Exclusão: maioria das mulheres negras não exerce trabalho remunerado

Apenas 8% das trabalhadoras negras formais ocupam cargos de gerente, diretora ou sócia proprietária de empresas

A crise econômica, agravada pelo governo Jair Bolsonaro e pela pandemia de Covid-19, foi ainda mais nocivo às mulheres negras. Conforme pesquisa realizada pela consultoria Indique Uma Preta e pela empresa Box1824, menos da metade desse segmento exerce trabalho remunerado e apenas 8% das que trabalham no mercado formal ocupam cargos de gerente, diretora ou sócia proprietária de empresas.

Prevista para ser lançada nesta quarta-feira (28), a pesquisa “Potências (in)visíveis: a realidade da mulher negra no mercado de trabalho” ouviu mil mulheres negras, com idades entre 18 e 65 anos, entre março e setembro deste ano. O levantamento mostra a importância de as empresas estarem atentas à diversidade, não apenas nos processos de seleção – mas também na evolução da carreira das profissionais negras dentro das corporações.

Das entrevistadas, 54% não exerciam trabalho remunerado e, destas, 39% estavam em busca por emprego. “Apesar de a população negra ser a maioria da população, ela é ao mesmo tempo a mais subutilizada e mais desocupada. É uma força de trabalho ativa que não consegue entrar no mercado de trabalho e acaba exercendo suas habilidades aquém do que poderia”, observa Malu Rodrigues, pesquisadora cultural e estrategista de conteúdo da Box1824

Na fatia de 46% que estava trabalhando, 20% estavam ocupadas como autônomas. Das empregadas no mercado de trabalho formal, apenas 2% ocupavam cargos de diretora, 3% de sócia proprietária e outros 3% de gerente. Presidentes e vice-presidentes eram tão poucas que, na pesquisa, o percentual arredondado é de 0%, embora haja casos isolados, principalmente no Nordeste. A maioria das empregadas no setor formal eram assistentes ou auxiliares (23%), profissionais de administrativo ou operacional (18%), analistas (8%) e estagiárias ou trainees (5%).

Cerca de 72% das entrevistadas relatou também não ter sido liderada por uma mulher negra nos últimos cinco anos de trabalho. Entras as mulheres negras ouvidas, 51% afirmaram que receber promoções foi difícil ou muito difícil nos últimos anos e 37% se disseram insatisfeitas ou muito insatisfeita com a falta de oportunidades para crescimento.

“A baixa presença das mulheres negras em cargos de liderança reflete o quanto a diversidade e inclusão não é pensada dentro dessas estruturas”, avalia Verônica Dudiman, sócia e cofundadora da consultoria Indique Uma Preta. “Não é só sobre contratar essas mulheres. Elas precisam se manter e ser reconhecidas. Para além de abrir processos de trainee, é necessário olhar para as mulheres que já estão na empresa e avaliar quais políticas estão acordadas ali para que o desenvolvimento dessas profissionais aconteça.”

O ambiente de trabalho também perpetua relações racistas, segundo a pesquisa. Das entrevistadas, 51% relataram já ter escutado piadas relacionadas a cor, cabelo ou aparência no ambiente de trabalho; 49% disseram já terem se sentido desqualificadas profissionalmente, mesmo tendo a formação necessária para ocupar tal espaço; e 37% contaram que tiveram uma opinião, posicionamento ou ideia silenciada, enquanto a opinião de pessoas brancas eram ouvidas ou valorizadas.

A pesquisa identificou quatro principais barreiras que impedem o avanço das mulheres negras no mercado de trabalho. A primeira delas seria o mito de que essas profissionais não teriam a qualificação necessária. Porém, os negros são maioria nas universidades públicas (50,3%, segundo dados do IBGE de 2019).

Além disso, as profissionais negras buscam constantemente melhorar sua formação: 43% delas pretendem voltar ou continuar a estudar e 31% desejam fazer cursos específicos de capacitação em sua área de atuação. Segundo Malu, as exigências de capacitação são muitas vezes usadas como barreiras no processo seletivo.

Medidas como flexibilizar a exigência de inglês fluente e ampliar o leque de universidades consideradas na seleção contribuem para melhorar a diversidade. “O mercado exclui diferentes tipos de experiência e invalida trajetórias profissionais”, diz Malu. “Não basta as mulheres negras estarem nas universidades – elas ainda assim são inferiorizadas, por mais que tenham a formação.”

Outra barreira identificada pelas pesquisadoras é o fato de que boa parte das contratações no País são feitas por indicação, e não por processo seletivo. Segundo o levantamento, 46% das mulheres negras ingressaram no seu trabalho atual por processo seletivo, contra 26% que entraram por indicação e 27% que entraram de outras formas. Como os brancos são hoje maioria no mercado de trabalho formal – e pessoas brancas tendem a ter mais outras pessoas brancas entre seus conhecidos –, o mecanismo de indicação acaba perpetuando a desigualdade.

As outras duas barreiras identificadas pelas pesquisadoras são políticas de diversidade genéricas adotadas pelas empresas e o medo das corporações de errar ao adotar ações de inclusão, que leva a uma paralisia. “As empresas estabelecem metas de diversidade pelo que é mais fácil: equidade de gênero, paridade salarial. Mas isso acaba favorecendo as mulheres brancas”, diz Malu. “As empresas visam incluir, mas não olham para as mulheres negras considerando suas particularidades. Todas as diversidades são colocadas dentro de uma mesma meta.”

Para as pesquisadoras, a diversidade só traz vantagens às empresas, como o ganho de reputação entre consumidores, melhora de performance e ganhos de inovação, a partir das perspectivas plurais de um time de funcionários mais variado. “Nunca vimos tanto quanto agora a empresa ser definida pelas suas ações feitas da porta para dentro. Essa pressão social fez com que essa pauta deixasse de ser apenas uma premissa, para se tornar um diferencial”, conclui Malu.

Com informações da Folha de S.Paulo

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