Luciana: Não foram acionistas, mas o estado que descobriu o pré-sal

Em seminário sobre nacional-desenvolvimentismo em tempos de fascismo neoliberal, presidenta do PCdoB destaca o papel do investimento estatal para alavancar a industrialização

Luciana Santos em seminário da Fundação Maurício Grabois

Nesta segunda-feira (1), ocorreu o Seminário “O Nacional-Desenvolvimentismo e o Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento”, promovido pela Fundação Maurício Grabois através da Cátedra Claudio Campos. Analisaram o tema a presidenta nacional do PCdoB, Luciana Santos, o presidente da Fundação Maurício Grabois, Renato Rabelo e o médico Jorge Venâncio, presidente da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

O evento deu abertura a uma série de onze mesas com 60 conferencistas tratando do tema, visando apoiar o esforço no aprofundamento e atualização do Novo Programa Nacional de Desenvolvimento do PCdoB e dar um aporte científico à Comissão de Programa que será formada.

Neste primeiro debate foi feita apresentação dos princípios que norteiam o nacional-desenvolvimentismo a partir da experiência brasileira, assim como sua condição defensiva na atualidade, com a hegemonia neoliberal pós-golpe de estado. O tema da busca por uma frente ampla na sociedade para mudança dessa correlação de forças também foi debatido.

Entre as afirmações fundamentais da intervenção da presidenta do PCdoB, Luciana Santos, vice-governadora de Pernambuco, está aquela bem atual, referente ao papel do estado na Petrobras. Segundo ela, não foi o investimento estrangeiro, via ações de Wall Street, que descobriu a riqueza do pré-sal em solo brasileiro, mas os recursos do estado nacional. A declaração ocorre em meio a turbulências entre o governo Bolsonaro e o mercado financeiro que controla a Petrobras.

Para romper a hegemonia econômica atual

A abertura por Luciana destacou a necessidade de construir convergências para dar o “salto civilizacional” necessário neste momento tão crítico e singular, materializando as grandes potencialidades do país em benefício de seu povo.

Ela observou como a pandemia reordenou o debate em torno do papel do estado e o tabuleiro geopolítico internacional, para além de qualquer debate sanitário ou econômico. A quebra dos tetos de gastos e ajustes fiscais, seja para salvar empresas e bancos, como também garantir a quarentena dos trabalhadores, foi uma das consequências da pandemia que revelou a contradição do dogma neoliberal do estado mínimo.

Luciana apontou como a disputa política pelas vacinas revelou o avanço tecno-científico, assim como as contradições produtivas, comerciais, industriais e mudanças nos padrões tecnológicos que atingem países da periferia de modo assimétrico. Desta forma, o mundo pós-covid que se anuncia, deve aprofundar desigualdades, impasses, injustiças sociais, desigualdades e polarizações políticas.

“Precisamos de um projeto que oriente o rumo do país”, diz Luciana. Sem um projeto nacional de desenvolvimento, o Brasil encontra-se à deriva, de várias formas, inclusive pelo governo de sabotagem e negacionismo da pandemia, que leva a crise federativa ao limite de tensões entre estados. Por outro lado, essa deriva e caráter autoritário do governo Bolsonaro unificam amplos setores da sociedade como uma bandeira para interrompê-lo.

Esta unidade de setores progressistas da sociedade precisa ter a percepção de que o país só cresceu e reduziu desigualdades a partir de um consenso mínimo em torno do papel que o Brasil deveria jogar a partir dos seus meios, recursos naturais e humanos. O governo Bolsonaro tem intensificado o processo de desindustrialização e desnacionalização, como mostra o desmonte de fábricas de diversos setores, distanciando o Brasil ainda mais das possibilidades da quarta revolução industrial.

Para Luciana, o desafio da nossa geração é recuperar o pensamento do início do século XX que norteou os governos getulistas na formação de uma cadeia industrial no país, na criação do Banco Nacional de Desenvolvimento, da Petrobras e da Eletrobras. Para ela, o Brasil precisa se reconectar com essa trajetória nacional-desenvolvimentista de longa data.

Evitando entrar nas respostas às bases que constituam essa empreitada, que deve compor o escopo do seminário, Luciana preferiu propor algumas questões que devem estar na base dessa construção.

Luciana destacou a obra de Mariana Mazzucato, autora de O Valor de Tudo, que desmistifica a meritocracia do “empreendedorismo inovador das start-ups” para mostrar que não existe grande empresa de tecnologia no mundo que não tenha sido priorizada pelo financiamento pesado de agências de desenvolvimento do governo americano. Mazzucato defende que só o estado pode correr os riscos inerentes ao investimento em ciência, tecnologia e inovação. Dizer que o setor privado investe capital de risco é uma falácia em qualquer lugar do mundo, segundo a americana.

A dirigente partidária também enfatizou a importância de resgatar o papel do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) como financiador desse desenvolvimento, após a extinção da política de juros de longo prazo, que sempre foi financiadora de outros bancos de fomento.

O papel da Petrobras no desenvolvimento nacional também é outro ponto destacado por ela, que descreve a empresa como “o verdadeiro ministério do petróleo”. Uma das maiores construções do povo brasileiro, a estatal encontra-se em pleno processo de desmonte da cadeia produtiva do petróleo. Com isso, o Estado está abandonando na capacidade da empresa o valor agregado da indústria, para vender óleo cru, ficando na dependência das variações do câmbio e do preço internacional. “Não foi graças aos acionistas, mas aos investimentos em inovação a fundo perdido do estado que descobrimos o pré-sal”, reafirmou.

Tantos outros segmentos da indústria estratégica de tecnologia e inovação estão deixando o controle do estado. Luciana mencionou o Serpro, a Dataprev e a Seitec, companhias lucrativas e estratégicas que agregam valor à indústria nacional. “É relevante ter indústria de fármacos desenvolvida que produz insumos, a altura do nosso tamanho”, disse ela.

“Estamos diante de forte crise do liberalismo em que aparecem expressões sombrias e retrógradas. O neocolonialismo e o neofascismo são os espectros que rondam a sociedade brasileira”, alertou Luciana. Ela concluiu apontando para a necessidade de construir consensos em torno de um novo projeto básico em que a luta passa pela soberania e pelo desenvolvimento nacional.

Após as intervenções principais, o debate prosseguiu por mais duas horas com comentários, sugestões e indagações de lideranças sociais e políticas, assim como estudiosos do tema. Entre estes, Dilermando Toni, Sérgio Cruz, Assis Melo, Davidson Magalhães, Aloísio Barroso, Ana Rocha, Olival Freire, Ronald Freitas, Ronald Santos, Odorico, Augusto Vasconcelos, Robério Granja, Walter Sorrentino e Euler Ivo Vieira. O evento virtual reuniu cerca de 200 convidados.

O debate teve a mediação de Rosanita Campos, coordenadora da Cátedra, Nilson Araújo de Souza, Diretor de Comunicação e Publicação da Fundação Maurício Grabois e professor titular da Cátedra Claudio Campos e Fernando Garcia, historiador do Centro de Documentação e Memória da Fundação Maurício Grabois.

O temário do seminário baseou-se em pontos do Programa do PCdoB de 2009 e no Programa eleitoral de 2018 do PPL para a candidatura presidencial de João Vicente Goulart.

Leia também:

Desenvolvimentismo exige estímulo a mercado interno e industrialização

Renato: Capitalismo dependente não permite desenvolvimento nacional

Da Fundação Maurício Grabois

Autor