De Olho no Mundo, por Ana Prestes

A cientista política Ana Prestes analisa os principais fatos da conjuntura internacional com destaque para a reunião da Cúpula da União Europeia cujo ponto de maior tensão é o pacote de ajuda econômica pós-pandemia. Entre outros analisados estão a difícil relação entre os governos do Brasil e Argentina, as novas restrições do governo Trump aos chineses e o avanços das pesquisas em relação à vacina contra a Covid-19.

Foto: John Thys/Pool via Reuters

Como já era esperado, a reunião de Cúpula da União Europeia segue tensa e sem aparente resultado consensual. Holanda, Áustria, Dinamarca, Finlândia e Suécia se mantiveram no encontro como ao longo dos últimos meses, bloqueando o acordo de pacote econômico de 750 bilhões de euros para reconstrução pós-pandemia. Alemanha e França tentam destravar. Essa já é a mais longa reunião de cúpula do bloco em 20 anos. No ano 2000 houve uma reunião que durou quatro dias e uma noite. Os líderes dos 27 países estão reunidos desde sexta (17). O principal opositor ao acordo é o primeiro ministro holandês Mark Rutte. Ele foi a estrela de todos os principais jornais no final de semana. Uma das suas frases polêmicas mais difundidas foi: “não estamos aqui porque participaremos das festas de aniversário uns dos outros no futuro, estamos aqui porque fazemos negócios para nossos próprios países”. Ele tem sido caricaturado como uma figura sovina por ser contra especificamente a destinação de uma parte dos recursos como subvenção e não empréstimo aos países mais atingidos pelo vírus como Itália e Espanha. A chanceler alemã, Angela Merkel chegou a admitir ontem a não chegada a um acordo. Segundo ela, “há disposição, mas também muita opinião diferente”.

A vacina contra o coronavírus da Universidade de Oxford e da farmacêutica Astrazeneca poderá ter seus testes em humanos finalizados em setembro. O anúncio que está na imprensa é da cientista Sarah Gilbert que participa do projeto. Há expectativa de que os resultados da primeira fase de testes sejam divulgados esta semana na revista científica The Lancet. (Meio)

Em uma coletiva com jornalistas estrangeiros ao final da semana passada, o chanceler argentino Felipe Solá disse que “a relação com o Brasil não está fácil” quando perguntado se haverá reunião entre os dois presidentes, Fernández e Bolsonaro. Desde que Fernández tomou posse, só esteve uma vez no mesmo ambiente que Bolsonaro, e ainda assim virtual, durante a cúpula do Mercosul no começo do mês. O chanceler disse que um dos impeditivos é a visão distinta quanto à condução da crise gerada pela pandemia. Nas palavras dele, “enquanto a Argentina privilegia a saúde, o Brasil se preocupa com a economia”. Diferenças no tratamento dos dois presidentes com relação à Bolívia e à Venezuela também foram citadas. O governo argentino não reconhece a presidente de fato da Bolívia, Jeanine Añez, por seu governo ter uma “gênese golpista” e fruto de um movimento violento que causou mortes de camponeses. O então presidente boliviano, Evo Morales, vive hoje na Argentina com status de refugiado.

Nos EUA está sendo elaborada uma ordem executiva que poderá proibir a emissão de vistos para entrada no país de membros do Partido Comunista Chinês e suas respectivas famílias. Também poderiam ser revogados os vistos de pessoas que já estão nos EUA. Ainda não se sabe se Trump vai aprovar a resolução, mas sabe-se que uma das suas atuais estratégias de campanha para reeleição é se mostrar “duro com a China”. Note-se que o Partido Comunista Chinês possui muitos milhões de membros. Segundo a reportagem, só em 2018, cerca de 3 milhões de chineses visitaram os EUA. A restrição aos vistos pode se dar com base na Lei de Imigração e Nacionalidade que permite ao presidente o poder de bloquear estrangeiros “prejudiciais aos interesses dos EUA”. Restrição à entrada de chineses já vem sendo usada para autoridades públicas de Xinjiang, por exemplo, por acusações de maus tratos ao povo da etnia uigure ou ainda de estudantes chineses que tenham vínculo com instituições militares. Há também os funcionários da Huawei que estão sendo barrados. Todas essas restrições estão além das existentes por conta da pandemia. (NYT/Estadão)

O chanceler venezuelano, Jorge Arreaza, rechaçou no final de semana a cena que circulou amplamente do chefe do Comando Sul dos EUA, em sua sede na Flórida, apresentando a Trump dois militares, um colombiano e um brasileiro, que estão sob seu comando e dizendo: “seus governos pagam para que eles trabalhem para mim”. (Twitter)

O Equador tem agora uma quarta pessoa no papel da vice-presidencia do país, desde que assumiu Lenin Moreno há três anos. Trata-se da advogada Maria Alejandra Muñoz, que ocupará a vaga deixada por Otto Sonnenholzner, que renunciou há poucas semanas e sinalizou que poderá concorrer às eleições. O Equador foi um dos países que mais sofreu o impacto humano da pandemia do novo coronavírus e se encontra em crise econômica e política.

