A rota chinesa avança, o Brasil se apequena e a Argentina se destaca
Por Henrique Domingues* No último dia 4 de dezembro mais um trecho da iniciativa chinesa “One Belt, One Road” (Um […]
Publicado 18/12/2020 10:23 | Editado 18/12/2020 10:42
Por Henrique Domingues*
No último dia 4 de dezembro mais um trecho da iniciativa chinesa “One Belt, One Road” (Um Cinturão, Uma Rota), conhecida popularmente como “Nova Rota da Seda”, foi inaugurado. Partiu de Istambul na Turquia, o primeiro trem fretado de transporte de mercadorias com destino à província de Xi’an, na República Popular da China. O trajeto cobre uma distância de 8.693 km em 12 dias e passa por dois continentes (Europa e Ásia), dois mares (Mar de Mármara e Mar Cáspio) e cinco países (Turquia, Geórgia, Azerbaijão, Cazaquistão e China). O governo turco classifica o momento como o início de uma nova era para as relações comerciais do país, afinal o tempo médio de transporte de cargas entre os dois países que era de um mês terá agora tempo e custo consideravelmente reduzidos.
O projeto em questão anunciado em 2013, pelo então recém empossado presidente chinês e Secretário Geral do Partido Comunista da China, Xi Jinping, já nasceu com essa ambição de transformar profundamente a realidade geopolítica unipolar a qual estivemos habituados desde o fim da Guerra Fria com a queda do muro de Berlim e, consequentemente, da União Soviética. Além dos objetivos externos, a Nova Rota da Seda almeja garantir condições para que a China continue desempenhando os altos índices de crescimento econômico interno que tem demonstrado durante as últimas décadas, desde a implementação das políticas de reforma e abertura diplomática levadas à cabo pelo governo Deng Xiaoping (1978 – 1992).
A iniciativa parte do entendimento chinês de que, no presente momento, não será possível manter o país em franco desenvolvimento sem que também se desenvolvam os países vizinhos e parceiros comerciais localizados em outras regiões do planeta. Tal realidade colocaria em xeque as metas chinesas de promoção contínua do bem estar social no país e a busca pelo aventado “Sonho Chinês”. Além disso, a China enxerga no projeto não apenas a possibilidade de dar vazão à sua robusta capacidade produtiva, mas também de propagar mundo afora sua principal diretriz diplomática que são os “Cinco Princípios da Coexistência Pacífica”, em oposição às políticas de guerra, ingerência, sabotagem e subjugamento que são praticadas pelas potências do mundo ocidental atualmente.
A consolidação das novas rotas comerciais propostas por Beijing passa por um ousado plano de investimentos em infraestrutura por parte dos chineses em territórios estrangeiros. São previstos investimentos de quase 4 trilhões de dólares em sistemas rodoviários, ferroviários, dutoviários para gás e óleo , usinas geradoras de energia, linhas de transmissão de energia e portos. São rotas que, por terra, terão uma envergadura que vai do leste da China até chegar ao oeste da Europa, de Xi’an até Roterdã na Holanda. Já pelas águas terá condições de conectar os portos do sudeste asiático, do oriente médio e do leste africano. A China parece ter entendido o óbvio com clareza: não haverá desenvolvimento nacional sem uma ampla integração comercial e muito menos sem a devida infraestrutura logística para tal.
Enquanto isso, aqui do outro lado do mundo parece que seguimos insistindo em caminhar na contramão do percurso. O Brasil é um país que historicamente pecou por não diversificar a matriz de transporte, que ainda hoje é majoritariamente rodoviária. Mesmo com a realidade brasileira de território continental, apesar do alto volume de rios navegáveis e da gigantesca costa marítima, os governantes ao longo dos anos se curvaram aos interesses privados e se renderam aos mais variados tipos de monopólios. A mais recente demonstração da alta dependência nacional de uma única modalidade de transporte foi a greve dos caminhoneiros de 2018 que, devido à falta de alternativas viáveis, colocou o país inteiro de joelhos a mercê das vontades de uma única categoria, de um único setor econômico.
Como se não bastasse a negligência histórica com a infraestrutura da nação, desde 2019 o Brasil passou a adotar uma diretriz diplomática de qualidade altamente questionável que rompe com tradições centenárias do Itamaraty e trai o legado do patrono da diplomacia brasileira, Barão do Rio Branco. O país passou a protagonizar episódios internacionais vexatórios e a liderar o esvaziamento de iniciativas notáveis de integração que vêm sendo elaboradas desde o final dos anos 1980, como o Mercosul (Mercado Comum do Sul) ou as mais recentes UNASUL (União das Nações da América do Sul), CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) e até mesmo o BRICS (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul) em nome de uma subserviência aos interesses estadunidenses e dos países alinhados ao eixo ocidental.
Fonte: https://plenarinho.leg.br/index.php/2018/09/muito-prazer-mercosul/
Além do atual momento do Ministério das Relações Exteriores, representantes do governo – e da família do presidente – insistem em proferir ataques gratuitos e constantes à China, que é a principal parceira comercial do Brasil com um superávit de 28,8 bilhões de dólares até outubro de 2020. Além de afastar e isolar o país da maior iniciativa de integração comercial da história da humanidade, em nome da obscura ideologia bolsonarista, o governo federal ainda boicota abertamente o acesso dos brasileiros às novas tecnologias que vêm sendo desenvolvidas em território chinês como a indispensável internet 5G e até mesmo à vacina contra o novo coronavírus. A postura infantil do governo Bolsonaro coloca em risco a possibilidade de atrair bilhões de dólares em investimentos diretos no Brasil, gerar emprego, renda e promover o progresso tão necessário.
A vizinha Argentina tem demonstrado na prática como o desenvolvimento das relações diplomáticas com a China pode ser benéfico. Nos últimos meses uma série de acordos entre os dois países foram anunciados, além de a China ter ultrapassado o próprio Brasil como o principal parceiro comercial do país portenho. Os acordos vão proporcionar um volume expressivo de recursos a serem investidos na Argentina, em áreas diversas: produção de porcos para consumo chinês, revitalização da infraestrutura ferroviária, melhorias na produção, operação e exportação de grãos, desenvolvimento de uma central nuclear e até mesmo uma cooperação técnica para o desenvolvimento de tecnologia espacial. Serão dezenas de bilhões de dólares investidos que, sem dúvidas, serão imprescindíveis ao governo de Alberto Fernandez na superação da crise gerada pela pandemia.
Estamos em plena era digital, caminhando século 21 adentro. Essa modernidade demanda cada vez mais integração e diálogo, sobretudo para um país que ainda segue tateando às cegas na tentativa de descobrir um caminho para o desenvolvimento soberano, como é o caso do Brasil. A retomada de uma diplomacia mais propositiva e menos “bélica” nos ajudará, além de atrair investimentos, a estabelecer convênios de cooperação científica, garantir transferência de novas tecnologias e acesso a novos mercados. Os benefícios poderão ser sentidos direta ou indiretamente pelo conjunto da sociedade brasileira e possibilitará que não fiquemos, literalmente, a “ver navios” em meio aos novos acontecimentos geopolíticos.
*Henrique Domingues é graduado em Comércio Exterior pela Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo e Executivo do Fórum Internacional dos Municípios BRICS.