Manuel Merino, presidente interino do Peru, renuncia após protestos

Político havia assumido o cargo há cinco dias após a destituição de Martín Vizcarra, em um processo considerado ilegal por juristas e políticos

Merino sendo empossado, em meio a protestos, cinco dias antes de renunciar. Fotos Públicas

Menos de uma semana depois de assumir interinamente a presidência do Peru, Manuel Merino renunciou ao cargo neste domingo (15), pressionado por protestos de rua que ocorrem desde terça-feira – os quais deixaram ao menos dois mortos e dezenas de feridos. Partidos políticos pediam a renúncia de Merino, neste domingo, após a convulsão social instaurada no país.

Desde a destituição do presidente Martín Vizcarra, aprovada pelo Congresso em votação contestada por juristas e políticos peruanos, manifestantes saem às ruas contra o novo governo interino. No sábado, duas pessoas morreram nos protestos. Neste domingo, Merino perdeu o apoio majoritário do Congresso e parte de seu gabinete afirmou que renunciaria. 

No sábado, os protestos acabaram com dois mortos – Jack Bryan Pintado Sánchez, de 22 anos, e Inti Sotelo Camargo, de 24 anos – e 94 feridos, segundo o Ministério da Saúde. De acordo com a Coordenação Nacional de Direitos Humanos, o número de feridos passa de 100 e há 41 manifestantes desaparecidos. 

O atual presidente do Congresso peruano, Luis Valdéz, em entrevista coletiva, havia afirmado neste domingo que se Merino não apresentasse sua renúncia, o Congresso unicameral iniciaria um processo de impeachment.

“Quero tornar público que apresento minha renúncia”, afirmou Merino em pronunciamento neste domingo. Manifestantes no centro da capital, Lima, comemoraram. No pronunciamento, Merino disse ter recebido cartas de renúncias de diferentes ministros, mas afirmou que eles ficam nos cargos “até que o período de incerteza passe” e “não haja um vazio de poder”.

Merino assumiu a presidência do Peru na terça-feira, um dia após a destituição de Vizcarra, acusado de “incapacidade moral” por denúncias de recebimento de propina para autorizar obras públicas quando era governador de Moquegua (ao sul do país), em 2014. Como Vizcarra não tinha vice-presidente, foi substituído por Merino, presidente do Congresso e integrante do grupo político de centro-direita Ação Popular (AP).

A destituição de Vizcarra levou a diversos protestos e questionamentos sobre o cumprimento da Constituição no país. Em entrevista ao jornal peruano El Comercio, o escritor e Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa afirmou que o Congresso violou a Constituição. “Foi um fato lamentável, como disseram vários juristas peruanos, entre eles o ex-primeiro-ministro Pedro Cateriano, que considerou a atuação do Congresso um verdadeiro golpe de Estado. Acho que a Constituição é muito clara, um presidente pode ser acusado, mas só pode ser investigado ao término de seu mandato. Claramente, o Congresso violou a Constituição”, afirmou Llosa. 

“A lei autoriza que o Parlamento destitua um presidente por permanente incapacidade moral, mas não define o que é isso. É uma cláusula ambígua e ampla que no fim se resume ao peso dos votos. A primeira votação de destituição do Vizcarra tinha ido para a Justiça, mas o Tribunal Constitucional ainda não tinha dado um parecer quando se tramitava o segundo processo. Diante desse cenário, o Parlamento tomar a decisão de destituir o presidente torna o assunto dúbio. Muitos acreditam que, de certa forma, foi inconstitucional”, afirmou o constitucionalista peruano Luciano Lopez no início da semana.

Jovens mortos

Um dos mortos é Inti Sotelo Camargo, 24 anos, estudante de hotelaria e turismo que faleceu em um pronto-socorro de Lima. O pai da vítima afirmou que o corpo tinha quatro marcas de tiros. O outro morto também era um jovem estudante, Bryan Pintado Sánchez, de 22 anos.

“Lamento profundamente as mortes ocorridas por causa da repressão feita por esse governo ilegal e ilegítimo. Minhas condolências aos familiares desses heróis civis que, exercendo seu direito, saíram em defesa da democracia e em busca de um país melhor”, escreveu Vizcarra no Twitter.

O ex-presidente sofreu impeachment em 10 de novembro, graças aos votos de 105 dos 130 deputados peruanos, que alegaram “incapacidade moral” de Vizcarra por supostos subornos recebidos quando ele era governador de Moquegua, em 2011. O então mandatário negou ter recebido propina e disse que as acusações não encontram respaldo na Justiça e no Ministério Público.

Mobilização contra “golpismo”

Foi justamente o aumento dos protestos contrários ao governo Merino e a forte repressão policial que custou o pouco apoio político que ele tinha. “O Congresso deve pedir perdão ao país por uma decisão tão irresponsável (de destituir Vizcarra)”, disse a congressista Mirtha Vásquez, uma dos 19 integrantes do partido Frente Ampla que votaram contra a saída de Vizcarra.

“Conseguimos. Se deram conta do que somos capazes de fazer?”, escreveu em suas redes sociais o jogador peruano Renato Taipa. Após o anúncio da renúncia, o centro de Lima voltou a ser palco de manifestações, dessa vez em comemoração. 

Ainda neste domingo, o Congresso fará uma sessão extraordinária para definir quem assume a presidência do país. Analistas acreditam que deve ser eleito algum congressista que tenha votado contra a destituição de Vizcarra e possa, assim, ter maior base de apoio interno e popular. Existe a possibilidade de que o nome saia do Partido Morado – único que votou de forma unânime contra a destituição. 

O novo presidente será o terceiro a comandar o país em menos de uma semana e terá de lidar com as consequências da pandemia do novo coronavírus e a crise econômica, somadas à grave crise política.

Com informações das agências internacionais

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