Já falei aqui nestas notas sobre a GAVI – Aliança Global para Vacinas e Imunização – com sede em Genebra e criada no ano 2000 pelo instituto Bill & Melinda Gates. Na atual pandemia, eles lançaram um projeto ousado de construção de fábricas de vacinas na Europa, África e Américas. Querem produzir 2 bilhões de vacinas/ano segundo seus anúncios. O nome que deram a esse projeto de combate à Covid-19 é COVAX e agora está estabelecido um fundo, o Gavi´s Covax Advance Market Commitment (AMC) para que países desenvolvidos possam aportar recursos para que as vacinas produzidas estejam ao alcance da população dos países em desenvolvimento, assim como projetos de pesquisa e testes de vacinas. O projeto já envolve 165 países e conta com a coliderança da OMS. Obviamente um projeto de tal magnitude causa desconfiança quanto à pureza de suas intenções. Para além de querer fazer justiça global em matéria de saúde, há também um mapa da mina com dados específicos de todos os países envolvidos e suas populações, além dos enormes recursos a serem administrados. O Brasil está no COVAX. (Infos do site da ONU)

O conflito na Líbia, herdeiro da derrubada de Muamar Kadafi (2011) que dura desde 2014, segue em alta tensão. A disputa pelo controle do país está polarizada entre o Exército Nacional Líbio (ENL), liderado por Khalifa Haftar, antigo general líbio do tempo de Kadafi, que desde abril de 2019 tenta tomar a capital Trípoli e o Governo do Acordo Nacional, reconhecido pela ONU e que conta com a UNSMIL (missão da ONU), sob o comando do primeiro-ministro Fayez al-Sarraj. Haftar tem contado com a ajuda da Rússia, Egito e Emirados Árabes, enquanto Fayez tem contado com a Turquia. Na semana passada, o parlamento do Leste da Líbia, aliado de Haftar, pediu ao Egito que ajude a conter o apoio da Turquia ao governo de Fayez. Por sua vez, o presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi disse que não ficará parado se alguma ameaça mais concreta seja feita à segurança de seu país ou da Líbia. Qualquer ação de Sisi precisa da aprovação do parlamento egípcio.

Na última sexta, 17 de julho, Bachar al Asad completou 20 anos de poder na Síria. Seu pai, Hafez al Asad, ficou trinta anos no poder. Depois que seu pai morreu, Bachar foi promovido a comandante em chefe das Forças Armadas e líder do partido Baath, para em seguida ser eleito presidente por um referendum popular. Passados vinte anos e uma guerra de grandes proporções, hoje Asad controla perto de 80% de um país que passa por uma reconstrução nacional em todos os sentidos, humana, infraestrutural e econômica. Sem contar com o apoio da Europa, mas com apoio decisivo da Rússia.

Após retirar a Huawei de seu mercado 5G, o Reino Unido tomou mais uma medida anti-China. O governo propôs ao parlamento britânico a suspensão do acordo de extradição com Hong Kong, como forma de retaliação à nova Lei de Segurança Nacional para a ilha aprovada pelo parlamento chinês. Se aprovada a medida, os britânicos se negarão a enviar para Hong Kong qualquer pessoa considerada fugitiva ou procurada pelo governo chinês. O acordo de extradição foi assinado em 1997 com Pequim e envolve também Austrália e Canadá (que já suspenderam o pacto).

Uma última nota curiosa. Cientistas alemães resolveram fazer um “teste”. Vão recrutar 4 mil voluntários saudáveis, testados negativo para o coronavírus, entre 18 a 50 anos, para assistirem um show do cantor pop Tim Bendzko. O objetivo é verificar o quanto uma aglomeração pode atuar no nível de contágio pelo vírus. Os voluntários receberão máscaras, rastreadores de movimento e desinfetante fluorescente (para que os cientistas vejam as superfícies mais tocadas). Segundo um dos cientistas, o desafio pós-show será “medir os contatos de todos os participantes em um raio de 30 metros a cada cinco segundos durante um dia inteiro”. (DW)

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