Desmonte do Serviço de Inspeção Federal ameaça a saúde da população

Decreto presidencial retira da linha de frente da fiscalização auditores e agentes fiscais concursados para entregar o serviço para organizações privadas que podem ser indicadas pelos próprios frigoríficos

Linha de produção de frigorífico brasileiro (Foto: Reprodução)

O centenário serviço de inspeção federal, o SIF, responsável pela qualidade na produção de alimentos de origem animal no país, está sendo reconfigurado pelo governo Bolsonaro. O decreto presidencial número 10.419/2020, publicado na edição de 08 de julho do Diário Oficial da União, retira da linha de frente da fiscalização auditores e agentes fiscais concursados para entregar o serviço para organizações privadas que podem ser indicadas pelos próprios frigoríficos.

A medida está sendo vista com uma grave ameaça à saúde pública da população e ainda um golpe na credibilidade do SIF no mercado nacional e internacional. “Há um risco enorme de ocorrerem infrações que prejudiquem a saúde da população. Nós, que somos concursados, estamos protegidos contra a pressão externa. Trata-se de investida que prejudica uma atividade de segurança alimentar que coloca em risco nossa credibilidade no Brasil e no exterior”, disse ao Vermelho um auditor fiscal agropecuário do Ministério da Agricultura e Abastecimento.

Segundo a fonte, que não quis se identificar temendo perseguição, ao invés de entregar o serviço para organizações que podem ser indicadas pelos próprios frigoríficos, o governo deveria investir em concurso público para recompor o quadro de fiscalização do órgão. Atualmente são 862 auditores e mais 312 agentes. A proposta é que o governo realize concurso todos os anos para colocar na ativa cerca de 600 fiscais.

“Essa atividade é de alta complexidade e essencialidade típica de uma carreira de estado. O Brasil alimenta o mundo e precisa ter responsabilidade com um serviço que tem tradição de mais de 100 anos”, criticou.

Poder de polícia

Em nota, auditores explicaram que o SIF é uma instituição que possui poder de polícia do estado com reconhecida notoriedade nacional e internacional. O decreto inclui atores estranhos ao processo de inspeção, como os serviços sociais autônomos.

Eles reclamam das bases frágeis do decreto que, além de não partir de uma de consulta a especialistas do órgão e ainda um debate com a sociedade, não encontra respaldo em estudo científico formal sobre os riscos e potenciais impactos à saúde pública.

Na avaliação deles, o modelo apresentado “invoca forte contestação de legalidade”. O decreto extrapola competência (Lei 1.283/1950) e seu teor já havia recebido dois pareceres contrários, entre os quais da consultoria jurídica do próprio ministério.

“Não é aceitável buscar subterfúgios para evitar suprir sua mão-de-obra necessária às suas atividades sendo que já dispõe de auditor fiscal federal agropecuário, legalmente constituída e, ainda, cadastro de reserva em concurso vigente”, diz o documento.

Eles consideram o decreto uma afronta a toda sociedade e a carreira de auditor fiscal, que independente dos governos, sempre defendeu o bem-estar das pessoas. Os auditores dizem ainda que durante a pandemia se mantiveram em atividade para garantir o abastamento seguro de alimentos com jornada de trabalho ampliada e aumento da pressão sobre o trabalho.

Confira a nota:

Carta aberta à sociedade

Decreto passa a “Boiada” no MAPA e precariza o SIF-BRASIL

Com a publicação do Decreto nº 10.419/2020, o Governo Federal alterou o funcionamento do serviço inspeção federal (SIF) – o sistema de controle brasileiro responsável pela avaliação da qualidade na produção de alimentos de origem animal. O SIF-Brasil é uma instituição consolidada há mais de cem anos, e desempenha o poder de polícia do Estado com reconhecida notoriedade nacional e internacional.

O Decreto inclui atores estranhos ao processo de inspeção, como os serviços sociais autônomos, sustentado apenas no atendimento ao crescimento da atividade agroindustrial. Base frágil quando, além de não promover o necessário debate interno com os especialistas do órgão ou com a sociedade, não encontra estudo científico formal sobre os riscos e potenciais impactos à saúde pública.

 O modelo apresentado, ao contrário, invoca forte contestação de legalidade. Primeiro porque extrapola sua competência, alterando a Lei nº 1.283/1950. Ademais foi alvo, em 2015, de pareceres contrários por parte da coordenação do Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (SISBI-POA) e de nota técnica da Consultoria Jurídica do próprio Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Conjur/ MAPA).

Um outro Decreto da mesma temática, o 5.746/2006, que organiza o Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (SUASA), estabelece que a inspeção de produtos de origem animal é uma atividade de execução permanente. Nesse sentido, o Ministério da Agricultura e demais instâncias do SUASA asseguram que as atividades de inspeção e fiscalização são executadas por técnicos e auxiliares contratados pela via constitucional de ingresso no serviço público – o concurso público. Além disso, para resguardar o interesse público e assegurar direito da coletividade, prevê que essas inspeções e fiscalizações ocorram sem quaisquer conflitos de interesse.

O Estado Brasileiro deve seus esforços à toda a sociedade. A pasta da Agricultura, por meio de seus Departamentos técnicos de Auditoria e Fiscalização, tem a obrigação de buscar as soluções amplas, suficientes e assertivas para enfrentamento aos problemas do setor agropecuário, garantindo cobertura coerente aos interesses da coletividade. Não é aceitável criar subterfúgios para evitar suprir a mão-de-obra necessária às suas atividades sendo que já dispõe de carreira de Auditor Fiscal Federal Agropecuário, legalmente constituída e, ainda, cadastro de reserva em concurso vigente.

Por fim, consideramos que o Decreto, da forma como foi publicado, traduz uma afronta a toda sociedade brasileira e à carreira de Auditoria e Fiscalização Federal Agropecuária – que independente dos governos, sempre defendeu o bem-estar das pessoas e, durante a pandemia, não apenas se manteve em plena atividade garantindo o abastecimento seguro dos alimentos, como teve suas jornadas de trabalho ampliadas, com significativo aumento da pressão do trabalho.

Como proposta, sugerimos a revogação imediata do Decreto nº 10.419/2020! Como um pedido de desculpas à sociedade brasileira e um chamamento para a devida discussão técnica que tome em consideração os apontamentos dos órgãos de controle, entidades de classe, setor agropecuário, entidades de defesa do consumidor e até mesmo fóruns internacionais que visualizam sobre equivalências de serviços de inspeção, para que não ocorram também prejuízos econômicos ao país.

AUDITOR FISCAL FEDERAL AGROPECUÁRIO, EM DEFESA DA SOCIEDADE E DO SERVIÇO DE INSPEÇÃO PÚBLICO DO BRASIL

Brasil, 13 de junho de 2020

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