Como Donald Trump e os republicanos tentarão roubar a eleição

À medida que Biden vence Trump em estado após estado, o presidente está desesperado. Está convencido de que a única maneira de permanecer no cargo é desacreditar a própria eleição e assumir o controle da contagem

Donald Trump num comício em Jacksonville, Flórida (EUA), em 24 de setembro de 2020 | Evan Vucci / AP

Donald Trump planeja roubar a eleição. Esta afirmação não é uma tática assustadora, nem a abertura de uma discussão sobre o fascismo nos EUA. Isso é o que Trump nos diz. Pior ainda, o Partido Republicano vai protegê-lo enquanto ele faz isso.

À medida que Biden vence Trump em estado após estado, o presidente está desesperado. Está convencido de que a única maneira de permanecer no cargo é desacreditar a própria eleição e assumir o controle da contagem.

Seu plano é o que se ouve na mídia todos os dias: cédulas de votação são fraudulentas por definição; a única maneira de perder é se a eleição for fraudada; cédulas que não são contadas no dia da eleição não são levadas em conta. Essa enxurrada de propaganda foi projetada para nos preparar para o que ele planeja fazer quando as pessoas votarem – criar uma crise constitucional.

O pior caso não é que ele rejeite o resultado. Em vez disso, é sua intenção evitar a formação de um consenso sobre se há algum resultado.

Que isso seja possível se deve às muitas características antidemocráticas que fazem parte da Constituição desde o início, codificadas na Lei da Contagem Eleitoral de 1887.

Trump explora muitos tipos de supressão de eleitores. Ele está recrutando 50.000 capangas, xerifes e policiais em 15 estados para “patrulhar” locais de votação e impedir que os democratas “roubem” a eleição.

Em estados onde os republicanos controlam as eleições, eles estão fechando as urnas em áreas onde os democratas votam (como fizeram durante as primárias). Eles também usarão as leis de identificação do eleitor que aprovaram depois que a Suprema Corte praticamente tornou a lei inaplicável o Voting Rights Act (Lei do Direito de Voto – Nota da Redação).

Eles já estão eliminando as listas de votos dos eleitores democratas, especialmente pessoas de cor. Não é como se os republicanos não tivessem feito isso antes. Quarenta anos atrás, fizeram exatamente isso em Nova Jersey, quando formaram a Força-Tarefa Nacional de Segurança das Cédulas para intimidar eleitores e roubar a eleição. Depois de uma série de processos judiciais em que foram considerados culpados de intimidar eleitores, os republicanos foram forçados a concordar com um decreto de consentimento em que prometiam não fazê-lo novamente. Infelizmente, esse decreto de consentimento expirou antes da eleição deste ano.

Não há restrição para o que eles estão fazendo além da mobilização de um exército de observadores eleitorais próprios. Mesmo agora, os republicanos estão fazendo milhares de ligações telefônicas automáticas, especialmente para eleitores afro-americanos e latinos, alertando-os de que coisas terríveis acontecerão se eles votarem pelo correio.

Há prováveis ​​problemas também durante o tempo entre a eleição e a certificação dos resultados pelo próximo Congresso. 

Mesmo antes da eleição, os republicanos estão usando na Justiça mais de 100 casos para suprimir votos, expurgar listas de eleitores, endurecer as regras sobre cédulas provisórias, eliminar urnas, reduzir a possibilidade para votar pelo correio, prevenir votos que são antecipados antes do dia da eleição, etc. E, é claro, há a tentativa de sabotar votos por correspondência, enquanto o Senado e o presidente se recusaram a alocar dinheiro que o serviço postal dos EUA diz ser necessário para  administrar o grande número de cédulas que todos esperam.

Embora Trump não tenha poder para afetar legalmente as cédulas de correio (uma escolha que milhões de cidadãos estão fazendo para se proteger da pandemia), sua cruzada contra eles é projetada para desacreditá-los e minar a vitória esperada de Biden. Suas ameaças abertas de confiscar essas cédulas como fraudulentas se repetem continuamente. Ao mesmo tempo, ele encoraja seus partidários a votar pessoalmente no dia da eleição para criar o que muitos chamam de “miragem vermelha”, permitindo que ele reivindique a vitória na noite da eleição antes que os milhões de votos pelo correio sejam contados.

Há muitos cenários terríveis para os quais as pessoas estão se preparando, incluindo trumpistas da “segunda emenda” que aparecem em locais de votação no centro da cidade para atrapalhar a eleição. Não é difícil ver como isso poderia resultar num caos. Há apenas uma semana, os apoiadores de Trump compareceram a um local de votação em Fairfax (Virginia), formaram uma fila que os eleitores tiveram que contornar, e gritaram “Mais quatro anos!” Trump decidiria invocar o ato de insurreição? O procurador-geral Bill Barr enviaria delegados para apreender as cédulas?

Não deveríamos acreditar em Trump quando ele se recusa a aceitar uma transferência pacífica de poder se perder a eleição?

Apesar de tudo isso, é importante ter em mente o que o sindicalista Michael Podhorzer, da AFL-CIO, escreveu: “Não podemos permitir que as ameaças constantes de Trump minem a confiança dos eleitores. Perto da eleição, fazemos o trabalho de Trump por ele quando respondemos às suas ameaças, em vez de lembrar aos eleitores que são eles decidirão quem será o próximo presidente se votarem.”

