Disputa entre Venezuela e EUA favorece exportação do Brasil a vizinho

De acordo com Alexandre Ganan, “o Brasil ganhou um novo mercado e uma nova oportunidade quando Caracas passou a buscar alternativas que a tornassem mais independente de Washington”

Os Estados do Amazonas e Roraima bateram recordes de exportação para a Venezuela – Foto: StockSnap / Pixabay

Em 2020, em meio à maior crise econômica desde 1929, os Estados do Amazonas e Roraima bateram recordes de exportação para a Venezuela. O Amazonas, que em 2018 arrecadou US$ 10 milhões com exportação para o país vizinho, em 2020 viu tal valor crescer para US$ 190 milhões. Enquanto Roraima, que já foi o menor Estado exportador brasileiro, faturou, no ano passado, US$ 200 milhões com exportação, sendo mais de 70% voltada para a Venezuela. Além disso, o seu PIB cresceu cerca de 4,3%, enquanto a média brasileira foi de 1,1%.

Sobre esse faturamento econômico, o professor de História, especialista em América Latina pelo Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina, Prolam-USP, Alexandre Ganan, explica: “De certa forma, é possível dizer que o Brasil ganhou com a disputa entre a Venezuela e os Estados Unidos, que vem desde a vitória de Hugo Chávez nas eleições de 1998. O Brasil ganhou um novo mercado e uma nova oportunidade quando Caracas passou a buscar alternativas que a tornassem mais independente de Washington”.

O especialista também acrescenta: “A economia venezuelana é muito dependente do petróleo, praticamente gira em torno dele e da sua exportação e esse é um problema, uma das raízes da crise venezuelana atual. A Venezuela tem um mercado consumidor importante e, por conta também da sua economia muito voltada para a extração de petróleo, é carente de importações de todo tipo de gênero. E claro que isso foi um espaço aberto para as empresas brasileiras, que souberam aproveitar e estreitar as relações”.

Potencial comercial na América do Sul

Além disso, o professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, Paulo Feldmann, aponta que, além do bloqueio econômico dos Estados Unidos, o que favoreceu as exportações para o país vizinho foi a grande quantidade de imigrantes venezuelanos vivendo no Estado do Amazonas e de Roraima. “Porque claro, essas pessoas são originárias da Venezuela, têm contatos dentro da Venezuela e acabam ajudando as empresas de Roraima e do Amazonas a fazer negócios lá.”

O lucro obtido com as exportações para a Venezuela também abre espaço para refletir sobre o potencial comercial entre os países da América do Sul. Para Brites, o bloco Mercosul é mais que apenas integração comercial, tendo contribuído muito para a qualidade das relações entre países como Brasil e Argentina, por exemplo. Mas ele já previa o pragmatismo dessa relação comercial brasileira com a Venezuela para além de qualquer viés ideológico.

Feldmann critica o modo como o bloco é conduzido, se tornando o mais mal sucedido do mundo, em sua opinião. Segundo ele, o Mercosul é muito pequeno com um volume mínimo de transações dentro do bloco. “Os dois maiores países do Mercosul [Brasil e Argentina] nunca prestigiaram o comércio aqui dentro da América do Sul. Isso é uma idiotice política muito grande. Falta liderança na América do Sul. Se nós tivéssemos criado um grupo bem-sucedido, teria sido muito bom para todos”.

Ele considera esse comércio entre os países vizinhos muito saudável, por capacitar os países para saírem pelo mundo vendendo para outras regiões. Tanto Brasil como Argentina sempre privilegiaram o comércio com países ricos como EUA, China e Europa.

O Brasil é menos de 1% do comercio mundial, na opinião dele, porque é mais fácil exercitar o comércio com os vizinhos de mapa, para depois avançar. “Como na América do Sul a gente não tem comércio, o que acaba acontecendo é que os países do Mercosul também são muito fracos na exportação para o resto do mundo”.

Edição de entrevista à Rádio USP

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