sociais nunca foram normais, naturais. Foi a arte, a política e o engenho humano que criaram um normal humanista e voltado ao bem-estar. Temos que retomar a construção de um futuro que una desenvolvimento econômico, social e ambiental.

Publicado por Ecoa, reproduzido por Associação Coletiva de Saúde – Abrasco e Instituto Humanitas Unisinos

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