Como Felipe Neto virou o “alvo principal” do ódio bolsonarista

Desde 2019, influenciador passou a se aventurar em assuntos políticos. “Errei muito no passado e aprendi com esses erros”, duz ele.

Em seu perfil no Twitter, o influenciador, empresário e roteirista Felipe Neto se diz “lacrador”, “insuportável” e “alguém que só fala o óbvio”. E arremata: “Siga em frente e enfrente”. Enfrentar parece ser o que ele decidiu fazer nos últimos tempos. Com 32 anos de idade e 63 milhões de seguidores somados no YouTube, Twitter e Instagram, Felipe passou a denunciar abertamente o esquema bolsonarista por trás das fake news e do discurso de ódio dos quais tem sido alvo desde 2018 – e que explodiram nas últimas semanas.  

Em entrevista por e-mail à BBC News Brasil, Felipe diz que a articulação dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro no WhatsApp e no Telegram está “mais forte e muito mais capilarizada” do que nas eleições 2018. “Eles tiveram tempo para otimizar e aperfeiçoar a prática, principalmente na organização de lideranças de novos grupos. A cada dia que passa, eles evoluem o esquema”.

Segundo influenciador, os bots prevaleciam na disputa presidencial e eram indispensáveis para viralizar hashtags. “Hoje, basta um grupo do topo da pirâmide mandar subir uma hashtag e, menos de 5 minutos depois, ela terá milhares de tweets, todos feitos por pessoas reais.”

Nas eleições 2018, um dos grandes espaços de articulação de apoiadores de Jair Bolsonaro foi o WhatsApp, onde o então candidato formou uma base. Havia centenas de grupos bolsonaristas no aplicativo de mensagens, enquanto o número de grupos da oposição era muito menor. E o espaço foi repleto de notícias falsas.

Conforme levantamento da agência de checagens Lupa, só quatro das 50 imagens mais compartilhadas em 347 grupos públicos de discussão política no WhatsApp monitorados pelo projeto Eleições Sem Fake, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), eram verdadeiras. Já havia campanhas pedindo para integrantes de grupos agirem maliciosamente em outras redes, funcionando como um exército contra personalidades ligadas ao campo político opositor, como já aconteceu com Felipe.

Um exemplo: em 2018, circularam em grupos bolsonaristas links de vídeos no YouTube de cantores que aderiram à campanha “Ele Não”, contra Bolsonaro, como a cantora Daniela Mercury. Os links vinham acompanhados de mensagem explicando a “campanha de deslike”, pedindo para usuários clicarem no link e descurtirem o vídeo.

Mudanças

Há uma década, quando tinha apenas 22 anos, Felipe Neto lançou seu canal “Não Faz Sentido”. Os temas eram adolescentes, e Felipe fazia um personagem irritado que criticava comportamentos com um tom bem-humorado e uso de palavrões. O canal cresceu muito – foi o primeiro de língua portuguesa a chegar a 1 milhão de seguidores –, e Felipe fundou uma produtora de vídeos de humor e um outro canal com o irmão.

Em setembro de 2019, de forma surpreendente, passou a se aventurar em assuntos políticos. Em sua primeira atuação notável nessa seara, reagiu quando o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), enviou fiscais à Bienal do Livro para censurar o que ele chamou de “conteúdo sexual para menores”. Mandou recolher o gibi Vingadores – A Cruzada das Crianças, que exibia a imagem de dois rapazes se beijando.

Diante dessa situação, Felipe patrocinou a compra e distribuição de 14 mil livros com a temática LGBTQ durante a bienal, iniciativa que foi elogiada nas redes. Desde então, tem mostrado como é natural mudar de opinião a respeito de muitos temas, explicando a mudança de forma franca. No programa Roda Viva, disse que errou em relação ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que hoje chama de “golpe”.

“Quem acompanha minha história sabe muito bem que um defeito que não tenho é de teimosia e não pedir desculpas. Errei muito no passado e aprendi com esses erros”, afirmou. Segundo ele, seu pensamento sobre temas políticos no passado era “por falta de estudo, profundidade, elitismo”.

Diz que, nos últimos três anos, vem tentando “corrigir esse erro e afastar o máximo possível essa possibilidade de opressão que a gente vê hoje”. Vídeos antigos de seu canal com piadas de conotação sexual foram apagados ou etiquetados com mensagens de classificação indicativa de acordo com a idade do público – hoje em dia, muitos são usados para atacá-lo.

Recentemente, anunciou um investimento de cerca de R$ 100 mil para a contratação de artistas negros para produzir vídeos para seu canal no YouTube. E tornou-se uma das vozes mais potentes contra Bolsonaro, pedindo que outros produtores de conteúdo se posicionassem contra o presidente de extrema-direita. Nas últimas semanas, também passou a criticar emissoras que dão espaço a “lunáticos obscurantistas”, pessoas convidadas a programas de televisão para “contrapor” cientistas.

“A primeira coisa que um veículo sério precisa fazer é se recusar a validar negacionistas científicos e péssimos revisionistas históricos”, afirma ele, citando convidados que defendem o uso da cloroquina para o tratamento da Covid-19 (algo que não tem eficácia ou segurança comprovadas cientificamente). “É hora de dizer chega. Essas pessoas não podem receber validação jornalística – elas precisam ser desmascaradas e suas mentiras precisam ser expostas.”

Ataques

Há duas semanas, as agressões – que antes eram só virtuais – foram concretizadas em uma ameaça ao vivo e em cores: um homem identificado nas redes sociais como Cavalieri foi para a frente da casa de Felipe, no Rio, com um carro de som, ameaçando o influencer. Esse homem também foi visto em vídeos do ataque com fogos de artifício ao prédio do Supremo Tribunal Federal, em junho.

