“Tudo o que vimos nesta pandemia já aconteceu antes”, diz pesquisador

Em entrevista à BBC, o pesquisador da Universidade de Yale Nicholas Christakis analisa a pandemia de Covid-19 por uma perspectiva histórica e faz uma projeção para os próximos anos.

Nicholas Christakis, sociólogo, médico e professor de Ciências Sociais e Naturais da Universidade de Yale.

O pesquisador da Universidade de Yale, Nicholas Christakis, concedeu entrevista à BBC sobre as principais características da pandemia atual em relação a outros tempos de crise sanitária e um possível cenário para os próximos anos. O sociólogo e médico americano conduz pesquisas em redes sociais e nos determinantes socioeconômicos, biossociais e evolutivos do comportamento, saúde e longevidade.

Autor do livro A Flecha de Apolo, no qual investiga o impacto do coronavírus na maneira como vivemos, Christakis é considerado uma das cem pessoas mais influentes do mundo pela revista Time.

Ele afirma que outras pandemias enfrentaram desafios similares aos que estamos lidando hoje e, por uma perspectiva histórica, isso pode nos ajudar a encarar a situação de uma maneira mais madura. “As pandemias não são novas para nossa espécie, elas são novas apenas para nós”, afirma Christakis.

Mas nem todos aprendem com os exemplos históricos. O pesquisador ressalta a conduta irresponsável do presidente dos EUA, Donald Trump, que escolheu o negacionismo ao invés da consciência coletiva. “Não somos crianças para fingir que isso não está acontecendo. Não deveríamos ter escolhido a negação, como o presidente fez”, critica Nicholas Christakis.

Apesar da conquista científica no desenvolvimento de vacinas em tempo recorde e com cooperação mundial, Christakis vê ainda um longo caminho pela frente. “Não creio que estejamos no início do fim desta pandemia. Acho que estamos no final do começo”, analisa. Para ele, ainda é preciso organizar a distribuição ao redor do mundo e convencer as pessoas da importância da vacinação. Segundo o pesquisador, será preciso no mínimo vacinar metade da população mundial, um desafio que deve se estender até 2022.

Além dos cuidados no campo da saúde, os efeitos sociais, econômicos e psicológicos devem ser considerados. O fechamento de empresas, o distanciamento entre as pessoas e principalmente o luto pelos que morreram de Covid-19 devem afetar o estado de espírito das pessoas. “Estes são tempos de dor”, afirma.

O período pós-pandêmico, na visão de Christakis, deve começar por volta de 2024, quando a economia mundial possivelmente vai estar recuperada das consequências da pandemia e o poder letal do vírus será menor. “Acho que o estágio atual da pandemia vai durar pelo menos até o final de 2021, então virá um período intermediário e por volta de 2024 entraremos na pós-pandemia.”

Então, o pesquisador acredita que a humanidade entrará em um período de gastos elevados e maior sociabilidade. “Se você observar o que aconteceu nos últimos 2.000 anos, quando as pandemias acabam, é uma festa. É provável que vejamos algo semelhante no século 21.”

Foto: Adam Niescioruk/Unsplash

Confira a entrevista completa, conduzida por Cecilia Barría, da BBC News Mundo:


Com o desenvolvimento de diferentes vacinas para impedir a propagação da pandemia covid-19, estamos diante do início do fim da pandemia?

As coisas vão ficar ruins por um tempo. Inventamos uma vacina, o que é algo milagroso, porque somos a primeira geração de humanos que soube inventar, em tempo real, uma resposta.

Isso nunca aconteceu na história. Em apenas 10 meses conseguimos ter uma vacina. No entanto, centenas de milhões de doses ainda precisam ser produzidas, distribuídas e, o mais importante, as pessoas precisam ser convencidas a tomar a vacina.

Pelo menos metade da população deve ser vacinada e isso vai demorar pelo menos um ano, não vai acontecer mais rápido. Enquanto isso, o vírus continua se espalhando.

Então, vamos viver dessa maneira estranha que vivemos, com máscaras e zíperes, pelo menos até o final de 2021.

No fim, alcançaremos imunidade de grupo, seja naturalmente, porque o vírus infectou um número suficiente de pessoas – com grande custo para a humanidade – ou porque muitas pessoas foram vacinadas.

Essa é apenas a primeira parte de um longo processo, o que vem a seguir?

Depois teremos que nos recuperar dos efeitos sociais, psicológicos e econômicos. Milhões de pessoas estão desempregadas ou fecharam seus negócios. Muitas crianças interromperam seu aprendizado nas escolas. E muitas pessoas estarão de luto. Superar todos esses problemas não será rápido.

Arte: United Nations/Unsplash

O mesmo aconteceu em outras pandemias ao longo da história?

Se você olhar para a história das pandemias, que remonta a milhares de anos, isso levará tempo. Acho que o estágio atual da pandemia vai durar pelo menos até o final de 2021, então virá um período intermediário e por volta de 2024 entraremos na pós-pandemia.

Não creio que estejamos no início do fim desta pandemia. Acho que estamos no final do começo.

