Bolívia: policiais e militares devem acatar urnas e Constituição

A defensora Nádia Cruz assegura que Áñez, seu gabinete e os comandantes que ordenaram matar, pagarão por ”crimes de lesa-humanidade”. A advogada conclama a todos que tenham suas ações guiadas pela lei e o respeito aos direitos humanos neste domingo de eleições.

Advogada Nádia Cruz, defensora Pública da Bolívia (Assessoria)
Advogada Nádia Cruz, defensora Pública da Bolívia (Assessoria)

Às vésperas do pleito deste domingo e do clima de “banho de sangue” criado pela extrema-direita para voltar a anular a eleição presidencial, a defensora Pública da Bolívia, Nádia Cruz, está conclamando “homens e mulheres, policiais e militares” a acatarem as urnas e a Constituição.

Conforme a advogada, a “presidente” em final de mandato Jeanine Áñez, seus ministros e comandantes, desde o primeiro momento após terem deposto o presidente Evo Morales deram as costas à população. “Não querem sair do poder que eles mesmos se autoproclamaram desde seus cargos, mas sem o voto de confiança de absolutamente ninguém. É um grupo de pessoas que já se conhece de há muito da Universidade Católica Boliviana”, explicou.

Diante desta tentativa de se postergar indefinidamente, sem qualquer aval da sociedade, e da tentativa de envolver quem tem armas na mão em uma aventura, Nádia propõe que os soldados pensem duas vezes e respeitem o país e a democracia. “Nós, como Defensoria, fazemos uma exortação. Não a eles, de quem não esperamos nada, nem dos comandantes da Polícia Boliviana e das Forças Armadas. Fazemos uma exortação, e tomara possa ser estendida, a todos os membros, mulheres e homens, da Polícia e das Forças, para que suas ações sejam guiadas pela Constituição, pela Lei e o respeito aos direitos humanos”, enfatizou.

A Defensoria apresentou recentemente o informe Crise de Estado, Violação dos Direitos Humanos na Bolívia, Outubro-Dezembro de 2019 – com mais de 300 páginas – em que descreve minuciosamente os crimes praticados pelos golpistas – que vão do uso excessivo da força aos abusos psicológicos e morais, incluindo a violência sexual -, que deixaram oficialmente mais de 35 mortos.

“Defendemos em nosso informe oficial, e esta é uma posição da Defensoria, a necessidade que exista um processo de reparação integral às vítimas. Em todo processo de violação dos direitos humanos existente dentro dos Estados, as vítimas diretas e indiretas têm direito a uma reparação integral”, declarou a advogada.

Para Nádia, esta não pode resumir-se a um ressarcimento econômico, como tem pretendido o governo – após muita pressão dos movimentos -, nem a uma reposição de gastos às pessoas feridas. “Os fatos ocorridos na Bolívia merecem que se cumpram com os padrões interamericanos quanto à violação integral dos direitos humanos”. Isso significa, reiterou a defensora, que “é necessário iniciar um processo em que é fundamental que todos os delitos que sejam catalogados como de lesa-humanidade vão à Justiça ordinária, mas, além disso, mereçam investigação, acusação e sentença. Uma sentença que não deve ser apenas do julgamento de quem lhes deu as ordens, neste caso a presidente e seu gabinete, mas também contra aqueles comandantes e membros da Polícia e das Forças Armadas que estiveram em ações conjuntas”.

“Nós, como Defensoria Pública, consideramos que estes são os processos fundamentais. As vidas não vão voltar, mas é chave que o Estado lhes responda, lhes dê Justiça a estas vítimas sobreviventes ou às dos que foram assassinados”, acrescentou.

Na avaliação da defensora, é preciso construir um processo de pacificação para o qual é necessário que se recupere a estabilidade, que os órgãos de poder façam o que a Constituição manda e respeitem os pesos e contrapesos estabelecidos pelos seus órgãos de poder.

“A presidente e seus ministros, os homens que a acompanham, evidentemente nunca foram um exemplo de pacificação para o país. Nunca contribuíram para isso, a única coisa que fizeram foram medidas de emergência”, condenou Nádia, recordando que “vinham com pacificação repressora”. Desta forma, explicou, era a prática do “estamos em paz, mas te persigo; estamos em paz, mas te julgo; estamos em paz, mas te detenho; estamos em paz, mas te bato, torturo, posso te matar”. “Nunca pensaram na população, nunca pensaram nos direitos humanos”, frisou.

Questionada sobre o que esperar deste 18 de outubro, Nádia me respondeu estar bastante esperançosa. “Mas confio não só por uma confiança utópica, mas porque quando estivemos recolhendo testemunhos nos encontramos com membros da Polícia e das Forças Armadas, alguns estão incluídos no nosso informe. Eles mesmos alertaram aos seus familiares que estavam na mobilização, que estavam em lugares que o governo tinha como alvo como El Alto, El Trópico, o norte de Santa Cruz ou o norte de Potosí. Eles alertavam aos seus familiares: não se aproximem, se dispersem, vão para casa. Ou não saiam de casa porque estão nos dando armas, estão nos dando balas. Por conta destas denúncias, eu confio que os massacres não voltarão a se repetir”, assinalou.

Descrevendo os relatos de tudo o que viu e ouviu, a defensora enfatizou que é preciso estar alerta, mas que tem confiança na vitória da democracia. “Houve demasiado luto, demasiada dor. Se vocês forem até lá fora verão que não há um clima de paz, o país está em clima de dor”, relatou. “Ojalá eu esteja certa”, disse Nádia ao se despedir.

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Fonte: Carta Maior

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