Guatemaltecos denominam presidente Giammattei como persona non grata

Segundo a deputada Sonia Gutierrez Raguay, o presidente neoliberal da Guatemala, Alejandro Giammattei, age na base da corrupção e de forma lenta no combate ao coronavírus

Deputada Sonia Gutierrez Raguay, líder da bancada do Winaq

“O presidente da Guatemala, Alejandro Giammattei, vem agindo de forma corrupta em relação ao patrimônio público, lenta e atrasada em relação ao coronavírus, repressora em relação a manifestações democráticas e desrespeitosa em relação às autoridades indígenas. Isso é o que faz com ele que seja considerado por cada vez mais comunidades como persona non grata”. A afirmação é da deputada Sonia Gutierrez Raguay, líder da bancada do Winaq, movimento político fundado pela dirigente indígena e Prêmio Nobel da Paz (1992) Rigoberta Menchú, em entrevista exclusiva.

De acordo com a parlamentar, passados quase um ano e três meses que o governo neoliberal assumiu, sua tendência se mantém e “é a de ir cooptando na base da corrupção”. “Giammattei tem 17 deputados, uma minoria dentro dos 160 do Congresso, mas desde o início fez um pacto com diferentes partidos para controlar o parlamento e subordiná-lo, adotando uma série de práticas condenáveis e retrocessos em relação aos direitos humanos”, explicou.

Assim, apontou Sonia Raguay, uma das primeiras leis que tentou impor de todas as formas foi a que limitava e criminalizava a participação da sociedade civil organizada. “A medida buscava que Organizações Não-Governamentais (ONGs) que, na sua opinião, atentassem contra a institucionalidade do Estado pudessem ser encerradas e seus dirigentes penalizados. Era uma legislação totalmente nefasta, e a aprovaram. Porque já tinham os deputados alinhados com o Executivo. Foram apresentadas ações legais contra essa iniciativa, mas o presidente não se deteve e a sancionou. Apresentamos ações contrárias e conseguimos que o Tribunal Constitucional suspendesse a sua entrada em vigor. Havia uma clara ação do Executivo, mancomunado com o Legislativo, para delimitar direitos humanos e, neste caso, o direito à organização”, esclareceu.

A líder da bancada do Winaq recordou que, assim que apareceu a pandemia, no dia 12 de março de 2020, foram acionados empréstimos em torno de 20 bilhões de quetzales (US$ 2,59 bilhões) com diferentes instituições financeiras, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano. “Mas só depois de passados cinco meses é que iniciou a ser vista alguma implementação. Somente após avanços na fiscalização realizada por muitos deputados e de auditorias da sociedade civil organizada.  Porque durante cinco meses não se viu nada de parte do governo para o combate à pandemia, não houve apoio, nada, seja em matéria sanitária ou econômica”, protestou.

Agiam indiferentes à gravidade da situação e diante de uma enorme quantidade de casos de Covid-19, condenou a deputada, “e tínhamos um sistema de saúde pública de registro de dados em que realmente não havia nenhum tipo de controle”. “O critério de alteração e manipulação de dados gerou o descontentamento de muita gente, pois era um sistema nada confiável”, frisou.

Com 17,6 milhões de habitantes, a Guatemala foi o primeiro país da América Central a alcançar a cifra dos cinco mil óbitos, em janeiro. E para fazer frente à pandemia, este ano, o Congresso destinou 1,5 bilhão de quetzales (US$ 194 milhões) à vacinação. “Então começamos o ano com a aprovação dos recursos para a aquisição de vacinas mediante o mecanismo Covax – consórcio global liderado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – que integramos, conjuntamente com outros governos da região. Mas é importante frisar que os mecanismos de aproximação iniciaram somente em novembro ou dezembro passado, o que nos retardou”, disse.

E o problema não foi apenas ter atrasado o investimento no aspecto da vigilância sanitária, deixando de se antecipar ao problema da pandemia que, cedo ou tarde, ria explodir. Ou em acionar tardiamente a rede de compra das vacinas, esclareceu a parlamentar, mas também em protelar o apoio à população mais necessitada. “Vimos pelo trabalho de fiscalização, realizado pelo Congresso, que integraram a lista do bônus família de mil quetzales (US$ 129,5) gente que não necessitava. Fizeram parte da lista pessoas já falecidas e que não estavam no país”, ressaltou.

Distribuição clientelista

Por outro lado, ponderou a parlamentar, recursos foram aplicados de maneira desproporcional e na base do apadrinhamento, com um favorecimento explícito a prefeitos alinhados com o governo. “Não se fez uma distribuição realmente equitativa e direcionada aos que mais necessitavam. Isso está comprovado. Foram extremamente clientelistas. Por outro lado, para as famílias mais pobres, onde estão assentados os povos indígenas, a ajuda chegou incompleta. Era para terem dado 3.000 quetzales (US$ 388,5) e só lhes foram entregues 2.250 (US$ 291). O restante foi embolsado a título de ‘gasto de funcionamento’, diferente do estabelecido no decreto. Além disso, as famílias mais vulneráveis, que se encontram na extrema pobreza, só receberam no mês de novembro, passados oito meses de iniciada a pandemia! Ficou explicitada a discriminação e o racismo. Quem mais necessitava ficou sendo deixado por último”.

