Decisões do Judiciário forçam reforma política no Legislativo

Pesquisa mostra que, quando o Judiciário “legisla” sobre regras eleitorais, obriga o Legislativo a correr atrás do prejuízo para conciliar opinião pública com o rigor da normatização judicial.

Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas analisou as mudanças políticas e eleitorais provocadas por decisões judiciais e as reações do Poder Legislativo em função dessas mudanças. Imagem: Cezar Xavier

Os impactos de reformas políticas realizadas pelo Poder Judiciário no Brasil nos últimos anos foi tema de pesquisa realizada pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da FFLCH. O cientista político Ricardo Teixeira da Silva avaliou, em sua dissertação de mestrado Impactos da reforma política promovida pelo Poder Judiciário: um estudo sobre a efetividade das mudanças operadas nas regras políticas e eleitoraisas mudanças políticas e eleitorais provocadas por decisões judiciais e as reações do Poder Legislativo em função dessas mudanças.

A pesquisa partiu da hipótese que as intenções dos juízes em suas decisões não produziam resultados concretos. “Aparentemente as reformas promovidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não davam muito certo. Quem estudava o assunto ficava com a impressão de que o Judiciário interferia na competição política com argumentos de senso comum, sem nenhum embasamento científico”, avalia. O trabalho foi orientado pelo professor Rogério Bastos Arantes.

O maior protagonismo do Judiciário é um fenômeno mundial. No caso brasileiro, a força inercial contrária às reformas políticas e eleitorais foi rompida pelo Poder Judiciário, o que se deve em grande parte ao desenho institucional que tornou o STF e o TSE permeáveis à argumentação política.

“O STF recebeu uma série de novas atribuições e prerrogativas, expandindo a sua atuação para áreas que anteriormente eram exclusivas dos poderes Legislativo e Executivo,” diz o pesquisador, sobre o papel legislativo que o judiciário assumiu, provocando críticas na política. Embora não seja este o tema da pesquisa, este caráter judicial das leis é mais um dos fatores que tornaram o Poder Judiciário ainda mais autônomo e soberano sobre os outros poderes, gerando um desequilíbrio que a partição dos poderes visa evitar.

Todo o desgaste que o Judiciário sofre com as críticas e ataques de outros poderes, não serviu, no entanto, a cumprir as metas estabelecidas. A pesquisa corrobora a hipótese de que os juízes não conseguiram alcançar as mudanças que almejavam, embora, no longo prazo, a reação legislativa tenha aproximado dessas metas.

No tema da fixação do número de vereadores, são apresentadas evidências de que os gastos do Poder Legislativo municipal não foram reduzidos como se almejava, isto porque eles não sofrem interferência relevante com a oscilação do número de parlamentares. No tema da fidelidade partidária, são apresentadas evidências de que a mudança introduzida não foi capaz de conter as migrações e, ainda, pode ter estimulado o aumento da fragmentação partidária no Congresso Nacional.

De acordo com Silva, os tribunais passaram a se dedicar cada vez mais a processos relacionados ao controle da corrupção na política, dando respostas à sociedade que clamava por melhorias no sistema político e eleitoral que não prosperavam no Congresso Nacional. Embora não tenha obtido os resultados que queria, o Judiciário provocou o Legislativo a discutir os temas e intermediar o debate com a sociedade.

“A efetividade das reformas políticas e eleitorais iniciadas pelo Poder Judiciário depende, em grande medida, do diálogo constitucional com o Poder Legislativo. Este, em função do ônus deliberativo imposto pela decisão judicial, buscou contemplar nas novas leis, ao menos em parte, a argumentação dos juízes, geralmente em sintonia com o debate público”, diz o estudioso.

O pesquisador acompanhou a evolução de despesas do Legislativo em 1.843 municípios e constatou a correlação entre número de vereadores e despesas da Câmara Municipal. Verificou também o padrão de migrações partidárias ao longo de quatro legislaturas na Câmara dos Deputados, buscando entender o quanto a intervenção judicial alterou o comportamento dos parlamentares.

O Supremo Tribunal Federal (STF) – Foto: Rosinei Coutinho / SCO / STF via Agência Brasil

“As duas reformas estudadas na pesquisa impuseram limitações para a classe política. Porém, essas limitações eram vistas com bons olhos pela sociedade. A opinião pública passou a associar os reiterados escândalos de corrupção e má utilização de recursos públicos com supostas deficiências do sistema eleitoral e político. Assim, para a população, os juízes estavam certos em corrigir tais problemas”, explica.

