Lilia Schwarcz, o retrato do racismo acadêmico

O branco não está no centro do mundo e não mais deterá o poder de contar e recontar nossas histórias e estórias.

Como uma jovem doutora em história do Brasil, não conceituada como Lilia Schwarcz (quem sabe daqui uns anos, porque ela tem muito mais estrada), devo dizer que considero lamentável que, sendo uma intelectual com grande contribuição e repercussão, ela tenha se dado ao trabalho de publicar um texto tão razo e soberbo, que ao fim só serve para trazer a tona as  facetas muito fortes e arraigadas do racismo brasileiro.

Lilia leciona numa pós-graduação em “estudos brasileiros”, na USP, onde fala pra outros brancos classe média e alta, como ela, da nossa arte, história e cultura. Lilia publicou muitos livros, que versam sobre diferentes períodos e temas da nossa história, inclusive sobre a escravização de nossos antepassados.

Lilia, do alto da torre acadêmica e de seus títulos, nos evidencia de forma até ousada o que temos sempre falado: que o racismo brasileiro é estrutural e que está em cada aspecto da nossa sociedade, inclusive na academia, inclusive entre os intelectuais aliados, progressistas, democráticos.

Me pergunto se já vi Lilia abrir a boca para criticar outra/o artista? Ela que é feminista, que prega a irmandade entre nós mulheres não foi capaz de reconhecer o papel de protagonismo feminino na figura da personagem Nala/Beyonce. Ela que é uma historiadora, não foi capaz de reconhecer a precisão histórica e antropológica do resgate desse poder fincado na força matriarcal e feminina.

Ela que é uma pesquisadora da cultura, que embora tenha estudado o passado de escravização do povo negro no Brasil, não se preocupou com a cultura dessa gente, que tem cultura ancestral, ela ignorou em sua análise (por desconhecimento ou desde?) que Beyoncé passa boa parte da película acompanhada por um ser de pele azul e búzios no cabelo, uma representação de Iroko, um dos Orixás mais antigos, que representa o tempo e rege a Ancestralidade. Iroko foi a primeira árvore plantada na terra, por onde baixaram todos os Orixás, ele que leva o titulo de líder de todos os espíritos das árvores sagradas.

É dali, do auto de sua arrogância branca e acadêmica, que Lilia sentencia que a diva pop Beyoncé não sabe retratar a África e seu passado. Ela considera que forma e conteúdo são inadequados. Lilia sentencia “duvido que jovens se reconheçam no lado didático dessa história de retorno a um mundo encantado e glamorizado, com muito figurino de oncinha e leopardo, brilho e cristal.”

Lilia tampouco se preocupa em compreender o significado da ancestralidade e da representação/exaltação dessa ancestralidade, dessa diversidade cultural, do respeito/reverência ao animal e a natureza nessas culturas. Também não reconhece a importância da positivação da beleza e da riqueza negra, cotidianamente aviltadas em nossa sociedade. Não reconhece que essa beleza e riqueza fincadas em nossa ancestralidade são reiteradas nesse movimento de empoderamento contemporâneo do qual Beyoncé faz legado, ela e as dezenas de artistas africanos e afrodescendentes que estamparam a película.

Ao fim parece que Lilia não compreende e nem se preocupa compreender o fato de que Beyoncé não falou pra ela (afinal, tudo não é falado e feito com/para o branco?!). Cara Lilia, entenda: Beyoncé mira nas negras/os que sentem na pele e no orí o peso de um racismo historicamente construído, que gerou desigualdade históricas e que precisamos superar enquanto humanidade, enquanto nação. Entenda: o branco não está no centro do mundo e não mais deterá o poder de contar e recontar nossas histórias e estórias! O preto não é mais figurante de seu destino, é senhor das arvores de nosso tempo!

Irôko Issó! Eró! Irôko Kissilé!

Salve Grande Iroko! O Senhor de todas as Árvores!

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho

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4 comentários para "Lilia Schwarcz, o retrato do racismo acadêmico"

  1. Josiane Figueira de Oliveira disse:

    Muito obrigada Tamara Naiz pelo artigo e por enegrecer o texto à citada historiadora. Não vi a película por completo, ainda, mas em um trecho observei que uma personagem está vestida de azul no deserto: Os Tuareg. Quem os apresentou a mim foi a escritora Cidinha da Silva em seu maravilhoso livro “O Homem Azul do Deserto.” Talvez a historiadora deva se permitir ler/conhecer outras obras, além das suas próprias. Abra¢os!

