Luciana Santos: Precisamos debater o “lugar político” do PCdoB

“Temos de abrir e organizar o debate entre nós desde já”, afirma a presidenta do PCdoB

Com base em seu projeto político, no quadro nacional e nos resultados eleitorais de 2020, o PCdoB deve se preparar melhor para enfrentar as eleições 2022 e a batalha da cláusula de barreira. Os comunistas devem tirar ensinamentos não só das urnas – mas até da trajetória de partidos comunistas de outros países. “Após fazer isso, temos de construir uma saída própria, a partir da nossa circunstância, a partir do que é o nosso partido, de nossas experiências e dos nossos quadros”, disse a presidenta do PCdoB, Luciana Santos, nesta sexta-feira (11), na abertura da reunião do Comitê Central do Partido.

Foi a primeira reunião da direção nacional desde o fim, em 29 de novembro, da eleição municipal. O desempenho eleitoral do PCdoB, “aquém do esperado” – nas palavras de Luciana –, induz ainda mais os comunistas a fazerem uma ampla discussão sobre seus rumos. Em 2021, o PCdoB também realizará seu 15º Congresso.

Segundo Luciana, “temos de abrir e organizar o debate entre nós desde já. As condições para atingirmos a cláusula de barreira nas eleições 2022 se tornaram mais difíceis”, diz Luciana. Ela sublinhou, porém, que com espírito de luta – e se movimentando pelo “realismo esperançoso” de que falava o escritor Ariano Suassuna –, o Partido pode sim, encontrar novas formas e caminhos que o levem a preservar sua decisiva presença no parlamento brasileiro.

“Precisamos coesionar o partido e pensar sem restrições com vistas a superar esse desafio. Qual o lugar político do PCdoB?”, provocou a dirigente. “O congresso deve ser o momento de congraçamento político. É preciso colocar luzes e refletirmos de modo mais aprofundado sobre os nossos rumos.”

Para Luciana, o ano de 2020 “marcará gerações ao redor do mundo”, devido à pandemia de Covid-19. “É um fenômeno único que paralisou as atividades econômicas e sociais de bilhões de pessoas. Ao mesmo tempo, a pandemia deixou mais evidentes as desigualdades – e o quanto é essencial o papel do Estado e do poder nacional”.

Do ponto de vista geopolítico, um dos impactos da pandemia foi escancarar o “desgoverno de Donald Trump”, que subestimou a crise sanitária nos Estados Unidos e perdeu a disputa à reeleição. “Não devemos esperar mudanças dos objetivos estratégicos dos EUA e do seu caráter imperialista, mas a derrota do Trump abala o sistema de referências e aliados do bolsonarismo.”

O risco de uma segunda onda de Covid-19 lança igualmente uma corrida pela vacina tal qual “um verdadeiro esforço de guerra”, no qual “a China demonstra sua força”. Segundo Luciana, “produzir e desenvolver parcerias para o acesso da vacina demonstram a capacidade de inovação e resolutividade da China socialista”.

No Brasil, depois de um primeiro semestre de ataques a instituições como o parlamento e o Judiciário, a frente ampla conseguiu deter as “marchas da insanidade” do presidente Jair Bolsonaro. “A frente impôs limites importantes ao bolsonarismo, que o fizeram recuar por ora de seus métodos.” Ainda assim, não há “área da administração pública federal que funcione”, a começar por Educação e Saúde, que já somam, cada uma, três ministros. E Bolsonaro continua a negligenciar a pandemia, mesmo com as novas altas no número de casos e mortes.

Na economia, “o País vive sua maior crise, e não há um plano concreto para enfrentar a situação”. A retração do PIB em 2020 será de mais de 5%, e o número de desempregados saltou de 10,1 milhões em maio para 13,8 milhões em outubro. “O desemprego é o grande calcanhar-de-aquiles que deve acompanhar o governo Bolsonaro até as eleições 2022”, afirma Luciana. “Com a retirada súbita do auxílio emergencial – que beneficia mais de 66,2 milhões de pessoas –, as projeções são de que iniciemos 2021 com nova recessão – e com um caldeirão social fervendo.”

Segundo a presidenta do PCdoB, dada a disputa pelo protagonismo político das vacinas, “os negacionistas associados ao bolsonarismo vão atuar. Poderemos ver de tudo nos próximos meses”, inclusive a criminosa disseminação de fake news anti-vacinas. “A batalha da vacina é uma luta pela vida. Devemos estar atentos a ela e a seus desdobramentos”, frisou Luciana. É o que faz o governador Flavio Dino (PCdoB-MA), que desde o primeiro instante tem liderado o enfrentamento à Covid-19 e, agora, atua para garantir o acesso da população à vacina.

