Fundeb: Golpe transfere R$ 12,8 bi do ensino público para o religioso

O projeto de lei passou pela Câmara na semana passada e deve, agora, ser analisado pelo Senado

(Foto: Reprodução)

Uma manobra feita de última hora na Câmara dos Deputados destroçou o projeto de lei do novo Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica). Com o golpe, até R$ 12,8 bilhões podem ser transferidos, por ano, da rede pública para escolas confessionais (religiosas), filantrópicas e comunitárias. O cálculo é do Movimento Todos pela Educação. O Fundeb é o principal mecanismo de financiamento do setor e movimentou recursos de cerca de R$ 162 bilhões em 2020.

O Congresso aprovou o novo modelo do fundo em agosto, mas tem até o fim do ano para regulamentar o texto. O projeto de lei passou pela Câmara na semana passada e deve ser analisado nesta semana pelo Senado. Se a manobra for consumada, até 10% do dinheiro do fundo poderá ser repassado para instituições religiosas ou filantrópicas, sem fins lucrativos e conveniadas com a rede pública, no ensino fundamental e médio. Hoje, isso só é permitido na educação infantil, especial e do campo. As novas regras passam a valer a partir de 2021.

O dado do Todos pela Educação considera o uso do limite da verba, em todas as redes de ensino, nas instituições religiosas (católicas, evangélicas, muçulmanas ou de quaisquer outras crenças), além das filantrópicas. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), estima perda de R$ 10,2 bilhões com essa transferência. Para a inclusão da emenda, não foram apresentados estudos de impacto nem justificativa para o teto de 10%.

“Poderemos ter migração de alunos para essas instituições, que ficam fora do radar de verificação de qualidade pelo governo”, alerta Priscila Cruz, diretora executiva do Movimento Todos pela Educação. “Não vamos conseguir assegurar se serão escolas que seguem a BNCC (Base Nacional Curricular Comum, documento oficial que prevê objetivos de aprendizagem para cada série), ou espaços de doutrinação religiosa. É a retirada do dinheiro laico para instituições religiosas.”

Do Fundeb, no mínimo 70% da verba deverá ser usada com salários de profissionais de educação, mas foi permitido na última votação da Câmara incluir nesse cálculo o pagamento de profissionais de instituições filantrópicas e religiosas, além de terceirizados da rede pública. “O que vamos ter é pastor, funcionário de instituição religiosa, podendo ser pago com dinheiro da educação.” Essas instituições já contam com benefícios fiscais.

A autorização de uso de recursos para a rede privada no fundamental e no médio não faz sentido, uma vez que há vagas suficientes nessas duas etapas, diferentemente do que ocorre com as creches. Para Élida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo, a Constituição prevê que só cabe contratar vagas na rede particular se o gestor provar que não tem vagas na rede pública. “Você vai fomentar a expansão de matrículas da rede privada sem fins lucrativos de menos de 1%, como é hoje, para 10%”, diz.

Nota técnica assinada por Élida e outros 302 juízes, procuradores, promotores, professores e advogados apontam a inconstitucionalidade do projeto. Há risco, ainda, de essa proposta “configurar terceirização substitutiva de mão de obra”, ao desmobilizar a rede estatal para usar instituições privadas, o que afronta a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Segundo o texto, as mudanças “operam como uma espécie de tentativa, por maioria simples, de dar causa a um ilegítimo terceiro turno de votação” da emenda constitucional que estabeleceu o Fundeb, em agosto.  O Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação também é contrário à medida. Essa inclusão no texto, feita de última hora na votação do texto no plenário, foi apoiada pela bancada evangélica e outros membros da base bolsonarista no Legislativo.

Outra mudança ardilosa do texto na Câmara permite incluir nos cálculos de repasse do Fundeb matrículas no ensino médio profissionalizante vinculadas ao Sistema S (Senai, Sesi e Senac). Segundo a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, esse modelo já recebe volume elevado de recursos, tem número limitado de matrículas e é pouco capilarizado pelo País. Com o repasse para o Sistema S, as entidades calculam potencial de perda de cerca de R$ 546 milhões para o setor privado. Todas as mudanças no texto, dizem eles, podem levar à perda de R$ 15,9 bilhões do ensino público para a rede privada.

Um dos avanços do novo Fundeb foi elevar o tamanho do reforço de recursos feito pelo governo federal a Estados e municípios. O patamar atual é de 10% do total do fundo (cerca de R$ 14,8 bilhões este ano) e haverá aumento gradual até o índice de 23% em 2026. Com isso, o piso do valor investido por ano na rede pública pode saltar de atuais R$ 3,7 mil para R$ 5,7 mil. Segundo Priscila, as mudanças feitas pelos deputados podem tirar “todo o ganho da complementação maior da União”.

Com informações do Estadão

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