Beluzzo: “Economia brasileira virou bagunça liberal”

“Eu fico perplexo com o pensamento dos que comandam a economia brasileira. É assustador. Eles estão achando que não precisa mais de auxílio emergencial, que a economia crescerá por si mesma. Eles têm visões ficcionais”, diz o economista em entrevista ao Reconta Aí

O ministro da economia, Paulo Guedes - Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Luiz Gonzaga Belluzzo tem previsões pessimistas para a virada de ano: “Imagino que no primeiro trimestre vamos estar em uma situação muito difícil”, relata ao Reconta Aí. Um dos principais nomes do pensamento econômico não-ortodoxo no Brasil, o professor de Economia é contundente nas críticas ao time liderado por Paulo Guedes no governo de Jair Bolsonaro.

“Eu fico perplexo com o pensamento dos que comandam a economia brasileira. É assustador. Eles estão achando que não precisa mais de auxílio emergencial, que a economia crescerá por si mesma. Eles têm visões ficcionais”, afirma.

Confira partes da entrevista a abaixo:

Qual a perspectiva geral para a economia em 2021, tendo em mente, por exemplo, o fim do auxílio?

Vamos olhar trajetória da economia nos últimos anos. Em 2015, houve uma queda de 3,8% no PIB. Uma média de crescimento de 1,5% entre 2017, 2018 e 2019. E aí sofremos o choque do corona. A economia brasileira está cerca de 5% abaixo do nível de 2014. O choque chega em cima de uma economia prostrada. Com a pandemia, ocorreu uma ruptura simultânea dos nexos monetários, mercantis, etc. Do lado da oferta e da demanda. Os economistas costumam separar, mas ocorreram os dois. Afetando todos setores de forma muito grave, em uma economia debilitada. Agora se recuperou 7%. Mas isso não significa uma recuperação em “V”. Simplesmente a reabertura, se reabriram os negócios, e os efeitos do auxílio emergencial. É possível ver como o governo é irrealista, seus economistas não compreendem o que está acontecendo. O secretário de Política Econômica mencionou que a recuperação não precisava de auxílio emergencial. Mas os 7% de crescimento no trimestre passado se devem muito ao auxílio emergencial.

A possibilidade de uma curva em V, com uma retomada rápida e vigorosa, conforme prevê o próprio Ministério da Economia está descartada?

Eu acho muito difícil. Eles estão achando que não precisa mais de auxílio emergencial, que a economia crescerá por si mesma. Não se sabe da onde virá essas forças. Eles têm visões ficcionais. A Economia virou uma ficção. Estou lendo um livro de uma crítica literária chamada Mary Poovey em que ela faz um histórico da evolução do tratamento das questões econômicas desde o século 17: a Economia vai ficando cada vez mais distante da compreensão do que está ocorrendo e vai se tornando uma Torre de Marfim de idiotas que não conseguem enxergar nada. O mínimo de entendimento indica que a recuperação que ocorreu se deu por conta da reabertura e do auxílio, que foi muito importante para recuperar a demanda das pessoas mais pobres.

Quais são os obstáculos?

A economia brasileira virou uma bagunça liberal. Agora estão achando que a economia vai crescer por conta do Teto de Gastos, que serviria para informar os investidores, as empresas, que está tudo bem e tudo ficará sobre controle. Isso faz parte da ficção. Se não houver investimento público, manutenção do auxílio – que aliás, não é coisa do Bolsonaro, foi o Congresso que fez -, não vejo as perspectivas para 2021 como positivas. Alguns vão dizer: “Está entrando dinheiro”. Está entrando dinheiro, mas vai tudo pro mercado financeiro. Não tem efeito nenhum sobre a economia do emprego e da renda. Imagino que no primeiro trimestre vamos estar em uma situação muito difícil. O desemprego crescendo. É preciso lembrar que o desemprego só mede aqueles que estão procurando emprego. Por conta inclusive do que já está prometido: manutenção do Teto e, portanto, fim do auxílio.

Você mencionou o Teto de Gastos…

O Teto é uma aberração típica de economistas que querem converter a Economia em contabilidade de quinta categoria, com todo respeitos aos contadores, que são necessários. Eles acham que isso gera confiança. É a ideia de austeridade expansionista. Infunde confiança nos investidores e a economia cresce. Isso foi espancado pela experiência em todo o mundo. Ninguém acredita mais nisso, nem o Fundo Monetário Internacional.

Paulo Guedes, mesmo no campo neoliberal, é um extremista?

Nossa situação é muito difícil. O Brasil está fora do mundo. É só pegar as atas das reuniões do Federal Reserve (…) Os EUA tem a vantagem de ter a moeda reserva, mas nós temos 355 bilhões em reserva e temos capacidade de impedir que as pessoas fujam para o dólar. Eu fico perplexo com o pensamento dos que comandam a economia brasileira. É assustador. A narrativa tenta convencer a dona de casa, o cidadão comum: não gastar mais do que você recebe. No caso do Estado, boa parte do que ele recebe vem do gasto. O imposto recolhe depois. Primeiro vem o gasto. Não se arrecada se não há renda. Só há renda se há emprego. Se o setor privado estivesse muito disposto a gastar, e isso nunca ocorreu em crises, o Estado poderia ficar quieto. Mas não é isso o que está acontecendo.

Fonte: Reconta Aí

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