Retomada das aulas: Voltar ao quê?

O Governo do Estado de São Paulo anunciou mais um adiamento do retorno as aulas, medida mais do que necessária, […]

O Governo do Estado de São Paulo anunciou mais um adiamento do retorno as aulas, medida mais do que necessária, uma vez que a pandemia da Covid-19 permanece sem controle no Estado. A comunidade cientifica já fez diversos alertas sobre os riscos que todos corremos com a retomada das atividades presencias nas escolas.

É desolador ter que passar dias defendendo o óbvio. A defesa do direito à vida é o que devemos fazer sempre. Mas não sejamos ingênuos; o debate em torno da “volta ou não volta” faz parte de uma estratégia da agenda privatista e elitista dos governos do PSDB. Enquanto desprendemos esforços e atenção para impedir essa retomada irresponsável, que põe vidas em risco, muitas questões aparecem como parte menor do problema, e não são.

Os “gestores da educação” aproveitam a pandemia para intensificar o processo de transformação da educação em mercadoria. A cidade de São Paulo, por exemplo, acaba de aprovar um PL que na prática institui a privatização da educação infantil no município, processo que já estava em curso, mas que encontrou na crise sanitária momento oportuno para avanços.

Com o discurso de inovação, argumentos de que a tecnologia representa modernidade e de que é preciso modernizar as práticas educativas, os tecnocratas de plantão compram com dinheiro público plataformas digitais que pouco dialogam com a pedagogia e com as necessidades de nossos estudantes. Claro, que em pleno século XXI, o uso das tecnologias se faz necessário dentro do processo educativo, mas não é capaz de por si só contemplar as necessidades formativas das crianças e adolescentes. Educação e aprendizagem ocorrem nas interações, nas relações. Como sabemos, crianças e adolescentes estão também em processo de formação psíquica e emocional. Nesse processo, o contato com o outro, as relações de amizades e até mesmo os conflitos são fundamentais. A atenção que devemos ter aqui é para não nos iludirmos com o discurso de que a tecnologia por si só resolve os problemas da baixa qualidade do ensino. Esse discurso é utilizado como argumento de desvalorização do trabalho, justificando privatizações e reduções de custos. No caso, a redução do custo com o profissional diretamente envolvido, o professor. “Associam o professor a uma prática de ensino desatualizada e fazem parecer que o conhecimento pedagógico é algo obsoleto”¹.

Se não bastasse a sanha privatista, aproveitam-se do cenário de horror para realizarem um verdadeiro assalto ao direito a educação. E para isso contam com a ajuda do pensamento acanho de setores atrasados da classe média paulista que enxerga no momento a oportunidade de levar vantagens. Sim, porque a pressão pela retomada das aulas não parte daqueles mais prejudicados, e sim do setor privado da educação, inconformado com a perda de lucros, e de segmentos que entendem conhecimento como prêmio, como mérito, e não como direito e ferramenta de cidadania.

Aqui é importante dizer que professores tanto da rede pública, como da rede privada e todos os profissionais de educação encontram-se trabalhando. Em que pese todos os problemas, professores estão empenhados em oportunizar atividades mesmo que de forma remota, àqueles que podem e conseguem acessar.

Já estamos há cinco meses sem atividades presencias nas escolas. É mais que evidente a importância de estarmos todos em casa e a necessidade da suspensão de aulas. Mas já é tempo de pensarmos também nas questões pedagógicas. Não devemos, nem podemos retornar para o espaço físico da escola neste momento. Mas, quando voltarmos, como será? Voltaremos ao quê?

A necessidade de mudanças nas estruturas prediais, seguimento de todos os protocolos de saúde, isso é condição sine qua non. Só devemos retornar com segurança sanitária garantida. Mas é preciso também garantir uma educação de qualidade a todos. Dizer que o ano letivo será garantido com as atividades remotas significa dizer que negaremos o direito à educação a muitas crianças e jovens que não tem acesso a internet ou outros meios. Pior; é compactuar com uma proposta de ensino que na prática nega o direito ao conhecimento e uma formação humana.É preciso repensar o ano letivo, o calendário escolar, o currículo. Fala-se muito em voltar as escolas, mas esquecemos de perguntar: para ensinar e estudar o quê? Não é possível retomar de onde paramos, muita coisa aconteceu, e muita coisa não aconteceu. É fundamental planejar e replanejar ações pedagógicas. Serão necessárias medidas de médio e longo prazo para superarmos esse “apagão educacional”, garantir recursos e uma proposta educacional emergencial que não amplie ainda mais as desigualdades já existentes.

Rosana Alves
Professora e Coordenadora Pedagógica na Rede Municipal de São Paulo

1 – Bonilla, Luís – Como fazer da educação máquina de tortura.