Eleição atípica

Com a associação das restrições decorrentes da pandemia às novas regras eleitorais (como o fim das coligações proporcionais), a eleição foi “profundamente atípica”, conforme Luciana Santos. “Uma eleição sem gente, sem contato, sem corpo a corpo pesa mais para nós, por nossa característica de fazer campanha.” Outra marca da disputa municipal foi a taxa recorde de abstenção – de 23,14% no primeiro turno e de 29,5% no segundo.

Das urnas, quem saiu com principal derrotado foi Bolsonaro e sua política extremista. “A tática de frente ampla, de isolar o bolsonarismo, produziu resultados – e isso tem nosso DNA”, resume Luciana. “A política prevaleceu. A questão democrática foi a vitoriosa.” Como presidente, Bolsonaro pode até exercer seu “forte poder de cooptação” sobre os novos prefeitos, que enfrentarão muitas dificuldades financeiras. “Mas seu futuro depende de como conseguirá dar condução à crise econômica, que deve ser ainda mais forte que a de 2020.”

O campo da centro-direita e direita, que “expressa identidade com a agenda liberal na esfera econômica, sem, no entanto, se identificar com o bolsonarismo”, saiu fortalecido. Além do PSDB, esse polo inclui DEM e MDB como expoentes. O chamado “Centrão” avançou, graças à votação de partidos como Republicanos, PP e PTB. De acordo com Luciana, essas legendas “apoiam Bolsonaro, participam do governo, mas têm objetivos próprios e podem se reposicionar lá na frente”.

A esquerda perdeu votos, mas deu início a um processo de renovação de lideranças. O PT – que diminuiu nas pequenas cidades e manteve a média de votos nos grandes centros – continua sendo um partido com estruturação e enraizamento. O PDT, de olho na candidatura de Ciro Gomes à Presidência em 2022, estabeleceu uma aliança prioritária com o PSB, além de fazer pontes com o centro. O PSOL, por sua vez, voltou a crescer nos grandes centros urbanos, atraindo o tradicional voto de opinião. Seu principal destaque foi Guilherme Boulos em São Paulo.

E o que mudou em favor da esquerda? Para Luciana, “cresceu um campo político que expressa uma identidade progressista e extrapola partidos. O sentimento de renovação e empolgação com a política foi marcante em candidaturas como a de Manuela D’Ávila em Porto Alegre”. Na campanha, Manu “liderou um verdadeiro levante cívico e conquistou muitos votos de fora da ‘nossa bolha’, ajudando o PCdoB a contribuir com caras novas para o debate público da esquerda. São nomes que jogarão papel importante na luta política do próximo período”.

“A presença dos comunistas na vida institucional do país é um patrimônio dos trabalhadores brasileiros e das causas justas e avançadas. É a defesa deste patrimônio que nos faz debater medidas extraordinárias”, afirma Luciana. “A exclusão da corrente de pensamento dos comunistas da vida pública seria um fato profundamente negativo.”

Um dos desafios centrais do PCdoB, para cumprir a cláusula de barreira em 2022, é melhorar seu desempenho em eleições. “Há nossas limitações organizativas e os estigmas que se relacionam à nossa presença na vida política. Todos eles se acirram quando nossa pequena, mas qualitativamente gigante bancada se encontra sob risco.” Segundo Luciana, é preciso travar esse debate sem abrir mão das concepções históricas do Partido, mas buscando mudanças que favoreçam a atuação dos comunistas hoje.

“Vamos observar a experiência dos partidos comunistas no mundo, com seus múltiplos arranjos institucionais e suas múltiplas possiblidades. E vamos enfrentar outras questões, como nosso trabalho de massas e a dificuldade de reposicionar os movimentos tradicionais”, diz Luciana.

Em 2020, o PCdoB lançou diversos candidatos majoritários e lutou para formar chapas próprias, mas teve dificuldades para aplicar, concretamente, sua tática eleitoral. “As candidaturas que conseguiram um resultado melhor foram aquelas que conseguiram atrair algum tipo de aliado.” Foi o caso de Manuela, à frente de uma batalha histórica na capital gaúcha. Já as candidaturas à prefeitura de Olívia Santana (Salvador), Orlando Silva (São Paulo) Wadson Ribeiro (Belo Horizonte), Rubens Junior (São Luís), Inácio Falcão (Campina Grande), entre outras, “deram seu recado e politizaram a disputa eleitoral”.

“Sendo realistas, com o que nós somos, com o que temos, com o que acumulamos e com os nossos limites, o resultado foi aquém do esperado. Precisamos fortalecer o Partido como uma legenda eleitoral, que enfrente as dificuldades que a legislação nos impõe”, afirma Luciana. “No Brasil, a luta institucional eleitoral hoje é a dimensão mais objetiva pela qual se dá a disputa pelo poder político. No jogo democrático, o poder se disputa é por eleições, no voto. Aí se dá a disputa real pelo poder.”

