Esther Solano: “População está empobrecida e em desespero”

Pesquisadora do bolsonarismo alertou para a urgência de o campo progressista se conectar com periferias, especialmente à luz dos dados do último Datafolha.

A cientista política Esther Solano, professora da Unifesp - Foto: Facebook

A população brasileira está empobrecida e em absoluto desespero com a pandemia, afirma a cientista política Esther Solano, que pesquisa o campo bolsonarista e tem conversado com pessoas decepcionadas com Jair Bolsonaro. Segundo Solano, mesmo desapontados, os eleitores afirmam que votariam nele novamente por “falta de opção”.

A pesquisadora alertou para a urgência de o campo progressista voltar a se conectar com essas pessoas, principalmente à luz dos dados da última pesquisa Datafolha, que mostra Bolsonaro com 37% de aprovação, o melhor índice desde o início do mandato. Para Solano, Bolsonaro foi bem-sucedido em três frentes: capitalizar o auxílio emergencial de R$ 600; moderar o discurso e diminuir a interferência de seus filhos, vistos como criadores de confusão por seus eleitores.

“Nós temos uma estratégia muito bem pensada para aumentar a popularidade do Bolsonaro. A minha preocupação é como a gente vai reagir a tudo isso”, comentou. Ela afirmou ainda que é preciso deixar de lado a arrogância intelectual e a culpabilização da parcela da população que se volta para Bolsonaro, em especial os que dependem do auxílio emergencial. Esther Solano tratou do tema em live da Semana de Economia da Unicamp. A pesquisadora foi a organizadora do livro “O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil”.

“Depois da saída de Sergio Moro, Bolsonaro perdeu uma parte da classe média lava-jatista. A pauta anticorrupção é muito forte na classe média. Mas, quando tem uma crise econômica como a do coronavírus, a pauta de corrupção passa a segundo plano. E o Bolsonaro traça uma estratégia que é, já que está perdendo na classe média, vai focar nas classes mais desfavorecidas”, explicou ela.

Segundo Esther Solano, em seus contatos com a população, as pessoas admitem temer o coronavírus, mas o medo de não conseguir alimentar a família é maior.

“O que estou encontrando em minhas pesquisas com essa população mais empobrecida é um momento de absoluto desespero. Pessoas com muito medo do desemprego, com muito medo da fome e que têm medo do contágio, da doença, mas que têm igualmente muito medo de perder o emprego. Porque os boletos estão caindo e os filhos precisam ser alimentados”, relatou.

Outro discurso que Solano tem encontrado nas periferias é o de que isolamento social é um privilégio. “Veja o que estão falando para mim: ‘Isolamento social é privilégio. Para nós, pobres, não há esse direito’. Então, veja a precariedade desses direitos, negados a essa população periférica. É uma coisa que a gente tem que radicalmente entender. A gente, do campo progressista, não pode ficar só com essa ideia do fica em casa. Nós temos, obviamente, que apoiar isolamento social como medida sanitária, mas junto com potentes medidas econômicas”, defendeu.

A pesquisadora comentou também como o auxílio emergencial acabou vinculado ao governo Bolsonaro. “As famílias estão desesperadas, as famílias estão empobrecidas e obviamente quando você tem R$ 600 caindo na conta, isso faz com que aumente sua confiança do governo. Muitas das pessoas que receberam esse auxílio não sabem que a autoria é da oposição. Pensam que a autoria é do governo, porque é o governo que está dando”.

Presença

Para Esther Solano, é “arrogância” e “absurdo” pensar que “o pobre sempre tem que ser natural e diretamente definido como progressista, identificado com o campo da esquerda”. Ela diz que há uma reclamação nas periferias até mesmo de abandono por parte do campo progressista.

“A primeira coisa que aparece nas minhas pesquisas é: ‘Onde está a esquerda?’ É uma coisa muito impactante. Há uma reclamação muito potente de uma certa invisibilidade. Outra coisa que é muito forte é um sentimento de abandono. As pessoas mais empobrecidas falam isso. Nos abandonaram simbolicamente, pois não estão lutando por nossas grandes pautas, e nos abandonaram nos territórios. Onde está a esquerda nos territórios mais vulneráveis? A gente não está nas redes sociais, não conseguimos furar as bolhas online, e a gente não consegue estar presente nos territórios.”

Religião e segurança pública

A pesquisadora citou ainda dois fatores que foram fundamentais para Bolsonaro se eleger: sua aproximação com os evangélicos e a pauta da segurança pública.

“O Bolsonaro não foi só eleito pela sua política de ódio. Foi eleito porque fez um trabalho junto com grandes bispos evangélicos pentecostais e neopentecostais dentro das igrejas, de luta por uma estrutura moral e ética que supostamente representava a família tradicional e essa é uma luta que a gente perdeu. A bancada evangélica fundamentalista é uma aberração política, nós temos que lutar contra. Mas, ao mesmo tempo, nós temos que nos reconectar, comunicar e principalmente escutar o público popular evangélico que é fundamentalmente composto pelo público periférico”, disse.

Esther Solano afirma também que a esquerda precisa, urgentemente, pensar em soluções para a segurança pública. “Nós temos que urgentemente tomar para nós a centralidade dessa pauta, pensar em propostas compreensíveis, concretas, porque de fato a população jovem periférica está sendo dizimada e nós não temos respostas para isso. A política de Bolsonaro é construída sobre o ódio mas é construída também sobre outras pautas brasileiras”.

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