Pesquisadores medem tamanho do iceberg de subnotificação de covid-19

Conjunto de pesquisas dimensionam o número de mortes adicionais que não foram computadas como resultado da covid-19 em quatro capitais.

Manaus é o exemplo mais evidente da quantidade de pessoas que foram enterradas sem terem sido notificadas como covid-19 por morrerem fora de hospitais e serem registradas como mortes naturais

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e a Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) divulgaram, também hoje, estudo sobre a realidade da pandemia no país. “Em quase cinco meses após o surgimento dos primeiros casos no país, ainda é difícil apontar números precisos da mortalidade específica pela doença, diante das falhas da cobertura da vigilância laboratorial e epidemiológica”, afirma a Fiocruz.

O resultado aponta para uma severa subnotificação nas mortes pela covid-19. Foram analisados dados de mortes naturais durante a pandemia em quatro cidades: Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza e Manaus. Os municípios foram os mais duramente afetados no primeiro momento da pandemia.

Os pesquisadores do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e da Universidade do Estado do Amazonas (UEA)  adotaram modelo matemático para analisar o período de 23 de fevereiro a 13 de junho de 2020, tendo como base os anos de 2015 a 2019, para estimar as mortes esperadas.

Segundo a investigação, houve uma somatória de mais de 22 mil mortes excedentes durante a epidemia, em 4 capitais brasileiras: Rio de Janeiro,  São Paulo, Fortaleza e Manaus. Para a análise, foram utilizados dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde e da Central de Informações do Registro Civil (CRC) Nacional, bem como relatórios epidemiológicos de secretarias de saúde.

Os pesquisadores observaram que o número de mortes excedentes variou ao longo do tempo, mas, em geral, os picos mais proeminentes de mortalidade ocorreram nos meses de abril e maio, especialmente em Manaus e Fortaleza. Embora, esse número tenha sido proporcionalmente menor em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo.

“Avaliar o excesso de mortes pode ser a única e mais viável forma de se mensurar rapidamente os impactos ou a severidade da crise sanitária e sua possível relação com a capacidade de resposta ao problema”, explica pesquisador da Fiocruz Amazônia, Jesem Orellana.

Segundo o pesquisador, o indicador de mortalidade por causas naturais, utilizado na análise, representa o total de óbitos ocorridos em cada cidade, em certo intervalo de tempo e em indivíduos com 20 anos ou mais, excluindo as mortes não-naturais ou violentas, como acidentes de trânsito, suicídios e homicídios.

As cidades investigadas foram selecionadas especialmente porque concentravam nesse período, em torno de 35% de todas as mortes por covid-19 notificadas no Brasil, e aproximadamente 67% de todas as mortes por covid-19 notificadas pelas  27 capitais, até o fim da semana epidemiológica 24 (7 a 13 de junho).

Fonte: Fiocruz Amazônia

“Se temos 22 mil mortes excedentes em quatro capitais, dessas 22 mil, boa parte deixou de ser classificada como covid-19, é muito provável que o número real, sendo bastante conservador, que hoje é de aproximadamente 75 mil seja de uns 100 ou 110 mil”, avalia o pesquisador da Fiocruz Amazônia Jesem Orellana.

“Este é o primeiro grande estudo brasileiro que mostra o provável tamanho do iceberg que representa os irreversíveis danos da epidemia no Brasil, especialmente as dezenas de milhares de vidas que foram perdidas, sem necessidade”, completa.

“Na verdade, se a gente for pensar em Brasil, com 5000 e poucos municípios, esse número de mortes excedentes pode facilmente passar dos 100 mil e, nesses 100 mil, provavelmente, vamos ter muitos casos de Covid-19 que foram mal classificados. Essa estatística que estamos vendo hoje, de aproximadamente 74 mil mortes,  está aquém da realidade, o número de mortes do Brasil, pode ser muito maior”, comenta.

O pesquisador diz que, em Manaus, o número de mortes excedentes pode ter sido 108% maior do que a quantidade atribuída direta e oficialmente à covid-19. “Em outras palavras, a chance de ampla subnotificação de mortes por covid-19 parece ser bastante real, principalmente se lembrarmos que Manaus, entre as capitais com mais de 1,5 milhões de habitantes, é a única sem Serviço de Verificação de Óbito e, historicamente, com precária estrutura de vigilância epidemiológica. Não por acaso, a proporção de mortes no domicílio ou via pública em Manaus foi aproximadamente 100% maior em 2020, quando comparado a 2019. Um quantitativo aproximadamente três vezes maior do que o observado em São Paulo, no mesmo período. Em cidades como Rio de Janeiro e Fortaleza essa proporção também foi bastante elevada, sugerindo não só ampla subnotificação, como graves falhas no enfrentamento da epidemia”, revela Jesem Orellana.

Lamentável

A pesquisa deixa claro que muitas mortes seriam evitáveis. O Brasil não fez um trabalho adequado no tratamento da pandemia. Não rastreou o contágio, não executou medidas intensas e efetivas de isolamento social se, sequer testa adequadamente os cidadãos. Ao contrário, o presidente Jair Bolsonaro subestimou e subestima a doença.

Por outro lado, os governadores e prefeitos que, em um primeiro momento, executaram medidas leves de isolamento social, agora passam a relaxar de forma precoce. Muitas autoridades alegam estabilidade nas mortes para explicar o relaxamento. Entretanto, a realidade aponta para uma estabilidade relativa com um número elevado de subnotificação e de mortes diárias. E o total de casos não para de crescer.

Tudo isso tende a piorar com a interiorização do vírus, processo epidemiológico em andamento. Se as notificações já são deficientes nas grandes cidades, em regiões mais afastadas a situação é mais dramática. Faltam leitos, médicos e, especialmente, laboratórios de medicina diagnóstica.

Ele alerta ainda que a análise das quatro capitais representa menos de 15% da população brasileira, e que se o estudo considerasse outras metrópoles e municípios, o excedente de mortes seria muito maior.

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