De Olho no Mundo, por Ana Prestes

A morte do ex-presidente do Uruguai, Tabaré Vazquez, e as eleições legislativas na Venezuela são destaques na análise da cientista política Ana Prestes. A vacinação da Covid-19 no Reino Unido e na Rússia, os números da doença no mundo, o novo chanceler da Síria, a exportação de minério de ferro para a China, as relações diplomáticas entre Irã e EUA e a greve de trabalhadores na Índia são outros assuntos desta segunda-feira (7).

Morre ex-presidente do Uruguai Tabaré Vázquez | Foto: Divulgação

O Uruguai se despediu do ex-presidente Tabaré Vazquez neste domingo (6). Seu falecimento foi informado por dirigentes da Frente Ampla. Ele estava com 80 anos e sofria as consequências de um câncer de pulmão que noticiei aqui nestas Notas em agosto do ano passado. Tabaré foi o primeiro presidente eleito com um projeto de esquerda no Uruguai, em 2004. Seu partido era a Frente Ampla. Presidiu o país entre 2005 e 2010, foi sucedido por José Mujica e voltou em 2015. Passou a faixa para Lacalle Pou (Partido Nacional – blancos), atual presidente, em março desse ano. Blancos e colorados revezaram o poder no Uruguai por muito tempo antes da vitória da Frente Amplia com Tabaré. O ex-presidente e atual, Lacalle Pou, deram sinais da institucionalidade democrática do país quando foram juntos para a posse de Alberto Fernández na Argentina, em dezembro do ano passado, e nos últimos dias quando Pou se solidarizou publicamente com a família e elogiou o legado de Vazquez para o país.

Ocorreram ontem (6) na Venezuela as eleições legislativas nacionais. Estavam em disputa os 227 cargos de parlamentares da Assembleia Nacional, com posse prevista para 5 de janeiro. Até o último boletim do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), com pouco mais de 80% dos votos apurados, a coligação Grande Polo Patriótico, governista, estava liderando com mais de 60% dos votos. Um dos opositores a Maduro e ao PSUV, Juan Guaidó, parlamentar eleito para a Assembleia Nacional em 2015 e que se autoproclamou presidente do país em 2019 não participou do processo eleitoral. Segundo ele, as eleições foram fraudadas. Ele e outros parlamentares estão convocando um plebiscito para sábado (12) para prolongar o mandato dos eleitos em 2015. Na prática, a eleição de ontem encerra um ciclo Guaidó. Muito improvável que ele consiga se “reinventar” de alguma forma pelo descrédito em que caiu tanto interna quanto externamente. Outros setores oposicionistas a Maduro aceitaram o pleito e participaram do processo elegendo seus parlamentares. O processo eleitoral de domingo foi acompanhado por observadores internacionais, entre eles alguns de destaque como o ex-premiê espanhol Zapatero, os ex-presidentes Rafael Correa (Equador), Fernando Lugo (Paraguai) e Evo Morales (Bolívia). O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, e o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, classificaram a eleição como farsa. Poucos dias antes da eleição, a OEA soltou um novo relatório de descumprimento dos direitos humanos no país e atacou Fatou Bensouda, promotora-chefe do TPI (Tribunal Penal Internacional) por não tomar nenhuma ação contra o regime de Maduro. Um dos maiores desafios da nova Assembleia eleita para o país será ajudar o país a enfrentar a crise econômica decorrente do bloqueio e das sanções, além dos impactos da pandemia, como em todo o mundo. O cenário econômico é de hiperinflação, desemprego e desabastecimento de combustível, que o governo tem atuado para reverter com parcerias como a do Irã.

Começa amanhã, 8 de dezembro, no Reino Unido, a aplicação da vacina contra o coronavírus Sars-Cov-2 elaborada pelas farmacêuticas Pfizer (americana) e BioNTech (alemã). Há críticas entre outros países europeus quanto à velocidade de aprovação da adoção da vacina no país. A Agência Europeia de Medicamentos (EMA), que atua em nome dos 27 estados-membros da UE, chegou a dizer que o RU “sacrificou o rigor no interesse da velocidade”. Na verdade corre uma disputa comercial por trás desse pronunciamento, países como França e Alemanha não querem admitir que de certa forma estão perdendo essa corrida pela vacina para proteger suas populações, além de dar discurso e argumentos para os que querem o fim do bloco. A vacinação no RU vai começar pelos idosos acima dos 80 anos, profissionais de saúde e moradores de casas de repouso, que foram verdadeiros centros de proliferação do vírus durante a pandemia. Nesta primeira campanha, serão vacinadas 20 milhões de pessoas. Essa vacina possui uma característica que dificulta seu transporte e armazenamento que é a exigência de estar em uma temperatura de 70ᵒC negativos. O Reino Unido possui uma população de 67 milhões de pessoas e perdeu mais de 61 mil vidas para o Coronavírus.