Neste ponto, é necessário observar que o estudo não tem intencionalidade crítica, mas constatatória. O senso comum sobre política na sociedade também pode ser uma construção dos instrumentos de poder das elites políticas. Ou seja, a percepção social sobre corrupção está alinhada à agenda das mídias e das elites políticas e econômicas. Por isso, a judicialização da política ocorrida desde o julgamento do Mensalão, como a própria pesquisa pontua, tem suas causalidades ideológicas de disputa política que não são objetivo de análise, embora tenham seu papel histórico nas mudanças do sistema eleitoral desse período.

A pesquisa mostrou que as mudanças afetavam diretamente as expectativas de continuidade das carreiras políticas de parlamentares que, ao mesmo tempo, sabiam que as decisões judiciais estavam em sintonia com as aspirações populares. “A solução encontrada pelos parlamentares foi aprovar mudanças que atendiam aos interesses deles e, ao mesmo tempo, prestigiavam o ponto de vista dos juízes e da opinião pública. Isto é, soluções conciliatórias.”

No caso dos vereadores, houve um teto mais rigoroso de gastos pelas câmaras municipais acompanhado de um aumento do número de vagas. No caso da fidelidade partidária, foi aprovada a proibição de troca, mas com uma janela de troca seis meses antes da eleição.

Para o pesquisador, a atuação do Judiciário trouxe para o centro da discussão questões caras à opinião pública, que não prosperavam no Congresso Nacional. “O Legislativo, quando provocado por um ator externo, teve que ouvir com mais atenção os argumentos que ocupavam o debate público e acabou cedendo em alguns pontos. Como diz o ditado, entregou os anéis para preservar os dedos”. Silva acredita que o trabalho mostra como a interação entre os poderes Judiciário e Legislativo pode contribuir para o aperfeiçoamento de regras institucionais.

Confira abaixo os principais gráficos construídos pelo autor:


Marchetti (2013) observou que após a implementação da verticalização, o número de partidos disputando as eleições presidenciais caiu, ao passo que o número de partidos disputando exclusivamente eleições estaduais subiu, o que não permite estabelecer uma
causalidade entre a verticalização e seus efeitos sobre a nacionalização ou fragmentação dos partidos.

Os estados mais populosos perderam proporcionalmente mais vereadores do que os menos populosos. A maior parte das câmaras de vereadores dos municípios muito pequenos, como aqueles com população inferior a 10 mil habitantes já havia fixado o mínimo de 9 vereadores, não sofrendo tantas perdas. E tais municípios são mais presentes nos estados menos populosos.

O que se percebe, tendo à vista apenas a somatória das despesas das câmaras municipais, é que no período de 2000 a 2017 houve um crescimento gradual de gastos, chegando-se a um crescimento acumulado de 47,43%; sendo, pois, a expansão de despesas a regra.

Veja um resumo do sumário da pesquisa com os principais temas abordados:

1. INTRODUÇÃO. REFORMA POLÍTICA E PODER JUDICIÁRIO: MOTIVAÇÕES E CONSEQUÊNCIAS. …………………………………………………………….. 1

A fixação do número de vereadores, Fidelidade Partidária, Verticalização das coligações eleitorais, Cláusula de desempenho, Financiamento empresarial de campanhas eleitorais, O consequencialismo judicial e a reforma política

3. REGRAS ELEITORAIS E POLÍTICAS E A QUESTÃO DAS REFORMAS INSTITUCIONAIS ……………………………………………………………………………………….. 22 Força inercial contrária às reformas eleitorais e políticas, A panaceia da reforma política no Brasil e a sua chegada ao Poder Judiciário, A reforma política na literatura especializada

O primeiro momento: a percepção sobre a necessidade de reformas decorrente de defeitos institucionais geradores de instabilidade política Segundo momento: representatividade, responsividade e accountability.

Reforma política no Congresso Nacional e Reforma política no Poder Judiciário

4. O CASO DA FIXAÇÃO DO NÚMERO DE VEREADORES ……………………….. 42

Proponentes das ações e a fundamentação dos julgados

Sobre a redução do número de vereadores em 2004

Evolução das despesas do Poder Legislativo municipal e possíveis efeitos das medidas legislativas e judiciais Emenda Constitucional no 58/2009: reação do Legislativo

5. O CASO DA FIDELIDADE PARTIDÁRIA……………………………………………….. 79

As migrações partidárias na Câmara dos Deputados e suas motivações

Migrações na Câmara dos Deputados nas legislaturas de 2003-2018

A legislatura 2011-2014: novo crescimento de volume sob a mesma lógica – os parlamentares passam a explorar as exceções contidas na regra.

A legislatura 2015-2018: a minirreforma eleitoral e um novo padrão para novas regras

A efetividade da Resolução no 22.610/2007 e a reação do Poder Legislativo 106

6. CONCLUSÕES ……………………………………………………………………………………. 112

Com informações do Jornal da USP

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