Como o desmatamento e garimpo ilegal levaram a Covid-19 aos indígenas

De março a agosto, 28 mil indígenas foram contaminados com o novo coronavírus

Há uma relação direta entre desmatamento, garimpo ilegal e casos de Covid-19 em aldeias indígenas. É o que aponta o economista Humberto Laudares, em pesquisa para seu doutorado na Universidade de Genebra, na Suíça. Com base em dados oficiais do governo federal, Laudares comprova que práticas irregulares estão por trás da contaminação de 28 mil indígenas de março a agosto, ao facilitar o contato desses povos com pessoas infectadas com o novo coronavírus.

A pesquisa, publicada na sexta-feira (23), cruza dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (órgão vinculado ao Ministério da Saúde) com informações diárias do sistema Deter, ligado ao Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O Deter capta quase em tempo real o desmatamento na Amazônia. Foram medidos os avanços do desmatamento e da mineração ilegal em mais de 5 mil municípios.

Segundo Humberto Laudares, o desmatamento e o garimpo ilegal explicam ao menos 22% de todos os casos de Covid-19 confirmados em povos indígenas até o dia 31 de agosto de 2020. “Os resultados são bastante relevantes para as políticas públicas”, diz o economista. “Os efeitos negativos do desmatamento são muito maiores do que os imaginados porque acabam expandindo a pandemia para populações super vulneráveis.”

O Brasil registrou, até esta sexta-feira (23), 155.962 mortes causadas pelo coronavírus desde que a Covid-19 foi registrada pela primeira vez, em fevereiro deste ano. O número de casos com teste positivo chegou a 5.325.682. Ao mesmo tempo, sob a gestão Jair Bolsonaro, o desmatamento e os focos de incêndio têm crescido de forma recorde no País.

Os resultados da pesquisa mostram que um aumento de uma unidade no desmatamento, por 100 km², está associado, em média, à confirmação de 2,4 a 5,5 novos casos diários de Covid-19 em indígenas, 14 dias após o desmatamento. Dentro dessas duas semanas, 1 km² desmatado resulta em 9,5% a mais de novos casos de contágio. “Nos municípios que têm desmatamento e mineração ilegal, os casos de Covid sobem 179%, em média”, diz Laudares.

Existem no Brasil 311 povos indígenas, totalizando 760 mil pessoas (0,36% da população total). Em 31 de agosto de 2020, a pandemia havia afetado 158 dessas comunidades. Os casos de Covid-19 nos indígenas representavam até aquele mês entre 0,6% e 0,8% do total registrado no país.

Conforme a pesquisa, na região amazônica a mortalidade indígena é a maior entre todos os grupos étnicos. Já no conjunto do País, “pardos” e negros apresentam o maior número de mortes por coronavírus.

Na quinta-feira (22), o ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), rejeitou o Plano Geral de Enfrentamento e Monitoramento da Covid-19 para os Povos Indígenas apresentado pelo governo Bolsonaro à Corte. Segundo Barroso, o documento é “genérico e vago”, o que inviabiliza a fiscalização de sua implantação. O magistrado deu 20 dias para o governo entregar um novo planejamento.

No início de agosto, o STF decidiu por unanimidade referendar a decisão individual dada por Barroso, em 8 de julho. O ministro havia determinado a obrigação do Executivo de adotar diversas medidas a fim de conter o avanço do coronavírus entre os indígenas. Na ocasião, a Corte mandou a União elaborar um planejamento para impedir a disseminação da doença na população indígena.

O desmatamento elevado e as queimadas sem controle sob a gestão Bolsonaro desgastaram a imagem internacional do Brasil. A Europa, por exemplo, ameaça travar o acordo com o Mercosul. Mesmo com a queda no desmatamento em 2020 (na comparação com 2019), quase 1.000 km² de floresta foram derrubados neste ano.

Com informações da Folha de S.Paulo

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