China adota novo plano quinquenal para crescer “com mais qualidade”

Exposição abrangente do plano traça um mapa que conduz ao futuro chinês num horizonte de cinco anos

XI Jinping participa da Assembleia Nacional Popular, em 8 de março

Sob a liderança do Partido Comunista, a busca da China por um novo método para medir e perseguir o desenvolvimento acabou por se refletir no 14º Plano de Desenvolvimento Quinquenal, aprovado na semana passada pelo parlamento chinês. O documento evoluiu com o país e deixou de ser uma rígida pauta com cotas de produção para assumir um caráter de diretriz geral. Mais do que uma meta de expansão planejada da economia chinesa, o centro do novo plano quinquenal adotado é a ideia-força de crescer “com mais qualidade”.

Segundo a agência oficial Xinhua, o plano “expõe as intenções estratégicas da China, especifica as prioridades governamentais e orienta e regula o comportamento das entidades do mercado”. Por isso tem um grande valor, pois sua exposição abrangente traça um mapa que conduz ao futuro num horizonte de cinco anos.

Conforme a agência, a redação do texto foi fiscalizada pessoalmente pelo líder Xi Jinping – que ao longo dos últimos três anos teria reunido propostas e comentários em reuniões com inúmeros agentes sociais. Seu conteúdo foi debatido na reunião anual da Assembleia Nacional Popular (ANP, o Parlamento chinês) e referendado com 2.873 votos a favor, 12 abstenções e 11 rejeições pontuais. As 148 páginas resultantes compreendem 20 indicadores estruturados em cinco áreas: desenvolvimento, inovação, bem-estar popular, sustentabilidade e segurança.

Ao não estabelecer um objetivo de crescimento para o PIB nesse plano quinquenal – diferentemente das 13 versões anteriores –, o governo se mostrou atento à delicada conjuntura histórica. O último plano, em vigor de 2016 a 2020, previa uma expansão anual média de 6,5%, meta truncada pela pandemia, que limitou o crescimento a 2,3% em 2020. A cifra representa o pior resultado para a China em quase meio século – mas também faz dela a única grande economia a não ter sido arrastada para os números vermelhos devido à crise sanitária.

“A ausência de uma meta para o PIB é sintoma de um grande debate não resolvido entre quem defende uma cifra mais baixa que permita lutar com problemas estruturais como a dívida, uma posição difundida entre os acadêmicos, e aqueles que apostam em manter o rumo”, analisa Michael Pettis, professor de Finanças na Universidade de Pequim. O objetivo não é crescer mais apenas por crescer, nas palavras de Xi – e, sim, crescer “com mais qualidade”.

A mais clara manifestação dessa guinada ocorreu quando, durante a Assembleia, o primeiro-ministro Li Keqiang anunciou que o objetivo de crescimento para 2021 será de 6%. É uma marca modesta, levando-se em conta que as projeções do Fundo Monetário Internacional apontam para mais de 8%. Mas é um meio-termo perante as vozes que pediam menos preocupação com o PIB e mais foco do Estado em outras métricas, como o desemprego. “Caminhar rápido não quer dizer necessariamente caminhar com firmeza”, afirmou Li em entrevista coletiva após sua intervenção no Parlamento.

Mas o fato de o Plano Quinquenal não mencionar metas não significa que elas não existam. Como explicou Hu Zucai, diretor-adjunto da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, uma meta, mesmo definida em termos “qualitativos”, contém também uma dimensão “quantitativa implícita”. Para atribuir um número às palavras, a China quer alcançar um PIB per capita compatível com o de “países moderadamente desenvolvidos” – “um nível razoável”, limitou-se a dizer.

“Xi anunciou sua ambição de dobrar o tamanho da economia em 15 anos, o que exige um crescimento anual de 4,7%, o qual deve ser mais rápido no começo para compensar a desaceleração progressiva”, calcula Pettis. A ênfase renovada na “qualidade” do crescimento está vinculada a uma inquietação com a dívida, que no último ano alcançou o equivalente a 280% do PIB.

O texto oficial transcende a economia e outras considerações domésticas: todos os âmbitos estão enlaçados, formando um intricado nó. De acordo com as disposições do documento, a “nova etapa de desenvolvimento” coincide com um cenário global de crescente animosidade, em que a inovação desempenha um papel fundamental.

Prova disso é que a tecnologia conta, pela primeira vez, com um capítulo próprio. Em termos práticos, o impulso estatal à inovação se traduz em mais recursos. O governo prevê que ao longo dos próximos cinco anos o investimento em pesquisa e desenvolvimento crescerá a um ritmo anual superior a 7%, uma cifra viável, já que no último quarto de século nunca caiu a menos de 8%. Em termos absolutos, China destina 2,4% de seu PIB a esse item, três pontos percentuais a menos que os Estados Unidos.

Os recursos irão para setores considerados “estratégicos”. O plano menciona sete: inteligência artificial, informação quântica, semicondutores, neurociência, engenharia genética, medicina clínica e a exploração do espaço, das profundezas oceânicas e dos polos. O tema central é a autossuficiência: um conceito transversal no planejamento, pois a China pretende reduzir suas vulnerabilidades e se blindar contra o exterior.

Esta noção também está na base do novo modelo econômico conhecido como o sistema de “dupla circulação”, consistente em uma substituição de importações acompanhada do fortalecimento da demanda interna. Para isso, o governo deve estimular o consumo, uma área ainda pendente de consolidação por causa dos efeitos da crise sanitária. “Ainda há muita incerteza sobre a recuperação da economia global”, admitiu Li. “As pequenas e médias empresas continuam tratando de recuperar sua vitalidade.”

Outro núcleo do crescimento “de qualidade” passa pela produtividade. O plano quinquenal dá ênfase a essa questão, apostando em manter sua progressão em níveis superiores do PIB. Trata-se de uma necessidade imperiosa, dada a carência de população ativa, o que reflete as tendências demográficas. As autoridades atualmente buscam incentivar a natalidade, que se encontra em seu nível mais baixo das últimas sete décadas.

Por todos os motivos citados, a melhora das condições sociais é prioritária. O texto oficial menciona sete indicadores relacionados a essas condições, de um total de 20, o que é uma proporção sem precedentes. Para um país que em menos de 20 anos enfrentou e venceu a extrema pobreza, desafios sociais audaciosos não hão de intimidar.

Com informações do El País