Donald Trump e a presidência do BID: pelo cumprimento dos acordos

O que Trump defende, com apoio de seu aliado Jair Bolsonaro, é um verdadeiro assalto imperialista para cumprir diretrizes políticas unilaterais sobre uma instituição

No período pós-Segunda Guerra Mundial, havia uma reivindicação consensual dos países latino-americanos e caribenhos. Era o apoio financeiro dos países desenvolvidos, particularmente dos EUA, para o desenvolvimento da região, entre eles a proposta da Operação Pan-Americana (OPA) apresentada pelo presidente brasileiro Juscelino Kubitschek. Este apoio sempre foi negado pelos estadunidenses sob o argumento de “Trade, Not Aid” (Comércio sim, Ajuda não).

No entanto, os resultados práticos desta reiterada reivindicação dos governos da época acabaram sendo a criação da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1948 – entretanto, sem envolver ajuda financeira, aumento do orçamento do Eximbank dos EUA, embora um dinheiro caro e absolutamente insuficiente, e a “Aliança para o Progresso” de Kennedy nos anos 1960, mais semelhante a um programa de caridade anticomunista dirigido a oito países da América Latina, entre eles o Brasil.

A medida institucional mais relevante foi a criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em 1959. Desde seu início, houve um acordo segundo o qual seu presidente seria sempre um latino-americano. Na próxima eleição da direção do BID, em 12 e 13 de setembro de 2020, o presidente dos EUA, Donald Trump, pretende romper esta tradição e nomear um estadunidense para o cargo, sob a absurda justificativa de barrar a influência da China na América Latina e Caribe.

Trata-se da indicação do diretor do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos para a América Latina, Mauricio Claver – Carone, um aliado seu que tem jogado pesado contra Cuba e Venezuela.

Há que se reconhecer a insuficiência do BID como instrumento de fomento do desenvolvimento de nosso continente e as inaceitáveis condicionalidades frequentemente impostas aos seus empréstimos. No entanto, é uma instituição que pode ser reformada e se tornar de muita utilidade, particularmente no contexto da Covid- 19, quando nossos países latino-americanos e caribenhos necessitarão de recursos para recuperar suas economias abaladas pela pandemia.

Diante disso, o que Trump defende, com apoio de seu aliado Jair Bolsonaro, é um verdadeiro assalto imperialista para cumprir diretrizes políticas unilaterais sobre uma instituição – que, apesar de suas deficiências, possui 50% de suas quotas controladas pelos governos latino-americanos e caribenhos. O fato de o governo estadunidense possuir a maior quota individual de 30% não lhe dá esse direito. Além dessas quotas, há 16% controlados por países europeus e o Japão externos ao continente e 4% controlados pelo Canadá.

Se houver vontade política, pelo menos de parte dos 28 países membros do BID, seria possível barrar essa barbaridade, pois a eleição do presidente do banco para um mandato de cinco anos é realizada durante a “Assembleia dos Governadores” (membros) e requer a presença da maioria absoluta dos mesmos (21), maioria absoluta de votos dos quotistas (75%) e maioria absoluta dos votos dos governadores (21). Bastaria que um grupo de oito países negasse o quórum ou não votasse no candidato de Trump para forçar uma alternativa.

Os governos da Argentina, México, Chile e União Europeia propuseram o adiamento da eleição por seis meses sob a justificativa da pandemia do coronavírus, mas na verdade para aguardar o resultado eleitoral dos EUA. Esta proposta foi secundada por um manifesto assinado por vários ex-mandatários da América Latina, entre eles Fernando Henrique Cardoso do Brasil e Ricardo Lagos do Chile. No entanto, 17 governos, entre eles o dos EUA e Brasil, emitiram uma nota reiterando sua vontade de realizar a votação na data prevista.

O ideal seria uma posição conjunta dos países latino-americanos e caribenhos sobre a retirada desta candidatura, respeito pelo acordo tradicional e a abertura imediata de uma discussão sobre a política do BID diante da pandemia e de nosso necessário desenvolvimento. Mas isso parece distante, ainda mais com governos como o brasileiro e o colombiano, em particular subservientes ao governo Trump. A ver os desdobramentos.

Publicado originalmente no site da Fundação Perseu Abramo

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