Nitrato de amônio. O que você tem a ver com isso?

Por Sidnei Aranha * A necessária inovação tecnológica revolucionou o mundo, aumentando a capacidade de produção de alimentos e levando […]

Por Sidnei Aranha *

A necessária inovação tecnológica revolucionou o mundo, aumentando a capacidade de produção de alimentos e levando a indústria química a uma eficiência antes inimaginável. Diversos setores se reinventaram ou transformaram as relações atuais, sobretudo na área da informática, porém, esse avanço trouxe consigo aquilo que denominamos Sociedade de Risco. Afinal, toda mudança pressupõe consequências.

O necessário progresso pautado no desenvolvimento industrial cobrou – e cobra – seu preço, com os “major accidents”, acidentes de grande porte ao redor do mundo, como os de Bophal (1984), Chernobyl (1986), e o vazamento do petroleiro Exxon Valdez, no Alasca (1989).

No Brasil, temos casos emblemáticos, um deles na Baixada Santista: a explosão da Vila Socó, em Cubatão (1984). Mais recentemente, Brumadinho, em Minas Gerais, exibiu o perigo iminente do tripé produtividade -progresso -riqueza, demonstrando, com centenas de mortes, o porquê de a modernização nos transformar numa sociedade de risco.

Nesse prisma, em Guarujá, assistimos de nossas janelas os incêndios nos terminais de açúcar, da Ultracargo e da Localfrio. Neste último, inclusive, havendo a possibilidade real da evacuação do Distrito de Vicente de Carvalho, evidenciando a pauta urgente sobre a questão da segurança das cidades do entorno do Porto de Santos/Guarujá.

Quem não lembra do emblemático caso dos 115 cilindros encontrados num armazém em Santos, em 2017, que guardavam substâncias como a fosfina, um gás altamente tóxico? O episódio serviu para mostrar que não estamos preparados para agir em situações como essa, uma vez que as autoridades portuárias apontaram como solução a queima da carga perigosa em Vicente de Carvalho/Guarujá, sem sequer consultar o Governo Municipal, expondo a população a um risco sem precedentes.

A demora para identificar os produtos envolvidos no episódio da Localfrio, em 2016, e a falta de informação sobre o conteúdo dos contêineres caídos do navio Log-in Pantanal, em 2017, são casos flagrantes da fragilidade nas informações portuárias, e expõem a falta e a urgência de uma gestão de riscos efetiva e abrangente.    

A autoridade portuária precisa ser capaz de saber não apenas onde estão cada uma das cargas no porto (as paradas e as que estão em trânsito) em tempo real, mas, também, mensurar a probabilidade de acidentes com cada uma delas, assim como os impactos ambiental e social.

As tristes imagens do Porto de Beirute exaltam que as maiores explosões do mundo não originadas por artefatos nucleares partiram da impudência no estoque de nitrato de amônio, substância que trafega comumente pelo Porto de Santos/Guarujá. E a sociedade local, passiva, aceita explicações autoritárias e infundadas daqueles que, por questão econômicas, não apresentam, de fato, as medidas de segurança necessárias.

A sanha pelo lucro não deve expor milhares de pessoas ao perigo iminente. Ainda que um sistema moderno e eficiente de gestão possa custar o equivalente a um navio, vale a pena o custo/benefício, porque estamos falando de vidas.

Já passou da hora de revisitarmos Raquel Carson e, com o mesmo entusiasmo das gerações dos anos 1970/80, embalados pelo livro Primavera Silenciosa, relançarmos movimentos como Right to Know (Direito de Saber) e o Nimby – Not im my backyard (Não no meu quintal). Ou só vamos acordar quando uma onda de choque estilhaçar nossa janela?

*Sidnei Aranha, advogado, secretário de Meio Ambiente de Guarujá