Candidaturas coletivas: novidade para reforçar os partidos

Justamente nesse momento em que os partidos estão mais desvalorizados, emerge da juventude um processo de renovação política que visa justamente a renovação partidária. São as chamadas candidaturas coletivas.

Jovens mulheres apresentaram uma candidatura coletiva em São Paulo l Foto: Karla Boughoff

Vivemos hoje o momento em que a política, em geral, e os partidos políticos, em particular, estão mais desacreditados em toda a história da Nova República. Esse processo culminou em 2018 com um presidente eleito por um típico movimento antisistêmico, contra os partidos e contra as instituições. Na essência pode não ser bem isso, sabemos bem, mas o fato é que Jair Bolsonaro foi eleito pelo que representou na aparência. Afinal de contas, as ideias e os símbolos também importam.

Mas a dinâmica da política é curiosa. Justamente nesse momento em que os partidos estão mais desvalorizados, emerge da juventude um processo de renovação política que visa justamente a renovação partidária. São as chamadas candidaturas coletivas. Essas candidaturas se caracterizam por serem formadas por um grupo de co-candidatos que organizam coletivamente as propostas de campanha e, se forem eleitos, do mandato.

Quando as candidaturas coletivas surgiram, em 2016, a ideia não era exatamente essa. Na onda da antipolítica e do pós-modernismo, aquelas candidaturas coletivas foram organizadas como um contraponto aos próprios partidos. Os co-candidatos agiriam de forma autônoma aos partidos, ainda que precisassem necessariamente de uma legenda para disputar uma vaga no Legislativo. Agora, em 2020, essas candidaturas coletivas foram ressignificadas.  O que assistimos nas recentes experiências do PCdoB, do PSOL ou do PSB é que essas candidaturas não emergem contra os partidos; ao contrário, muitas vezes são os próprios partidos que as estimulam como forma de criar maiores laços com a sociedade civil.

Sob esse registro, discordo respeitosamente do professor Edilson Graciolli que acaba de publicar um rico texto sobre o tema no Portal Vermelho (“Mandatos coletivos”: novidade ou pleonasmo?). Mas a discordância não me impede de reconhecer e elogiar a forma qualificada com que Graciolli argumenta. Inclusive por trazer para o debate Umberto Cerroni, um marxista italiano que foi referência na teoria dos partidos políticos na década de 1970, mas que hoje anda sumido das grades curriculares. Com razão e, se me permite, com meu apoio, Graciolli faz uma defesa do voto proporcional e uma crítica ao sistema de voto distrital puro. Mais do que isso, faz uma defesa da instituição partido no contexto da democracia representativa que merece nosso aplauso.

Há, contudo, dois pontos em seu texto que exigem considerações. Em primeiro lugar, uma discordância menor e pontual, já que esse não é o tema do artigo. Graciolli elogia como possibilidade de reforma política a implementação do chamado “voto distrital misto” no Brasil, tendo como modelo o sistema alemão. Essa proposta, como bem apontam seus críticos, enfraquece ainda mais os partidos, além de estimular a personalização, característica própria dos sistemas majoritários. Uma reforma política que tenha como objetivo o fortalecimento partidário deveria ter como foco a implementação do voto proporcional de lista fechada ou de lista flexível, como advoga a maior parte da ciência política brasileira.

No entanto, gostaria de centrar a atenção numa segunda discordância. Graciolli lembra que nosso sistema eleitoral é o de voto proporcional. Isso significa que todo mandato é supostamente coletivo, na medida em que para ser eleito o representante necessita dos votos de toda a sua chapa e não apenas de seus próprios votos. Até ai concordamos. O problema é que Graciolli não dá um passo além na qualificação de nosso sistema eleitoral. No Brasil temos um sistema que é utilizado em pouquíssimos países do mundo, qual seja, o voto proporcional de lista aberta. O que a literatura especializada já nos ensinou – aí estão os textos de Jairo Nicolau, por exemplo – é que esse modelo de votação estimula a concorrência dentro dos partidos políticos. Como a lista aberta incentiva campanhas centradas no candidato, há uma competição intrapartidária entre os candidatos da mesma legenda, quando o ideal seria que a disputa fosse contra nomes de outros partidos. A consequência desse processo é a personalização da política e o enfraquecimento dos partidos que se distanciam do eleitorado, não obstante a alta disciplina partidária no Congresso Nacional.

É nesse contexto do voto proporcional de lista aberta que as candidaturas coletivas podem surgir como um remédio. Por um lado, as candidaturas coletivas não estimulam disputas intrapartidárias. Ao contrário, são todos aqueles co-candidatos, em geral filiados ao mesmo partido, lutando de forma conjunta para o sucesso da campanha. Por outro lado, essas candidaturas coletivas multiplicam o número de candidatos – ou co-candidatos, se preferirem – que estão nas ruas e nas redes apresentando o programa do partido e pedindo votos. Na prática, são mais vozes construindo o enraizamento partidário na sociedade civil. Ademais, os próprios co-candidatos, que de outra forma talvez não tivessem interesse em participar ativamente da política, agora encontram mais motivos para conhecerem a vida orgânica dos partidos e, quem sabe, transitarem do ativismo social para a militância partidária. Afinal, a luta política é pedagógica.

Ao contrário do que propõe Graciolli, o mandato coletivo não é um pleonasmo. Há mandatos e mandatos. Uns mais próximos da sociedade civil, outros mais distantes. O que as candidaturas coletivas fazem é aproximar essas duas pontas. Só por isso, essa inovação institucional já deveria merecer nossos aplausos. A democracia agradece.

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