Igualdade de gênero na retomada do crescimento e redução da pobreza

Desigualdades de gênero limitam as oportunidades das mulheres no acesso à educação, ao emprego, e à segurança de renda e patrimonial, elementos essenciais a uma condição de vida econômica adequada.

Movimento de Mulheres - Mídia Ninja

Em artigo na Época Negócios, Paula Tavares e Natália Mazoni, advogada internacionalista e especialista sênior em gênero e políticas para mulheres no Banco Mundial, comentam o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, celebrado neste 17 de outubro, que tem como propósito dar visibilidade e ampliar esforços em torno do tema. Apesar do progresso desde então, dizem, o mundo ainda está longe de alcançar essa meta.

Mais grave ainda, apontam, novos dados publicados este mês no relatório Pobreza e Prosperidade Compartilhada 2020, do Banco Mundial, mostram que o impacto causado pela pandemia do novo coronavírus ameaça reverter a redução da pobreza no mundo pela primeira vez em 20 anos.

Até 2021, dizem as autoras, a crise pode levar 150 milhões de pessoas – ou 1,4% da população mundial – a cair na situação de extrema pobreza, o que significa ter que sobreviver com menos de US$1,90 por dia. Com o aumento, estima-se que a taxa de pobreza extrema em 2020 ficará entre 9,1% e 9,4%, semelhante à registrada em 2017.  Projeções adicionais do Banco Mundial sugerem que o retrocesso pode chegar a 7 anos na próxima década, inviabilizando alcançar a meta almejada antes da pandemia pelo primeiro objetivo (ODS) da Agenda de Desenvolvimento Sustentável, de 3% de pobreza extrema no mundo até 2030.

A pobreza, assim como a crise, prosseguem, afeta de maneira desproporcional as mulheres. Conforme relatório da ONU Mulheres e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) publicado em setembro, essas disparidades podem se agravar. Em 2021, para cada 100 homens entre 25 e 34 anos vivendo em extrema pobreza estima-se que haverá 118 mulheres. Até 2030, a diferença poderá aumentar para 121 mulheres por 100 homens.

Segundo elas, desigualdades de gênero limitam as oportunidades das mulheres no acesso à educação, ao emprego, e à segurança de renda e patrimonial, elementos essenciais a uma condição de vida econômica adequada. De acordo com a OIT, 67,5% das mulheres nos países em desenvolvimento estão empregadas no setor informal. Mesmo no setor formal, a remuneração das mulheres equivale, em média, a 85% da dos homens.

A vulnerabilidade do emprego e o tempo desproporcional dedicado aos afazeres domésticos não remunerados, exacerbados pela pandemia, também prejudicam mais as mulheres. Cálculos recentes da McKinsey mostram que elas detêm empregos quase duas vezes mais vulneráveis à crise do que os dos homens, e que, apesar de representarem apenas 39% do emprego global, respondem por 54% da perda geral de empregos. Dados do FMI mostram ainda que as mulheres dedicam 4,4 horas diárias ao trabalho não remunerado, em comparação com 1,7 hora gasta pelos homens.

Sabendo-se que o principal meio de redução de pobreza é o trabalho remunerado, os dados acima evidenciam que as mulheres têm menor capacidade de sair da situação de pobreza, em especial no contexto da crise.

No Brasil, afirmam as autoras, já se registrava um aumento da pobreza extrema nos últimos anos. Em 2018, 9,22 milhões de pessoas estavam nessa situação, cerca de 3,7 milhões a mais do que em 2014, de acordo com estimativas do Banco Mundial. Apesar de um recuo este ano na parcela da população abaixo da linha de pobreza extrema – para menos de 2% – como resultado do auxílio emergencial, estima-se que a tendência de aumento seja retomada em 2021.

As diferenças de oportunidades de trabalho e renda também contribuem para a situação de pobreza entre as brasileiras. Em 2019, as mulheres ganharam quase 30% a menos do que os homens, segundo o IBGE. No mercado de trabalho, a taxa de participação entre elas é de 54%, contra 74%, entre eles, apontam.

Além de menor participação, comentam, elas ocupam predominantemente empregos de menor remuneração e, mesmo quando ocupam o mesmo trabalho que os homens, ganham em média um quarto a menos. Suas oportunidades econômicas também são limitadas pelo tempo dedicado a atividades domésticas – quase duas vezes maior que o gasto por eles (18,1 horas, elas, contra 10,5 horas, eles, semanalmente). Com a crise, essa alta carga de trabalho não remunerado imposta às mulheres deve ainda aumentar, limitando sobremaneira seu tempo disponível para a atividade produtiva e para buscar novo emprego, o que muitas, afetadas pela onda de demissões, estão tendo que fazer.

Ainda no início da quarentena, sete milhões de mulheres abandonaram o mercado de trabalho, dois milhões a mais do que os homens, conforme dados da PNAD Contínua para a primeira quinzena de março. Outras medidas impostas pela pandemia, como o confinamento e o fechamento das escolas, aumentaram a carga de trabalho doméstico não remunerado – considerado um fator determinante da pobreza para as mulheres. A desigualdade no desemprego também aumentou, chegando a 14,5% entre as mulheres, ante 10,5% entre os homens, nos três primeiros meses de 2020 – a maior diferença desde 2017. Dados recentes da PNAD Covid19 mostram que a desigualdade no mercado de trabalho continua: em agosto, a taxa de desocupação entre as mulheres foi de 16,2%, em comparação com 11,7% entre os homens.

De acordo com o relatório Mulheres, Empresas e o Direito 2020, do Banco Mundial, afirma o texto, a legislação brasileira também não oferece amparo jurídico às mulheres em temas como igualdade salarial nos termos da Convenção da OIT (C100) e acesso a financiamento para empreender ou promover negócios. E o Brasil não está sozinho: mais de 40% dos países do mundo limitam de alguma forma as oportunidades das mulheres no mercado de trabalho.

O alerta do relatório do Banco Mundial é enfático, lembram as autoras: para reverter o grave retrocesso no índice de pobreza, os países devem caminhar para construir uma economia diferente no pós-pandemia, que permita que capital, trabalho, e inovação tragam expansão a novas áreas e setores. Sabemos que a igualdade de gênero é essencial à erradicação da pobreza e para o crescimento econômico dos países. Portanto, a retomada no Brasil deve priorizar também a eliminação de desigualdades de gênero e a inclusão econômica das mulheres para impedir o retrocesso anunciado e acelerar suas ações rumo a um mundo sem pobreza.