Bolívia: MAS teve votação similar à de êxito histórico de Evo Morales

A esquerda, derrubada do poder com um golpe de Estado, está de volta

O presidente eleito, Luis Arce, e o ex-presidente, Evo Morales

De forma contundente, o Movimento ao Socialismo (MAS), partido do ex-presidente Evo Morales (2005-2019), venceu, já no primeiro turno, as eleições presidenciais na Bolívia. Luis Arce, ex-ministro da Economia do próprio governo Evo, chegou à vitória com 55,1% dos votos. A esquerda, derrubada do poder com um golpe de Estado, está de volta “nos braços do povo”. Como foi possível essa estrondosa reviravolta política?

Tudo indica que o êxito de Arce e do MAS não teria sido possível caso a eleição ocorrer na data prevista inicialmente, em 3 de maio. As pesquisas de opinião do período sinalizavam que a direita golpista estava em vantagem. Mas em cinco meses, entre maio e outubro, o MAS voltou a recuperar terreno até vencer com a preferência da maioria do eleitorado boliviano. O opositor Carlos Mesa, da Comunidade Cidadã (CC), recebeu 28,83% dos votos,.

Com a eleição de Arce, a votação do MAS foi ampliada e voltou a ser similar ao resultado da primeira eleição de Evo, em 2005, quando ele recebeu 54,4% dos votos. Em relação ao pleito de outubro de 2019 – que foi anulado –, o MAS cresceu cerca de oito pontos percentuais. No ano passado, Evo recebeu 47,07% dos votos, e Mesa, 36,51%. Evo era o presidente legítimo, e a anulação da votação foi um golpe dos mais tradicionais.

Durante um ano, entre outubro do ano passado e a eleição deste ano, a Bolívia viveu uma ebulição política e foi governada pela presidente interina – e golpista – Jeanine Áñez, que inicialmente parecia ter chances de ser eleita. Primeiro, ela disse que não seria candidata, depois lançou candidatura e, com a imagem desgastada, acabou desistindo da corrida eleitoral.

No período de cinco meses que culminou no dia da votação, 18 de outubro, os socialistas do MAS deram sua guinada eleitoral. Num ano de pandemia do novo coronavírus, o pleito foi adiado, primeiro, para o dia 17 de maio, depois para 6 de setembro e, por último, foi realizada domingo passado. O quadro foi mudando mês a mês.

Em maio deste ano, conforme pesquisa da empresa Ciesmori, de La Paz, Luis Arce tinha 25% das intenções de voto, Áñez, 26%, e Mesa somava apenas 12%. Da possibilidade de derrota ou difícil eleição em maio, o MAS passou a uma ampla vitória em outubro. Que fatos provocaram esse crescimento?

Na opinião do o analista político José Luis Galvez, diretor da empresa de pesquisas Ciesmori – que antecipou o sucesso de Arce no levantamento de boca de urna –, “vários motivos” explicam a mudança do cenário eleitoral na Bolívia em tão pouco tempo.

Em maio, de acordo com Galvez, Jeanine Áñez disputava o primeiro lugar das intenções de voto com o MAS. Em setembro, um mês antes da eleição, após seu apoio minguar 17% em meio ao desgaste da sua gestão, ela anunciou que desistia da sua candidatura. E chegou a dizer que a oposição deveria “se unir para evitar o retorno da ditadura de Evo”.

“Os eleitores passaram a ter a percepção de que a corrupção passou a ser maior no governo de Jeanine Áñez, que tinha prometido o contrário do que se viu. O uso abusivo de aviões (oficiais) e a denúncia de corrupção na compra de respiradores (para tratamento de coronavírus) foram alguns dos fatos decisivos para o eleitorado”, disse Galvez.

Segundo o analista boliviano, com o caso dos respiradores, a reputação de Áñez e de seu governo “desmoronou de vez”. Além de superfaturamento, os respiradores não funcionavam para tratamento de Covid-19, o que levou à queda do ministro da Saúde da gestão golpista. “Existe um consenso no eleitorado boliviano de que o governo de Jeanine Áñez não deu certo e cometeu abusos de corrupção e de poder. Não existia mudança.”

No ano passado, conforme Galvez, mais de 60% do eleitorado boliviano afirmou, em uma pesquisa realizada pela Ciesmori, que já tinha votado alguma vez no partido de Arce e de Evo. De fato, na terceira eleição seguida de Evo, em 2014, ele recebeu cerca de 60% dos votos. No cenário de crise econômica histórica no país, provocada pela pandemia, pela queda nas vendas de gás e nas incertezas políticas, Arce passou a ser visto como a melhor opção entre os indecisos.

Com respaldo de Evo, ele foi o responsável pela estabilidade econômica, com forte redução nos índices de pobreza, durante os 13 anos de gestão do MAS. Sua atuação recebeu elogios até do Fundo Monetário Internacional (FMI) pela responsabilidade fiscal. Com isso, seu perfil levou os indecisos a optarem por sua eleição. A última pesquisa antes da votação, realizada dez dias antes do pleito, mostrou que 27,8% dos eleitores diziam que votariam em branco, nulo ou não sabiam em quem votariam.

O quadro sugeria a possibilidade de segundo turno, segundo diferentes analistas políticos e econômicos. “O MAS tinha chances de vencer, mas achávamos difícil uma vitória no primeiro turno. Foi uma surpresa”, disse o analista econômico Javier Gómez, da consultoria Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Trabalho e Agrário (Cedla, na sigla em espanhol), de La Paz.

Galvez, da Ciesmori, detona os rivais de Evo. “A oposição, além de fragmentada, não soube atrair o eleitorado. Muitos, que não são eleitores do MAS, optaram por Arce, pelo que ele fez na economia, e porque, na reta final da votação, o opositor Luis Fernando Camacho transmitia a perspectiva de violência”, disse Galvez.

Camacho recebeu 14% dos votos no país. Mas sua votação foi concentrada, principalmente, em Santa Cruz de la Sierra, na fronteira com o Brasil. Esse departamento é o motor econômico do Produto Interno Bruto (PIB) e, geralmente, avesso às escolhas de La Paz, o rosto mais visível da cultura indígena boliviana.

Além dos problemas da oposição, da crise econômica, da violência, outro fato contribuiu para a eleição do MAS: o fato de Mesa ser quase “apático” diante da virulência política. “Em uma das pesquisas, ouvi dos eleitores uma definição sobre Mesa que não esqueci: ‘É uma briga de carnívoros e Mesa não é nem vegetariano, é vegano’. E isso não o ajudou. Também favoreceu ao MAS”, disse o analista da Ciesmori.

Definido como conciliador e paciente, Arce disse que fará um governo de “união”. Terá desafios como os eleitores insatisfeitos com o retorno do MAS e o equilíbrio dentro do próprio Movimento ao Socialismo, do qual seu vice, o ex-chanceler David Choquehuanca, e o ex-presidente Evo Morales fazem parte.

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