Outra vacina que começou a ser aplicada nos últimos dias (sábado, 5) foi a russa Sputnik V, elaborada pelo Instituto Gamelaya de Moscou. Na capital Moscou foram abertos 70 centros especiais de vacinação e a prioridade são os profissionais de saúde, assistentes sociais e professores. A campanha começou enquanto a última fase dos testes clínicos com 40 mil voluntários ainda não foi concluída no país. A Sputnik V precisa ser aplicada em duas doses, com um intervalo de 21 dias. Segundo o governo russo, ela estará disponível para toda a população que será incentivada a se vacinar voluntariamente através de inscrições pela internet. No final de semana, a imprensa repercutiu uma fala do prefeito de Moscou, Sergei Sobianin, que informou a inscrição de 5 mil pessoas nas primeiras cinco horas de abertura dos agendamentos online. A Rússia tem uma população de 145 milhões de pessoas e perdeu mais de 43 mil vidas para o Coronavírus.

Por falar em números do coronavírus, EUA, Índia e Brasil continuam na liderança do número de casos com 14 milhões nos EUA, 9 milhões na Índia e 6 milhões no Brasil. Os EUA já passaram das 280 mil vidas perdidas e se aproximam rapidamente das 300 mil. O Brasil vem em segundo lugar com mais de 170 mil vidas perdidas e em terceiro a Índia com 140 mil.

A Síria possui um novo chanceler desde o final de novembro, Faisal Al-Miqdad, e sua primeira missão ao estrangeiro será hoje ao Irã. Miqdad já estava no Ministério de Relações Exteriores do Irã como vice-ministro e é conhecido por suas falas duras contra a política externa dos EUA e da Turquia em relação à Síria.

Uma matéria do Nexo Jornal da semana passada mostra um indicador gerado pela pandemia que pode ter passado despercebido para muita gente. O boom do minério de ferro provocado pela recuperação acelerada da economia chinesa. O crescimento da indústria chinesa nos últimos meses aumentou a demanda por aço, o que significou uma elevação das compras de minério de ferro. A produção industrial na China em out/20 é 12,7% maior do que no mesmo período de 2019. Segundo a World Steel Association, 58% de todo o aço produzido nos primeiros 10 meses de 2020 foi produzido na China. Isso interessa muito ao Brasil, pois o país é o segundo maior exportador de minério de ferro do mundo, atrás apenas da Austrália. O produto foi o segundo bem com maior peso em valor nas exportações do Brasil em 2020, atrás apenas da soja. De todo o minério de ferro vendido pelo Brasil em 2020, 71,6% foi para a China. E os Bolsonaros seguem brigando com a China…

Nos bastidores da política externa americana no atual momento de transição da gestão Trump para a gestão Biden foi feita uma movimentação que pode demonstrar distensionamento com o Irã. Foram retirados funcionários americanos da Embaixada dos EUA em Bagdá, no Iraque. A movimentação pode ser também por temor a represálias após o assassinato do físico nuclear iraniano Mohsen Fakhrizadeh, chefe do Dept. de Pesquisa e Inovação do Ministério da Defesa do país, e a proximidade do 3 de janeiro, um ano do assassinato do general Suleimani no aeroporto de Bagdá. O novo presidente eleito americano, Biden, disse que o país voltará integralmente ao acordo de 2015 (que impede o Irã de desenvolver armas nucleares) se o Irã obedecê-lo integralmente. O Irã respondeu na última quinta (3) que cumprirá integralmente o acordo desde que EUA e Europa cumpram seus compromissos.

O final de semana foi de tentativas de diálogo na Índia entre o governo e pequenos e médios agricultores por conta de uma reforma do setor agrícola que o governo do BJP tenta aprovar e gerou uma greve de trabalhadores de grandes proporções, iniciada nos estados de Punjab e Haryana e que pode se espalhar por todo o país a partir de amanhã (8). Há novas negociações previstas para quarta (9). Os agricultores acusam o governo de aprovar uma lei que autoriza o Estado a deixar de comprar o mínimo de grãos e outros produtos cultivados a um preço pré-fixado e que isso resulte na selvageria comercial de empresas e corporações que podem puxar os preços para níveis insustentáveis para os trabalhadores e pequenos produtores rurais. O primeiro-ministro Narendra Modi insiste que o projeto vai beneficiar os agricultores por atrair investimentos privados, mas os manifestantes dizem que nunca foram consultados pelo governo. A lei foi aprovada em setembro e já houve 5 tentativas de negociação, pelo que diz a imprensa.

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