Europa reestatiza o saneamento enquanto Brasil insiste na privatização

Nas duas últimas décadas, mais de 200 cidades europeias, como Berlim e Paris, reestatizaram suas empresas de saneamento

Saneamento básico no Brasil pode ser objeto de lucratividade para empresas privadas a partir de agora.

Diante das circunstâncias atuais, é inevitável que as incertezas se multipliquem. Um sentimento de frustração emerge da dificuldade de enfrentar o inimigo invisível. O confinamento social aumenta a angústia e a ansiedade. Superada a pandemia, o mundo não será o mesmo.

O incensado modelo econômico predominante no mundo globalizado, mais uma vez, mostrou ser incapaz de dar conta de crises sistêmicas de naturezas diversas. Sem a interveniência do Estado, os problemas da saúde pública e da subsistência de parte da população brasileira teriam alcançado níveis ainda mais alarmantes.

O crescimento pífio da nossa economia já vinha causando grandes estragos. Para enfrentar o desemprego crescente nas camadas populares, o governo sancionou o projeto de lei que estabelece o “Marco Legal do Saneamento Básico” e com ele se propõe a atrair investimentos para atenuar a crise econômica.

Trata-se de uma iniciativa para incentivar as empresas privadas a investirem na implantação e gestão dos serviços de abastecimento de água e coleta de esgoto em áreas urbanas insalubres. O meio empresarial viu nesse marco a oportunidade para voltar a atuar em obras públicas.

No entanto, não está claro se a intenção do governo é acabar com a insalubridade nessas localidades ou utilizar o programa para privatizar as empresas estatais que atuam nessa área. Se a última hipótese for verdadeira, o Brasil estará mais uma vez andando na contramão das tendências mundiais.

Nas duas últimas décadas, mais de 200 cidades europeias reestatizaram suas empresas de saneamento para aplacar as críticas ao aumento abusivo dos preços praticados, à má qualidade dos serviços prestados e ao baixo investimento em áreas populares. Berlim e Paris são dois exemplos de cidades que adotaram essa opção.

Por outro lado, não há como não se preocupar com a má destinação dos recursos que serão licitados. Estima-se que algo em torno de R$ 700 bilhões deverão ser aplicados até 2033. Se em meio à pandemia a roubalheira aconteceu em larga escala, imagine quando esses vultosos recursos circularem entre políticos e empreiteiros corruptos.

Haja vista as construções hospitalares emergenciais com orçamentos inflados e os equipamentos médicos recentemente adquiridos com preços absurdos. Sem falar no material hospitalar desviado antes de chegar ao destino. Esse circo de horrores incluiu gastos desnecessários com a produção da cloroquina apenas para deleite do nosso presidente.

São esses desvios de caráter que podem comprometer o projeto de saneamento das áreas insalubres em nossas cidades. Surpreende-me o fato de a drenagem das águas pluviais e a pavimentação das ruas e caminhos para pedestres não terem sido consideradas. Em suma, coloca-se a tubulação e deixa-se a urbanização de lado.

A desigualdade social é causa, e não efeito, desses ambientes insalubres. As comunidades precisam receber maior atenção do poder público, principalmente em programas de interesse social nas áreas de educação e saúde. Os modelos de urbanização de favelas também precisam ser aprimorados.

A integração das comunidades ao seu entorno e ao conjunto da cidade é indispensável. Portanto, as intervenções não podem se limitar ao saneamento básico. As preexistências espaciais, a cultura dos moradores e os seus hábitos de vida não podem ser desprezados. Projetos desconectados da realidade dificilmente alcançarão bons resultados.

Estou seguro de que as cidades do amanhã não seguirão modelos ortodoxos de qualquer espécie. Elas irão reproduzir as características das sociedades estratificadas em seu território ao longo da história e as conquistas tecnológicas do mundo contemporâneo.

As incertezas futuras não podem servir de obstáculo para os avanços da sociedade em direção a um mundo mais humano e ambientalmente sustentável.

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