E que lições podemos aprender com as outras pandemias que vivemos na história da humanidade?

Há muitas. A primeira é reconhecer que a maneira como vivemos agora parece antinatural, como se estivéssemos vivendo em um tempo estranho e desconhecido.

Mas as pandemias não são novas para nossa espécie, elas são novas apenas para nós. Achamos que é uma loucura, que é descabido viver nestes tempos. Mas não é.

O que acontece é que estamos vivos em um momento em que há um evento que ocorre uma vez a cada cem anos. É importante não perder a perspectiva.

Outra coisa é que embora o vírus seja muito ruim, já que mata cerca de 1% da população infectada, ele não é pior do que outros. Poderia estar matando 10%, 30% dos infectados.

Poderíamos estar enfrentando uma peste bubônica a nível global, porque não há razão para um vírus matar apenas 1%. Por exemplo, no filme Contágio, o vírus mata uma em cada três pessoas. Poderíamos estar nesse cenário, mas não estamos.

Capa da revista Time, em out. de 2020 | Ilustração: Time

No entanto, estou chateado com a Casa Branca, porque eu e os outros especialistas da área sabíamos que o vírus seria um problema sério no final de janeiro.

E sabemos que o presidente Trump foi informado sobre isso há mais de um ano e não tomou as medidas necessárias. O país deveria estar preparado para fazer um sacrifício compartilhado pela saúde de todos.

Eles deveriam ter falado que algo estranho estava acontecendo, que nosso mundo mudou, que existe um novo patógeno mortal. Isso é algo que acontece a cada poucos séculos e temos que estar maduros para lidar com isso.

Não somos crianças para fingir que isso não está acontecendo. Não deveríamos ter escolhido a negação, como o presidente fez. Não podemos mentir sobre o vírus, não podemos culpar os outros.

Na verdade, culpar os outros é típico das pandemias. Por exemplo, nas pragas da época medieval, eles culparam os judeus; quando o HIV apareceu, os homossexuais foram culpados.

Sempre houve a tentação de culpar alguém. É estúpido, é apenas um vírus que nos afeta.

Uma das lições fundamentais das pandemias na história é que se trata de uma experiência humana essencial, que raramente acontece, mas que requer maturidade para enfrentá-la. Não podemos fantasiar que isso não está acontecendo.

Quais são os padrões mais repetidos durante as pandemias de acordo com sua pesquisa?

Os vírus não são apenas um fenômeno biológico, eles são um fenômeno social.

Tudo o que vimos nesta pandemia, como a morte de profissionais de saúde, já aconteceu antes. Por exemplo, na praga de Atenas em 430 aC, médicos morriam. Durante a peste bubônica de 1347 morriam as enfermeiras, as freiras católicas que cuidavam dos enfermos, como está acontecendo agora.

Outro padrão recorrente que mencionei antes é culpar os outros pela pandemia. Os gregos, por exemplo, achavam que era culpa dos espartanos.

Negação, mentiras, superstições, sempre estiveram presentes. O mesmo com a desinformação. Por exemplo, todas aquelas ideias estúpidas que circularam como injeção de desinfetante, ou que o vírus faz parte de uma conspiração.

Outra característica das pandemias é a dor. As pessoas perdem membros da família, perdem seu sustento, perdem seu estilo de vida. Estes são tempos de dor.

Foto: A.Coelho / Getty Images

Existe também uma dimensão existencial. Quando há uma pandemia, as pessoas procuram o significado de suas vidas, elas pensam mais sobre o significado moral de suas vidas.

Quando George Floyd foi assassinado, as pessoas começaram a refletir. Suas vidas foram de alguma forma suspensas pelo vírus. É como ir à igreja, coloca você em um estado de espírito mais contemplativo.

Acho que vimos um pouco disso durante os protestos porque havia uma conexão mais profunda com nossa própria existência.

Eu quero levar isso para o futuro, como será o período pós-pandemia?

Quando alcançarmos a imunidade de grupo, embora o vírus ainda esteja conosco, seu poder será menor. Então virá o período intermediário, em que o impacto biológico da pandemia ficará para trás, mas ainda teremos que lidar com o impacto econômico e social. E por volta de 2024 entraremos no período pós-pandêmico.

Normalmente, em tempos de pandemia, as pessoas se tornam mais religiosas, economizam dinheiro, são avessas ao risco, têm menos interações sociais e ficam mais em casa. Você para de ver seus amigos.

Mas na pós-pandemia, tudo isso deixa de ser assim, como aconteceu nos loucos anos 20 do século passado. As pessoas buscarão inexoravelmente mais interação social. As pessoas irão a boates, restaurantes, manifestações políticas, eventos esportivos, recitais.

A religiosidade diminuirá, haverá maior tolerância ao risco e as pessoas gastarão dinheiro que não puderam gastar. Após a pandemia, pode chegar um tempo de libertinagem e gastos exagerados.

Se você observar o que aconteceu nos últimos 2.000 anos, quando as pandemias acabam, é uma festa. É provável que vejamos algo semelhante no século 21.

Foto: Danny Howe/Unsplash

Fonte: BBC News Mundo

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