China será exceção e terá recuperação acelerada no pós-pandemia

Altos níveis de poupança e peso menor dos serviços favorecem retomada da economia chinesa

Com menor peso do setor de serviços no Produto Interno Bruto (PIB) e elevada poupança interna, a China sairá mais rapidamente da crise coronavírus do que o restante do mundo. É muito provável que o país asiático seja, na realidade, uma exceção. Os sinais de reação da atividade chinesa após o primeiro choque da pandemia são um “farol imperfeito” do que deve acontecer nas maiores economias, incluindo o Brasil.

Isso deve frustrar analistas que avaliam a retomada chinesa como antecedente da volta à normalidade, alertam pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). “A China tem movimentos de retomada bastante claros e os analistas têm usado isso como indicativo que o mundo vai voltar rápido. É preciso cuidado com essa extrapolação”, diz Livio Ribeiro, pesquisador associado do Ibre/FGV.

Os índices de gerentes de compras (PMI, em inglês), termômetros do nível de atividade, foram os primeiros a detectar a largada da China. Por lá, os PMIs mostraram retomada mais veloz, sobretudo nas manufaturas, na análise dos dados nos meses de fevereiro a junho. “Entre as grandes economias, a China é o único onde PMIs estão rodando acima de 50, apesar de outros países também terem retomada”, afirma Ribeiro.

Já nos indicadores de produção industrial, os dados mais recentes mostram alta anualizada de 4,4% na China em maio, enquanto nos demais, como Estados Unidos e União Europeia, o tombo, na casa dos dois dígitos, foi apenas suavizado. Com isso, analistas reveem para cima as projeções para o crescimento chinês de abril a junho e para o número fechado deste ano, após uma queda anualizada de 6,8% no primeiro trimestre.

Apesar do grau de dispersão entre as previsões, as estimativas mais otimistas de banco estrangeiros apontam para chance de avanço do PIB ao redor de 3% do país em 2020. No segundo trimestre, a expectativa mediana do mercado é de alta de 2,2% no período. O número oficial deve ser conhecido nesta semana.

O perfil do PIB chinês joga a favor: entre as principais economias globais, a China é a com menor fatia do setor de serviços, com pouco mais de 50%. O mais comum é algo entre 60% e 70%. Isso ganha relevância na crise sanitária porque, a partir das pesquisas já disponíveis, já se sabe que a indústria tende a se recuperar mais rápido do que os serviços, cujas atividades são eminentemente presenciais.

Do lado dos consumidores e governo, também há mais munição para tirar a China da crise neste momento. Primeiro, porque as famílias chinesas têm, tradicionalmente, elevado nível de poupança. Assim, a “travessia” entre o momento mais agudo da pandemia e a reabertura da economia não precisou de auxílio direto do governo, ao contrário da maior parte das nações. Na China, a taxa de poupança equivale a 47,4% do PIB, contra apenas 16,5% do PIB no Brasil, segundo números do Banco Mundial.

Até meados de junho, uma medida criada para aferir o quanto os governos têm gastado com a crise – o índice de estímulo econômico da Covid-19 (Cesi, em inglês) – mostrou que, em comparação com os demais países, a China tem tido atuação moderada. Os estímulos fiscais, por exemplo, representam por ora 3,5% do PIB do país, muito abaixo do que EUA (13,9%), Europa (11,3%) e até mesmo Brasil (10%). “A China, na média, fez muito menos do que a média global até o início de junho e nas suas aberturas”, explica Ribeiro.

A pesquisa inclui as medidas de crédito, estímulo fiscal, pacotes monetários, cortes de juros, entre outros. Mas, segundo a coordenadora do Boletim Macro do Ibre/FGV, Silvia Matos, nem só o tamanho dos pacotes de ajuda deve ser observado. “O debate não é, no caso do Brasil, se estamos fazendo muito ou pouco – mas se o desenho das medidas está ajustado. É mais sobre qualidade do que quantidade”, diz.

A combinação entre os dois fatores permite que o Estado chinês atue para fortalecer a demanda no momento em que a economia também se aquece “naturalmente”, o que deve dar fôlego extra para a recuperação chinesa. A organização política também é outro fator que ajudou no controle da pandemia e, portanto, facilitou a reabertura da economia. “O choque da Covid-19 é mais fácil de combater no ‘framework’ asiático, onde os cidadãos abrem mão de liberdade em troca de maior controle e organização, do que em nosso modelo”, explica Ribeiro.

O Ibre/FGV considera como provável o cenário do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a China em 2020. Pelas contas da entidade, o PIB do país deve crescer 1% neste ano. “A China se destaca, das grandes economias globais, como a única que deve ter expansão no PIB neste ano, apesar de usualmente menor do que acontece”, afirma Ribeiro.

Apesar do otimismo, alguns fatores podem complicar a reação chinesa. Por ser o primeiro país a ser atingido pela pandemia, também há risco de retroalimentação a partir dos efeitos negativos “importados”. A abertura do PMI de manufatura evidencia isso: os subindicadores de ordens de exportação e de nível de emprego operavam, em junho, em 42,6 e 49,1 pontos, respectivamente – o que indica ainda contração da atividade.

“Mas como a China estimula a demanda interna na ascendente (da crise), já está se preparando para esse possível choque negativo que virá de fora [numa segunda onda da Covid-19]”, afirma Ribeiro. Além do coronavírus, o que deve pesar na atividade chinesa a partir de agora é o risco de uma nova guerra comercial com os Estados Unidos. As metas traçadas para a trégua entre o embate os dois países são, em grande medida, inatingíveis. Há, portanto, espaço para retaliação americana, o que tem relação direta com as pretensões eleitorais de Donald Trump.

Com informações do Valor Econômico

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