Governo Bolsonaro começa campanha antivacinal em plena pandemia

Vacinação em crianças é obrigatória desde o regime militar e vem tendo cobertura menor, há três anos, sob risco de retorno de doenças próximas à erradicação. Apesar disso, Bolsonaro iniciou nova onda de desinformação ao defender a “liberdade” de não tomar a vacina, às vésperas de uma campanha de vacinação contra a pandemia de Covid-19.

Minsa/Peru

A Secretaria Especial de Comunicação Social colocou hoje em suas redes sociais, uma peça publicitária com a frase do presidente Jair Bolsonaro “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”, alegando uma defesa das “liberdades dos brasileiros”.

A frase foi dita pelo presidente na noite de segunda-feira (31), em conversa com apoiadores, quando uma mulher, que se diz da área da saúde, falou a Bolsonaro que ele não deveria deixar “fazer esse negócio de vacina” porque seria “perigoso”. “Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”, respondeu Bolsonaro —a frase usada pela Secom na peça nas redes sociais.

Na peça preparada pela Secom, sobre uma foto do presidente na rampa do Planalto, a frase do presidente é colocada em destaque. Abaixo vem escrito “O governo do Brasil preza pelas liberdades dos brasileiros.” A associação da ideia de liberdade com seu governo autoritário também é um mecanismo para confundir o imaginário da população.

Atentado contra a saúde pública

O infectologista Marcos Boulos explicou, em entrevista ao portal Vermelho, que os movimentos antivacinais começaram a aparecer, principalmente, quando as doenças que elas vacinavam começaram a desaparecer. “As pessoas perderam a memória ou não conheciam mais como era a doença natural. Quando você não vê mais a doença, ou ela é pouco comum, fica mais comum dizer que não tem problema pegar sarampo. No entanto, quando ela atinge grandes parcelas da população, como acontece com a Covid-19, ela mata 4% dos doentes, ou seja, uma taxa maior do que a do novo coronavírus”, analisou o médico.

Como na maioria das doenças, o contágio é maior entre crianças desnutridas, submetidas a condições sanitárias mais precárias de vida. No entanto, acrescenta Boulos, todas essas doenças que têm vacinas, têm uma alta taxa de letalidade, “inclusive a gripe”. “A própria taxa média de vida mais elevada que o Brasil apresenta em relação a 30 anos atrás, se deve, em parte, pela vacinação”, afirmou.

Outro aspecto da vacinação que Boulos insiste em apontar é que ela não é para o indivíduo, mas para a sociedade. “Tem indivíduos que não podem tomar a vacina, por serem imunodeficientes, então eles dependem da maioria das pessoas tomarem para não se contaminarem com a doença. Elas se protegem, quando você se vacina ao lado delas. Se você não pegar a doença, ela não pega”, declarou o infectologista.

Corrida da vacina

A apoiadora de Bolsonaro diz ainda que é farmacêutica e “e, em menos de 14 anos, ninguém pode botar uma vacina no mercado”. Devido ao impacto mortal e econômico da pandemia, laboratórios de Rússia, China, EUA e Reino Unido, entre outros, trabalham com governos para acelerar o desenvolvimento, fabricação e distribuição de uma vacina que amenize os efeitos da pandemia.

Embora haja protocolos mínimos para o desenvolvimento das vacinas com segurança, que duram anos, esses laboratórios procuram atalhos, reduzindo etapas, para obter uma vacina que se comprove mais benéfica que nociva à saúde de grupos de risco. Assim, antes do fim do ano, esperam estar vacinando populações mais vulneráveis ao contágio e consequências mais graves da doença.

Cobertura vacinal em queda

Além do desincentivo ao uso de vacinas em um momento em que a cobertura vacinal do Brasil, que sempre foi uma das melhoras do mundo, passa de três anos de queda, a peça publicitária da Secom destaca uma frase do presidente que não tem respaldo na realidade.

A aplicação de vacinas no país é obrigatória em crianças desde a criação do Programa Nacional de Imunizações, em 1973. O Estatuto da Criança e do Adolescente, lei aprovada em 1990, diz em seu artigo 14 que é “É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.”

Pais que deixarem de levar os filhos para a vacinação obrigatória correm o risco de ser multados ou processados por negligência e maus tratos.

São poucas a vacinas recomendadas (5), como a gripe ou a febre amarela, nenhuma obrigatória para adultos, dentre as 47 disponíveis. Desse total, apenas 23 são aplicadas rotineiramente. Ou seja, a estratégia do governo não tem outro sentido, senão reforçar o negacionismo científico.

No entanto, alguns países impedem, por exemplo, a entrada de pessoas que não são imunizadas contra febre amarela, assim como o Brasil assume compromissos internacionais de erradicação do sarampo, que obrigam a imunização. Outra contradição é que, foi o próprio governo Bolsonaro que, de modo inédito, colocou a vacinação como prioridade governamental, meta 35 do plano de governo, em 2019.

O Ministério da Saúde de Bolsonaro criou no ano passado o Movimento Vacina Brasil para recuperar as baixas coberturas vacinais. Dados do próprio Ministério da Saúde apontam que nenhuma das 10 vacinas obrigatórias para menores de dois anos atingiram as metas de cobertura naquele ano. Entre elas, a poliomielite, que teve cobertura de apenas 82,1% das crianças. Considerada oficialmente erradicaa no Brasil, desde 1994, a doença exige vacinação porque o vírus ainda circula pelo mundo.

Estratégia calculada

A estratégia sistemática de desinformação antivacinal surge em “momento oportuno” em que o mundo todo luta para desenvolver uma vacina contra a Covid-19, que já matou 853 mil pessoas em sete meses. É também uma estratégia desinformativa utilizada para desviar o foco de atenção de fatos negativos do governo. No mesmo dia, foi anunciada a depressão econômica com queda histórica de 9,7% do PIB no segundo trimestre, notícia que sequer foi comentada pelo presidente.

Sempre diante da imprensa, algum assessor político do governo ou militante partidário, sem formação em saúde, se apresenta como um anônimo, diz alguma frase de fácil assimilação, dando a deixa para o presidente repercutir e dar início a sua campanha. Toda a estratégia é calculada para evitar prejuízos à imagem e dificultar acusação criminal contra o presidente.

Desde o início da pandemia, Bolsonaro usa os recursos do cargo público para disseminar desinformação em meio à pandemia e evitar a principal estratégia científica que é o distanciamento social e a quarentena, com fechamento temporário da economia para impedir a circulação do vírus.

Ele começou dizendo que a doença não teria impacto significativo no Brasil, depois disse que se tratava de uma doença leve de baixo risco de mortalidade. Não apenas foi contrário ao isolamento social e defendeu o uso de um remédio preventivo que não tem qualquer comprovação científica, como também demitiu dois ministros da saúde por discordarem dessas opiniões. Com um ministro interino, militar e sem experiência na área, ele conseguiu impor um protocolo de medicamentos, assim como começou a sabotar a divulgação de dados nacionais de contágio e óbitos. Estimulou manifestações contra as medidas sanitárias e também convidou apoiadores a invadir UTIs, sob a alegação de que era mentira o número de contágios e mortes. Sua retórica menosprezando o número de mortes e de famílias em luto contribuiu para naturalizar a convivência dos brasileiros com a alta mortalidade por Covid-19, assim como pressionar gestores públicos a flexibilizar a quarentena e reabrir a economia.

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