Descaso do governo com Cinemateca sensibiliza diretor Martim Scorsese

Fechada há 300 dias, situação de Cinemateca Brasileira preocupa profissionais ligados ao cinema e à memória ao redor do mundo

Foto: Andreia Reis / Cinemateca Brasileira

A Cinemateca Brasileira completou 300 dias de fechamento no Dia Mundial da Memória Audiovisual, 27 de outubro. Diversas organizações projetaram nas fachadas dos prédios vazios mensagens de solidariedade de diferentes cinematecas do mundo.

Entre elas estava uma carta do cineasta Martin Scorsese, presidente da Film Foundation, instituição dedicada ao restauro de filmes do mundo inteiro:

“Escrevo para manifestar minha preocupação com a Cinemateca Brasileira. Preocupação não é a palavra adequada. Trata-se de angústia e absoluta incredulidade. A possibilidade de que a maior coleção audiovisual da América Latina tenha sua verba suspensa em meio a uma pandemi é totalmente inconcebível”, ele escreveu.

“As artes não são um luxo —são uma necessidade, como bem o demonstra seu papel incontestável na história da humanidade. E a preservação das artes, especialmente de uma tão frágil quanto o cinema, é um trabalho difícil, mas essencial. Esta não é minha opinião. É um fato. Espero sinceramente que as autoridades federais do Brasil abandonem qualquer ideia de retirada do financiamento e façam o que precisa ser feito para proteger o acervo e a dedicada equipe da Cinemateca”, afirma Martin Scorsese.

O arquivo completo de Glauber Rocha, maior expoente do Cinema Novo. As películas do cinejornal futebolístico Canal 100, feitas entre 1958 e 1986. As gravações de Marechal Rondon sobre as Forças Expedicionárias Brasileiras. O original de O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto, que fez sucesso em Cannes e é considerado o primeiro filme brasileiro com reconhecimento internacional. Esses são alguns dos tesouros guardados no maior acervo de imagens em movimento da América do Sul, a Cinemateca Brasileira, em São Paulo.

Criada na década de 1940 e conhecida como a quinta maior cinemateca em restauro do mundo, a instituição abriga 250 mil rolos de filme, sendo 44 mil títulos de curta, média e longa-metragens, além de programas de TV e registros de jogos de futebol. O custo de manutenção é de R$ 1,2 milhão por mês.

A crise da cinemateca não vem de hoje. Em 2013, foi acirrada pela desastrosa intervenção da então ministra da Cultura, Marta Suplicy, com acusações até hoje não comprovadas. Durante o governo Temer, sua gestão foi entregue à Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto. No fim do ano passado, o ex-ministro da Educação Abraham Weintreub suspendeu o contrato com a Associação Roquette Pinto, que se estendia até o fim de 2021.

Os 150 funcionários que trabalham e mantém a Cinemateca funcionando mesmo com salários atrasados e condições desfavoráveis de trabalho receberão nesta quarta-feira (04/11) o Prêmio Humanidade da 44ª Mostra Internacional Cinema de São Paulo.

Em julho, os funcionários chegaram a entrar em greve, incluindo a brigada de incêndio, fazendo pairar sobre o local o fantasma da tragédia do Museu Nacional, que pegou fogo em 2 de setembro de 2018. Os rolos de películas em nitrato de celulose, que correspondem aos filmes produzidos até os anos 1950, são altamente inflamáveis, já que essa substância tem a propriedade de entrar em combustão espontânea, ou seja, a capacidade de incendiar-se apenas com calor. Por isso, algumas paredes da instituição têm até 2 metros de espessura e algumas salas contam com sistema de refrigeração específico.

Apesar dos cuidados, a Cinemateca já enfrentou quatro incêndios. O mais recente, em fevereiro de 2016, destruiu definitivamente 270 títulos e outras 461 obras que tinham cópia de segurança. Em fevereiro deste ano, uma enchente no depósito da instituição danificou 113 mil cópias de DVDs.

A Secretaria Especial da Cultura promete um edital para selecionar o próximo gestor da Cinemateca.

Com informações de Folha de S.Paulo

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