  2. To the Left, To the Left disse:

    Li a Coluna da Lilia Schwarcz na Folha, e, afora o título do texto escolhido pelo Jornal (talvez visando acrescentar polêmica, talvez visando categorizá-lo no conjunto de textos críticos à Cultura do Cancelamento empreendida pelo portal), considerei-o de uma sobriedade maravilhosa e de argumento forte.
    Bem diferente deste texto aqui, um “copia e cola” dos aforismos da “Esgotosfera” produzida pelo algoritmo do Twitter.
    Este aqui é um texto para ganhar seguidores, seguindo a máxima de transformar insultos em argumentos, substituir o engajamento crítico pelo passional, auto-promoção na forma de destruição de biografias. Um texto para gerar audiência rápida.
    Já o texto da Lilia não se rende à estratégia da “Toca do Coelho” das Redes Sociais, você não precisa estar apaixonado para discernir seus argumentos, não precisou insultar ninguém para angariar engajamento (a crítica à Funcionária de Hollywood é uma crítica mesmo, coisa rara hoje em dia) e isso ocorre porque, como também colocou a autora deste artigo de opinião (no formato textão de Facebook), e talvez o único ponto acertado deste texto, a antropóloga tem bagagem.
    O Vermelho abrir espaço para promoção da Apropriação Cultural pela Indústria do Entretenimento na forma de ataque à uma pesquisadora dedicada e comprometida com a formação social do Brasil como se isto fosse luta antiracista mostra que o Portal está mais sendo pautando pela Folha e pela reação das Redes Sociais do que contribuindo para o enfrentamento ao Racismo Estrutural.
    A Beyoncé já está bem empoderada. E “Beyoncé” é uma indústria. Acreditar que a performer tenha algum grau de decisão sobre sua carreira é desconsiderar ou desconhecer como funcionam os grandes conglomerados culturais (Sony, Universal, Warner, Disney, etc). Beyoncé já está bem empoderada quer dizer que a Sony/Universal/Warner estão ganhando muito dinheiro. O texto da Lilia parece indicar que ela sabe esta diferença (sua crítica central é à Disney), já este texto aqui parece confundir Beyoncé com Lélia Gonzales, Nala com Dandara e a Disney com um Quilombo.
    Oportunista também, porque afirma que uma feminista não pode criticar uma mulher e porque ignora que o exíguo espaço de Lilia na Folha não seria suficiente para uma síntese de toda a pesquisa histórica da antropóloga. Como se o que estivesse ausente na coluna automaticamente estivesse ausente na obra de Schwarcz. Desonestidade mesmo.
    A Esquerda realmente quer focar sua militância antiracista como uma forma de Relações Públicas ou Fá-Clube adolescente da Beyoncé? Sério? Os produtores da Disney acharam uma ótima forma de lucrar com Orixás. Não precisam mais cometer o mesmo erro “Gwen Stefani” com seus Harajuku Lovers, basta selecionar uma artista negra e voilá! Money on the stream! E, ainda de quebra, ensina o que é feminismo: não é a luta das mulheres pelo controle de todas as indústrias, é a promoção de mulheres controladas pelas indústrias. Its a Diva: Bitch!

    • Inácio Carvalho disse:

      O Portal Vermelho tem como uma de seus objetivos fomentar e acolher o debate sobre temas que estão em discussão na sociedade. Não nos pautamos pela audiência fácil, como há veículos que o fazem descaradamente. O portal recebeu e publicou o texto sem que isso isso signifique que concorda com o que defende a autora, como está claro na publicação. Receberemos e publicaremos de bom grado artigos que debate com as ideias expostas pela autora.
      Com atenção,
      Inácio Carvalho
      Editor

  3. Sônia Oliveira disse:

    Já pensaram se fôssemos desqualificar e jogar no lixo a produção teórica de Marx e Engels porque eram homens, brancos, classe média (Marx) ou alta (Engels), como se não tivessem autoridade ou legitimidade para “falar” do capitalismo tomando a luta dos trabalhadores como objeto, e mais do que isso, como método, de estudo? Essa conversa de “lugar de fala” é muito chinfrim (não encontro outra palavra, desculpem). Vamos parar de ler contos de fada e ver desenhos da Disney e começar a estudar seriamente a luta de classes minha gente!

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