No sistema dos EUA, o discurso de aceitação pelo candidato derrotado é tradicionalmente visto como o “reconhecimento do vencedor”. Sem isso, Trump, os republicanos e a direita continuarão a argumentar que a eleição foi roubada e que Trump é o presidente de direito.

Durante esse “interregno”, não existe uma fonte única de autoridade. É concebível que Trump leve caso após caso aos tribunais federais, tentando terminar em sua nova Suprema Corte, onde tem a maioria. É ingênuo pensar que a Corte vai “ficar fora disso”.

A maioria das pessoas pensa que, quando Trump perder, ele se recusará a ceder. Isso significa que, da noite da eleição até o Congresso certificar o vencedor, a votação no Colégio Eleitoral, pode-se esperar que Trump desafie a ideia de que perdeu. Isso acontecerá durante a certificação dos eleitores vencedores de cada estado (no colégio eleitoral), o que está previsto para 14 de dezembro de 2020.

Não há dúvida de que Trump tentará desafiar os eleitores (do colégio eleitoral) em estados onde perdeu no voto popular. Baseando suas alegações de “fraude desenfreada”, não está fora de cogitação que ele peça às legislaturas mantidas pelos republicanos e aos governadores republicanos para nomear eleitores com base em sua determinação de que a contagem oficial é fraudulenta.

Na Pensilvânia, os líderes republicanos, incluindo o presidente estadual do Partido Republicano, já admitiram que estão tendo tais conversas. O líder da maioria no Senado estadual disse à imprensa: “Se a controvérsia persistir como a data de porto seguro [dezembro 14 quando os eleitores devem ser escolhidos] se aproxima, a legislatura não terá escolha a não ser nomear os eleitores.”

Quanto mais Trump mantiver a eleição em dúvida, mais pressão esses republicanos estaduais receberão de Trump, líderes republicanos e doadores para agirem em seu nome.

É preciso lembrar que, como resultado da gerrymandering, os republicanos controlam as duas casas das legislaturas estaduais em Michigan, Carolina do Norte, Pensilvânia e Wisconsin. Os governadores são todos democratas e, com sorte, eles vetariam qualquer tentativa de suas legislaturas de roubar a eleição; mas não é difícil ver como as forças de Trump podem criar o caos, ou como isso pode resultar no envio de dois grupos de eleitores pelo estado ao Congresso.

Esses eleitores formam o Colégio Eleitoral que vota no presidente. Esta disposição antidemocrática e retrógrada desde os primeiros dias da nação foi estabelecida para impedir que o povo realmente elegesse o presidente, para garantir que apenas pessoas “educadas e responsáveis” fizessem a escolha, e não uma “turba”.

Quem faz a contagem e quem decide quais eleitores contar? A Décima Segunda Emenda, que estabelece os procedimentos pelos quais o presidente e o vice-presidente são eleitos, nada diz sobre o que o Congresso deveria fazer se um estado enviar dois grupos concorrentes de eleitores. Nem o Ato de Contagem Eleitoral de 1887, que supostamente controla a forma como os eleitores são contados. Haverá discussões sobre se o vice-presidente, como chefe do Senado que deve receber as certificações dos estados, ou o voto de ambas as casas prevalecerá. Felizmente, este será o novo Congresso, então se os democratas retomarem o Senado, Trump e os republicanos podem ser bloqueados (outra razão para eleger uma maioria democrata no Senado).

Se nenhuma maioria dos eleitores for determinada pelo Congresso, a eleição vai para a Câmara. Mas na Câmara, há apenas um voto por estado. Atualmente, os republicanos detêm a maioria em 26 delegações estaduais e os democratas em 22. A Pensilvânia está empatada; Michigan está igualmente dividido, com uma vantagem democrata. Se a eleição for para a Câmara, será para a nova Câmara eleita em novembro. É revelador que Nancy Pelosi já esteja pedindo a seus membros que garantam que ganhem novos assentos suficientes para garantir que os democratas tenham a maioria em delegações suficientes, se for o caso.

Se nada mais definir a eleição, o mandato de Trump chega ao fim em 20 de janeiro. Se não houver um presidente determinado até essa data, a Presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, assume a presidência. Não é preciso muita imaginação para conceber o caos se isso acontecer.

Se alguma dessas eventualidades acontecer, o procurador-geral Bill Barr e os capangas do presidente (a patrulha de fronteira, o ICE, o Bureau of Prisons e outras forças da polícia federal) podem intervir e tentar tomar o poder pela força.

Tudo isso para dizer que a única forma de salvaguardar a democracia é votar em massa em Biden, uma maioria tão grande que ninguém, nem mesmo o atual presidente, possa argumentar que Trump venceu. Dadas as tendências de Trump, quanto mais restrita for a vitória de Biden, mais a democracia estará em perigo.

Mike Bayer é ativista político veterano, historiador, marxista, escritor e “fanático por cinema”.

Fonte: “The People´s World”I; tradução: José Carlos Ruy

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