A líder do Winaq lembrou que em novembro do ano passado, quando cabia ao Congresso aprovar o Orçamento de 2021, o processo democrático e transparente deu lugar ao de “repartição entre eles”, em que desviaram recursos dos programas sociais para “bolsões de corrupção”. “Tudo de forma obscura, a portas fechadas, pactado entre alguns”, condenou, “de tal maneira que quando convocaram nossos partidos, era outra a agenda em debate e, de forma surpreendente e a toque de caixa, no dia 17 de novembro, nos reuniram sabendo que iam contar votos para o seu Orçamento”.

Nossa frente tinha – e tem claro – reiterou Sonia, que dentro da proposta oposicionista, principalmente em um quadro de agravamento da pandemia, “é da defesa da vida, da saúde pública, mas precisa estar o combate à fome, o apoio à segurança alimentar e aos programas sociais”. “A cidadania compreendeu o grau de dano que a corrupção fez e continua fazendo. Problemas agravados pela pandemia e também pelas tormentas Eta e Ota, que golpearam a Guatemala em outubro e novembro últimos, e que deixaram comunidades e aldeias devastadas e soterradas”, declarou.

Na avaliação de Sonia, a mobilização de novembro do ano passado, em que a população revoltada ocupou as praças e ruas, se deveu “porque as pessoas entenderam que quem estava por trás de tudo isso era o próprio presidente Giammatei”. “Foi a partir de então que começou a ganhar peso a proposta que renuncie Giammatei, por ser ele o artífice do que está acontecendo. O Congresso não atua só, atua desde as linhas ditadas por ele”, ponderou.

Repressão

Mas o que fez com que o rechaço ao governo transbordasse, refletiu, é que tenha havido uma repressão desmedida como a de 21 de novembro. “Uma manifestação em que o presidente e seus ministros mobilizaram a força policial para cometer atos violentos contra a cidadania que protestava pacificamente. Foram agredidos homens, mulheres e crianças, 39 pessoas foram presas de maneira ilegal e dois jovens perderam seus olhos. Tanto quanto pela corrupção, o governo de Alejandro Giammattei é marcado pela repressão, que ninguém suporta mais”, avaliou.

Em meados de fevereiro entidades de profissionais da comunicação e de defesa dos direitos humanos denunciaram que são cada vez mais frequentes “as ameaças de morte, perseguições, roubos e assassinatos” de jornalistas na Guatemala. A situação é tensa, informou o reitor da Universidade de San Carlos, Raul Molina Mejia, pois Giammattei vem “submetendo o país a acordos que violam a soberania nacional, atentam contra nossa saúde e representam a continuidade da ditadura da corrupção”.

O fato, condenou Sonia, é que da mesma forma que desrespeita e agride a democracia, “Giammattei age de forma ultrajante em relação às autoridades indígenas”. Com a crescente oposição à invasão do capital estrangeiro, e a projetos de construção de hidrelétricas e de exploração de mineradoras que agridem a soberania, houve novamente um choque do presidente com as lideranças indígenas.

As ações de Giammattei, sem qualquer diálogo, atentam contra o direito de consulta às comunidades – conferido pela legislação guatemalteca – configurando-se numa ação carregada de discriminação e preconceito. “Pelos atropelos e abusos às lideranças indígenas, por suas atitudes racistas, cada vez mais comunidades têm Giammattei como persona non grata. As comunidades estão resistindo, agindo em defesa do seu território, por isso reivindicam e exigem o direito de consulta”, enfatizou. São tantas e tão flagrantes as ilegalidades, alertou Sonia, “que temos conseguido suspendê-las por várias resoluções do Tribunal Constitucional”. “Demonstramos que suas ações são ilegais e isso é outro elemento que causa preocupação à elite econômica e aos seus partidos”, comemorou.

Compreendendo a relevância da política de ampliar o leque de forças, a líder parlamentar explicou que “trabalhamos numa frente de oposição, com sete bancadas: a Winaq, em que estamos, a Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca (URNG), o Movimento Semilla, o Movimento para a Libertação dos Povos, o Partido Bem-Estar Nacional, o Pan (de Avanço Nacional) e o Unidade Nacional da Esperança (UNE). No caso dos dois últimos, compomos com frações”. “Trabalhamos em unidade pelo desenvolvimento de Guatemala, pelo emprego e pelos direitos, e contra a impunidade”, concluiu.

Autor