Amazonas já transferiu para outros estados 506 pacientes com covid-19

Epidemiologista da FioCruz aponta os riscos de levar doentes para outros estados, mantendo o caos sanitário no Amazonas, sem gestão.

Pacientes de Covid vindos de Rondônia desembarcam no aeroporto de Porto Alegre. Fotos: Felipe Dalla Valle/ Palácio Piratini

Ação conjunta do Ministério da Saúde, do governo do Amazonas e da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares já conseguiu transferir daquele estado 506 pacientes com covid-19 para tratamento em outras unidades da Federação. O objetivo é desafogar os hospitais e reorganizar o sistema de saúde local, pressionado pelo aumento da curva de casos de covid-19.

Os pacientes transferidos estão sendo colocados em hospitais universitários e unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) de 16 estados brasileiros, além do Distrito Federal. As transferências começaram a ser feitas, depois de um ano de pandemia no estado, em que as várias instâncias de governo ignoraram inúmeros alertas sanitários e não prepararam o sistema de saúde local para uma eventual explosão de contágios. O sistema local, público e privado, não foi capaz de condições mínimas de atendimento, como a oferta de oxigênio hospitalar.

Epidemiologista da FIOCRUZ/Amazônia, Jesem Orellana, sabe da importância emergencial de salvar as vidas, mas observa que a medida paliativa não vem acompanhada de medidas sanitárias rigorosas, capazes de bloquear o contágio e a circulação do vírus.

“Transferir pacientes para outros estados significa transferir o problema para outros contextos e, pior do que isso, abrir mão de resolver o grave problema da epidemia no Amazonas, incluindo a forte contenção de dispersão viral e a operacionalização de resposta médico-hospitalar no nível local”, criticou o sanitarista.

Para Orellana, essa tem sido a tônica da epidemia no Brasil, “empurrar com a barriga e culpar os outros ou transferir problemas para esconder a gritante incompetência na gestão”. Em sua opinião, as medidas solitárias tomadas no afogadilho pelas gestões federal, estadual e municipal, recusando um conjunto mais rigoroso de recomendações para garantir isolamento social, agrada setores econômicos e políticos e evita investimentos maciços no sistema de saúde local que previnam crises futuras.

“Os Estados recebem (pacientes) por uma questão de humanidade, mas a negligência do governo federal e estadual do Amazonas é comprovada porque sabia-se desde o ano passado que haveria essa explosão e daria tempo suficiente para a construção no mínimo de um hospital de campanha na capital e outros nos municípios polo do interior”, diz o pesquisador.

Segundo o Ministério da Saúde, nesta quinta-feira (4), dois voos da Força Aérea Brasileira (FAB) levaram 34 pacientes com covid-19 para hospitais em Belém e no Rio de Janeiro. Desse total, 12 pacientes do município de Tefé, no Médio Solimões, e quatro de Manaus, seguiram para a capital do Pará. Os demais foram para o Rio de Janeiro.

Dos transferidos até o dia 2, 20 morreram e 105 retornaram para Manaus curados da doença. De acordo com a pasta, o percentual de alta dos pacientes transferidos para outros estados já alcançou 32%. Houve ainda oito remoções para realização de cirurgia oncológica no Hospital do Câncer III, do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca), localizado na capital fluminense.

Arrojo?

O Ministério da Saúde anunciou ainda que, em parceria com o Ministério da Defesa, por meio da Força Aérea Brasileira, está preparando logística mais arrojada para o transporte de pacientes de covid-19 para outros estados. A iniciativa tem apoio de uma empresa aérea comercial, que já teria recebido capacitação para fazer esse tipo de voo. No momento, estão sendo organizados os fluxos, a identificação de locais de acolhimento e os perfis de pacientes que podem ser transferidos.

A meta é transportar 80 pacientes por voo, de modo a atingir com maior rapidez o número projetado pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, de remover 1,5 mil pacientes, com o objetivo de abrir vagas para aqueles que estão em estado mais grave e aguardam internação.

As pessoas que embarcam também sabem dos riscos que correm durante o voo, mas não têm outra opção pela falta de leitos de UTI na capital ou interior. Os transportados para outros Estados sequer usam máscaras N95, as mais indicadas por serem totalmente vedadas, tendo que usar máscaras caseiras de pano.

“Esses transportes são uma cortina de fumaça produzida pelo governo para esconder a falta de gestão e planejamento, de não terem se preparado para esta tragédia anunciada”, completa o epidemiologista.

Distribuição de vírus

Em São Paulo, quem chega com sintomas de coronavírus do Norte do Brasil é encaminhado ao Hospital Municipal Doutor José Soares Hungria, em Pirituba. Com medo de variante do vírus, o hospital reserva alas para doentes do Norte. Por enquanto, além do Amazonas, apenas São Paulo e Pará confirmaram a presença da variante de Manaus em seus territórios.

Já no Rio Grande do Sul, os doentes vindos do Amazonas ficam isolados até de outros infectados pela covid-19, a fim de evitar o espalhamento da cepa de Manaus.

Para Orellana, não há dúvidas de que a nova cepa do coronavírus encontrada na região está sendo transportada do Amazonas, de avião, com os doentes recebidos por outros Estados. 

“Esses transportes são uma cortina de fumaça produzida pelo governo para esconder a falta de gestão e planejamento, de não terem se preparado para esta tragédia anunciada”, conclui ele.

Com informações da Agência Brasil.

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