Sem oxigênio e remédios, prefeitos temem piores tragédias da pandemia
“Já há registros, de Norte a Sul do país, de escassez e iminente falta desses insumos imprescindíveis para enfrentar a Covid-19”, diz documento da Frente Nacional de Prefeitos
Publicado 19/03/2021 11:53 | Editado 19/03/2021 12:22
A Frente Nacional de Prefeitos enviou ao governo federal, nesta quinta-feira 18, um ofício em que alerta sobre possível falta de oxigênio e de medicamentos já nos próximos dias. Na visão dos gestores municipais, se esse risco se concretizar, o Brasil viverá as piores tragédias da pandemia de Covid-19. Só nesta quinta-feira (18), 2.659 pessoas morreram pela doença no País, elevando para 287.795 o total óbitos desde o início da pandemia, conforme números do consórcio de veículos de imprensa.
“O aumento sem precedentes no número de contaminados com o coronavírus e da demanda por atendimento hospitalar aponta para um cenário potencialmente ainda mais trágico já nos próximos dias: a falta de oxigênio e de medicamentos para sedação de paciente intubados. Já há registros, de Norte a Sul do país, de escassez e iminente falta desses insumos imprescindíveis para enfrentar a Covid-19”, diz o documento, assinado pelo presidente da FNP, Jonas Donizette.
No pedido, os prefeitos pedem que o Ministério da Saúde reforce a aquisição de remédios e determine o redirecionamento de insumos e produtos. “Isso poderia ser feito com a indústria metalúrgica, que utiliza oxigênio com o mesmo grau de pureza do hospitalar, por exemplo”, diz nota. A Frente Nacional de Prefeitos reúne 412 cidades com mais de 80 mil habitantes, o que abrange todas as capitais e representa 61% da população brasileira.
“Não é razoável que pessoas, cidadãos brasileiros, sejam levados à desesperadora morte por ‘afogamento’ no seco, ou que sejam amarrados e mantenham a consciência durante o delicado e doloroso processo de intubação e depois na sua longa permanência. Assim, prefeitas e prefeitos reivindicam que o governo federal tome, imediatamente, as medidas cabíveis para que as cenas trágicas e cruéis recentemente presenciadas em Manaus/AM não se repitam em outras cidades brasileiras”, conclui a nota.
Em meio à disparada de casos de Covid-19 e aumento das internações no País, o estoque de alguns medicamentos necessários para intubação de pacientes graves é de apenas cinco dias. A informação foi apresentada nesta quinta-feira (18) à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp).
Dirigentes da agência consideraram grave a situação. Em algumas regiões do país vagas de UTI estão deixando de ser abertas por falta de remédios, aumentando a fila por leitos. Os estoques de propofol, cisatracúrio e atracúrio só duram cinco dias. O propofol é usado para indução e manutenção de anestesia geral. O cisatracúrio e o atracúrio ajudam a relaxar a musculatura, facilitando a intubação dos pacientes. Há estoque de rocurônio, usado para facilitar a intubação via traqueia, para dez dias e, de midazolam, um sedativo potente, para 15 dias. O estoque de fentanila, indicada para dores extremas, só duram mais 20 dias, diz a Anahp.
Representantes dos hospitais e Anvisa vão tentar agilizar a importação dos medicamentos. Além dos municípios, a situação chegou a um ponto muito crítico já no conjunto de alguns estados. Hospitais filantrópicos do Rio Grande do Sul – um dos estados onde o número de casos de covid-19 mais cresce no País – estão deixando de abrir leitos de UTI por causa da falta de sedativos para intubação. Há o temor de faltar medicamento para quem já está respirando por aparelhos. Outra preocupação é o forte aumento dos preços dos medicamentos.
“Se não conseguirmos repor os estoques podemos ver leitos de UTI sendo fechados. Hoje, a escassez já nos impede de abrir novas vagas e o que nos assombra é a possibilidade de não ter insumos para os leitos já ocupados”, diz José Clóvis Soares, diretor da Federação das Santas Casas, Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do Rio Grande do Sul, que reúne 70% do atendimento no estado.
Soares, que também é diretor de operações da rede Divina Providência, com cinco hospitais, diz que em duas unidades número de leitos de UTI destinados a pacientes de Covid-19 poderia passar de um total de 98 para 136, mas não há garantia de suprimento dos remédios necessários. “Os fornecedores não estão cumprindo o cronograma de entrega”, diz. A demanda por alguns remédios quadruplicou, acrescenta. Em um dos hospitais, o Independência, o consumo de rocurônio aumentou de 3 mil para 12 mil ampolas por mês.
Hospitais do país inteiro enfrentam o mesmo problema, afirma Francisco Balestrin, presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (SindHosp). “Faltam medicamentos na indústria e nos distribuidores, não conseguimos repor nossos estoques”. Pesquisa feita na semana passada mostrou que 40% dos hospitais ligados à entidade relataram problemas de reposição; 30% tinham estoque para uma semana. Em situações normais, em média, os hospitais têm estoque para um mês e compras garantidas para mais 30 dias.
O levantamento mostrou que 80% relataram aumento de preços dos medicamentos. “A fabricação dessas drogas depende de IFA importado e o mundo inteiro está competindo para ter esse produto”, diz Balestrin. O Insumo Farmacológico Ativo (IFA) também é usado fabricação de vacinas anti-Covid. Os preços do rocurônio subiram 900% no último ano, informa Balestrin; do Midazolam, 400%; atracúrio, 200%; e propofol, 140%.
Com informações da CartaCapital e do Valor Econômico