Tudo começou a piorar, diz Felipe, depois que ele foi anunciado como entrevistado do programa Roda Viva, da TV Cultura, em maio. Um mês depois, um vídeo publicado no jornal americano The New York Times, em que ele diz que Bolsonaro é o pior presidente do mundo na crise do coronavírus, fez com que os ataques explodissem. “Passei a ser o alvo principal a articulação do ódio por grupos de WhatsApp e Telegram.”

E agora, no fim de julho, com o anúncio de que ele participaria de um debate online com o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, as coisas tomaram proporções maiores. No dia 27 de julho, há duas semanas, ele tuitou: “São 12:39. Somente hoje, 416 vídeos já foram subidos para o Facebook e Instagram tentando me associar com pedofilia e conteúdo impróprio e foram derrubados por violação das diretrizes das plataformas. Quatrocentos e dezesseis vídeos. Ainda é meio dia.”

Felipe diz não “restar dúvidas” de que as notícias falsas – inclusive o associando à pedofilia – e o discurso de ódio contra ele sejam produzidos de forma articulada nos grupos de WhatsApp e Telegram. “Nosso setor de inteligência faz o mapeamento de quantas vezes meu nome é citado nos grupos bolsonaristas que são abertos ao público. Lá, podemos ver como tudo é coordenado e vem de cima.”

Segundo ele, a cada dia, “um novo vídeo diferente é produzido e lançado como ‘vamos viralizar esse’, em diferentes grupos, ao mesmo tempo. Prints fakes, postagens de teorias da conspiração no Facebook, tudo isso é enviado nos grupos, sempre seguindo um comando que vem de cima”.

No dia em que divulgou as difamações de que é alvo, recebeu uma enxurrada de apoio. Até o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), saiu em sua defesa. “A covardia é a virtude dos fracos. Esses ataques só reforçam o caráter daqueles que são incapazes de vencer um debate com argumentos e com respeito”, tuitou o parlamentar.

Maia também lhe fez um convite para debater sobre o projeto de lei das fake news, um texto que pretende solucionar o problema que vem deteriorando a saúde da democracia de diversos países, incluindo o Brasil. Felipe topou o convite, afirmando publicamente que o projeto aprovado pelo Senado no fim de junho “não está bom”.

Como está, o texto “é uma temeridade, um horror. Cria um verdadeiro regime de vigilantismo e perseguição que só vai atingir pessoas inocentes”, diz ele. É uma referência ao ponto do projeto que estabelece que as empresas donas de redes sociais teriam de armazenar registros de envios de mensagens em massa por até três meses, com o objetivo de criar uma espécie de “rastreabilidade” de mensagens suspeitas.

Especialistas em direito digital e grupos da sociedade civil têm criticado esse ponto, que abriria uma brecha para a violação de privacidade. Além disso, a origem de notícias falsas não seria encontrada dessa maneira, uma vez que a rede é pulverizada – e a estratégia acabaria pegando pessoas que estão apenas circulando o conteúdo, e não seus criadores originais.

“Achar que vai ser possível rastrear toda conta em rede social é uma ilusão de quem não entende nada do ambiente digital. É isso que o projeto de lei das fake news acha que vai conseguir. Uma bobagem”, diz Felipe. “Hoje, qualquer pessoa que queira utilizar a internet com más intenções sabe utilizar VPN, mascarar IP, proteger seus dados e se tornar indetectável.”

Ele diz que especialistas “tentaram explicar aos senadores, diversas vezes, que não é possível fazer a tal ‘rastreabilidade’ que eles tanto sonham e acabar de vez com o anonimato na internet”. Mas, segundo o influenciador, “não adiantou. Agora, na Câmara, estamos tentando fazer a mesma coisa e tendo um pouco mais de sucesso”,

Ainda assim, ressalta, “há uma urgência muito grande por parte do Congresso Nacional para que essa lei passe logo, pois eles acham que servirá para defendê-los imediatamente, principalmente nas eleições de novembro. Não servirá. Ou a Câmara pisa no freio de vez, interrompe esse projeto e recomeça um ciclo de diálogos, ou o Brasil vai virar exemplo mundial de como não legislar sobre fake news.”

Pensando em soluções

Para impedir que notícias falsas e o discurso de ódio continuem circulando, é preciso focar nos que estão lá “no topo” da pirâmide, enfatiza Felipe. E só é possível chegar nisso por meio de “profunda investigação da Polícia Federal, com infiltração, inteligência e muito preparo técnico. Fora isso, será impossível”.

Além de investigação profissional, Felipe diz que é preciso discutir com o WhatsApp e Telegram medidas que possam diminuir o sistema piramidal. Ele sugere começar a tratar vídeos compartilhados por WhatsApp “como vídeos publicados no Facebook ou Instagram – ou seja, sujeitos às mesmas regras de checagem de direitos autorais. Com isso, poderíamos impedir o compartilhamento de vídeos que ferem os direitos autorais dos alvos de ataques de ódio. Isso desmantelaria uma força poderosa do ataque desses grupos”, defende.

Ele também critica a omissão das plataformas na questão da desinformação. Felipe defendeu, por exemplo, a decisão do ministro do Supremo Tribunal Alexandre de Moraes de mandar suspender contas de bolsonaristas no Facebook e no Twitter. Para o influenciador, foi uma decisão necessária porque as plataformas não haviam agido por conta própria.

“O Twitter e o Facebook ficaram de braços cruzados enquanto essas contas promoviam o ódio, desinformavam e cometiam todo tipo de atrocidade, indo de encontro às próprias normas das plataformas”, afirma o influenciador. “Se o Twitter e Facebook tivessem agido dentro de suas próprias regras, o ministro Alexandre de Moraes não precisaria ter expedido essa ordem.”

Com informações da BBC News Brasil

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