Um partido que não cumpra a cláusula de barreira perde fundo partidário e eleitoral, além de tempo de TV, “permanecendo apenas na fronteira da luta ideológica, sem condições de incidir sobre a política real”. Na visão de Luciana, para superar a cláusula, “precisamos ir além de um partido de ideias e de quadros – mudar para manter a essência. Se queremos preservar nossa identidade de classe, de força defensora dos trabalhadores, é preciso preservar o espaço da luta político institucional”.

De acordo com a presidenta do PCdoB, “o mundo da política não tem interesse na reformulação das regras eleitorais”. Mesmo assim, a bancada comunista na Câmara dos Deputados “vai esgotar todas as possibilidades de diálogo nesse terreno”. O cenário adverso deve levar os comunistas a pensarem também em “saídas intermediárias”. A seu ver, “todas as ideias devem ser postas à mesa, exercícios políticos devem ser pensados, sem interdição do debate. A única coisa vetada é não fazermos nada”.

Luciana propôs a criação de um grupo de trabalho para “apresentar um roteiro mais organizado desse debate”, cuja centralidade é o lugar político do PCdoB. Na conclusão de seu informe, a presidenta do Partido citou a frase de Ariano Suassuna: “Os otimistas são ingênuos, e os pessimistas são amargos. Bom mesmo é ser um realista esperançoso”. Para Luciana, “este espírito é o que deve nos presidir”.

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Um comentario para "Luciana Santos: Precisamos debater o “lugar político” do PCdoB"

  1. Darcy Brasil disse:

    Não sei se tenho direito de opinar. O PCdoB ao qual me referencio é um partido de heróis do povo brasileiro, é um partido de quadros, não é um partido de massas. Na minha opinião, que a tenho há muitos anos, não é possivel um partido comunista de massas, atuando no seio de uma democracia liberal burguesa. A experiência de outros países nos ensinou que esse tipo de tentativa cinduziu à degenerescência politica ideológica dos partidos comunistas, como ocorreu na Europa, com os eurocomunistas, ou com o próprio “Partidão”, no Brasil. A luta institucional, a luta pelas reformas, demanda um partido de massas, que atenda as exigências da legislação burguesa reitora das organizações partidárias legais, e da Frente de Massas que os comunistas devem nuclear. Mas, a par da luta pelas reformas, da luta institucional, há também a luta pela Revolução, pela formação permanente de dirigentes revolucionários, de quadros dirigentes, de educadores e lutadores do povo para qualquer tipo de batalha, que se dedicam de corpo e alma à educação politica, à militância politica junto aos trabalhadores e ao povo, e ao recrutamento de novos e abnegados dirigentes revolucionários, comprometidos com a idéia da necessidade de uma Revolução Socialista, e de um movimento de massas para realizá-la, para além, muito além, das instituições carcomidas da democracia de fachada burguesa. A solução, para mim, continua sendo a que eu um dia defendi, no passado: a criação de um partido de massas, nucleado pelos comunistas, para atuar no âmbito da luta institucional, como mais uma das organizações de massas, como a Central Sindical, em que os comunistas atuam, e, ao mesmo tempo, a preservação do Partido Comunista, não mais como um partido de massas, ou eleitoral, mas como um partido de quadros, de dirigentes, de revolucionários, inspirados e continuadores dos mesmos ideais revolucionários e exemplos de Diógenes Arruda, Osvaldão, João Amazonas, Maria Dolores, Rogério Lustosa, Gilse Condenzs, Sergio Miranda, Lincoln Bicalho Roque, Pedro Pomar etc. Ao partido de massas, todo comunista se filiaria obrigatoriamente, tendo na Direção Nacional indivíduos com comprovada força eleitoral ou organizativa dessa mesma luta. No Partido Comunista, todavia, somente ingressariam os indivíduos recrutados, merecedores de serem chamados pelo honroso título de comunistas. O seus cargos de direção seriam preenchidos por indivíduos comprovadamente revolucionários, com capacidade de atuar no seio das organizações de massa dos trabalhadores e do povo, como educadores politicos, como dirigentes revolucionários. O que é inaceitável é a liquidação de uma organização revolucionária comunista para atender às contingências de uma legislação eleitoral de uma democracia de fachada burguesa. Que o PCdoB funde um outro partido, sendo obrigatória a filiação de todos os comunistas nesse partido de massas. Mas que siga existindo o PCdoB como organização de quadros comunistas, com seus símbolos, estrutura organizativa peculiares, inspirados no marxismo-leninismo, orientado pelo socialismo científico, pelo centralismo democrático marxista-leninista. A transformação de uma organização comunista em uma organização de massas, sendo uma indistinguível da outra, somente será possível em uma sociedade socialista ou em uma democracia participativa popular. É isso o que eu pensava há muitos anos atrás, e parece que a prática me deu razao

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