Retorno parcial e o aumento das desigualdades

A pandemia causada pelo novo coronavírus não gerou desigualdades como muitos estão dizendo. A crise sanitária está evidenciando e aumentando […]

A pandemia causada pelo novo coronavírus não gerou desigualdades como muitos estão dizendo. A crise sanitária está evidenciando e aumentando desigualdades históricas da nossa sociedade. Compreender a desigualdade social e econômica como questões históricas não é um exercício simples que possa ser feito de maneira rápida. Ainda mais difícil, é a sua superação.

O fechamento das escolas no início do ano evidenciou um cenário de imensas desigualdades que existem no âmbito da educação, tanto no que diz respeito ao acesso ao conhecimento, conteúdos, quanto ao acesso a políticas públicas de bem estar. Com a suspensão das atividades presenciais, além das aulas, alimentação, acolhimento e relações interpessoais também deixaram de ser ofertadas.

Na lógica neoliberal, inverte-se as prioridades da escola: de um espaço essencialmente de aprendizagem, a escola passa a ser um espaço de contenção social: repassam a ela a responsabilidade de solucionar mazelas inerentes ao capitalismo, como se o problema da desigualdade social, da violência, do desemprego, fossem problemas de formação e acolhimento educacional.

A Pandemia traz esta questão com força.

Ao se discutir o retorno ou não das atividades presenciais, não são as questões pedagógicas que estão no centro das preocupações, e sim, a necessidade das famílias de terem um espaço para deixar seus filhos enquanto têm que trabalhar; a demanda de acolhimento psicológico a crianças e jovens que estão enfrentando traumas; a necessidade de ofertar alimentação aos mais vulneráveis.

Construir uma escola para todos, capaz de atender as mais complexas e diferentes demandas não é tarefa fácil. A escola é de fato parte irrecusável nas políticas de atendimento de necessidades sociais. Devemos, todavia, não esquecer que o objetivo primordial da escola é o desenvolvimento do conhecimento, da capacidade crítica e reflexiva para que a sociedade possa ser capaz de construir os mecanismos de superação das desigualdades.

O Governo do Estado de São Paulo, dados os compromissos políticos e a ideologia de seu mandatário e colaboradores, propõe como saída para o complexo problema em tela a reabertura parcial de escolas a partir de 8 de setembro. A reabertura ocorreria com atividades de reforço, recuperação, acolhimento individualizado, plantão de dúvidas, laboratório de informática e ciências, sem que seja aplicado conteúdo curricular. A opção só será ofertada para regiões que estejam há 28 dias na fase amarela do Plano São Paulo, e será opcional.

Ou seja: prevalece a linha “escola como instrumento de contenção social”, em detrimento do conceito de “escola como espaço educativo”. Escola concebida como centro de assistência é a forma de atender aos reclamos do patronato, que quer seus trabalhadores, livres de sua prole, produzindo valores a todo o vapor; aos do varejo, que quer vender para estes mesmos trabalhadores em circulação; e aos da rede privada de ensino, que quer a retomada dos ganhos inerentes a suas atividades e está de olho nos possíveis subsídios que o poder público possa lhe repassar.

Não é demais repetir: a questão é altamente complexa e, por isso, exige respostas à altura. Mais uma vez repetimos: crianças, jovens e famílias necessitam de assistência para enfrentar a crise sanitária. Precisam, por outro lado, de acesso ao conhecimento, à ciência, arma indispensável para combater a crise. E a ciência diz que a pandemia é algo sério, é um perigo real e é de extrema importância o isolamento social, suspensão das atividades presenciais. O conhecimento de pedagogos e especialistas também diz que, de fato, será necessário o acolhimento, ser sensível a condição de todos que frequentarão o espaço escolar. Por isso, a ciência afirma que qualquer retorno deve ocorrer de forma planejada, articulando setores da saúde, da assistência social e da educação. Diz também que, a partir deste diálogo intersetorial, será necessário criar um currículo que minimize os efeitos da pandemia e atenda as demandas para a formação de um cidadão pleno.

A irresponsabilidade com a qual a crise é administrada pelo governo federal nos leva ao desespero e muitas vezes acabamos procurando soluções “caseiras” para problemas que exigem políticas públicas responsáveis. Possibilitar a reabertura parcial de escolas mostra-se uma irresponsabilidade com a saúde de crianças, jovens, famílias e profissionais da educação. Na prática, essa proposta exime o poder público de se responsabilizar com a questão. Não é simplesmente abrir ou não abrir escolas. Pensemos, antes, em garantir auxílio emergencial para as famílias que perderam renda e a universalização do cartão merenda para todos os estudantes da rede pública. A permissão de retomada de alguns setores da economia e do comércio só deveria ocorrer quando as condições sanitárias fossem seguras. Neste ínterim, seria dever do poder público instituir políticas de garantia de manutenção de empregos e salários das mães trabalhadoras. No que diz respeito ao combate direto ao vírus, o poder público deve garantir maiores recursos para o SUS, para que ele seja capaz de ofertar, além de tratamento, acompanhamento às famílias.

Essas são medidas efetivamente consistentes, e coerentes com o papel de cada setor público. Ao invés de implantá-las, o governador e seus burocratas tentam desviar o debate da questão de fundo: educação é direito ou mercadoria?

Sendo um direito, não é possível permitir retornos parciais que ampliem ainda mais as desigualdades e reforcem estigmas e estereótipos. A ideia de avaliar, proporcionar reforço e recuperação a uma parcela de estudantes cria abismos e diferenças absolutamente desnecessários neste momento.

Voltemos todos quando tivermos garantias de segurança; quando tivermos condições de atender a todos com equidade. Façamos isso exigindo uma condução responsável por parte dos governos federal, estadual e municipal.

Rosana Alves
Professora e coordenadora pedagógica na rede municipal de São Paulo.

Elder Vieira
Escritor e gestor público, é Secretário de Formação e Propaganda do PCdoB-SP.